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Técnica da Vale para barragem é vetada no Chile

O Globo, País, p. 6
29 de Jan de 2019

Por ser menos seguro, modelo de barragem de Brumadinho já foi banido em outro país
Proibido no Chile, método prevê que o dique inicial seja ampliado para cima, usando o próprio rejeito de minério de ferro

RIO - A barragem da mineradora Vale, que se rompeu na sexta-feira, em Brumadinho (MG), usava uma tecnologia de construção comum em projetos de mineração pelo mundo, mas por ser uma opção menos segura já foi banida por países como o Chile. O método, chamado de alteamento a montante, é o mesmo da barragem da Samarco em Mariana, que rompeu em 2015. Ele permite que o dique inicial seja ampliado para cima quando a barragem fica cheia de rejeitos de minério, usando o próprio material descartado - uma lama formada por ferro, sílica e água - como fundação. Segundo especialistas, ele é comumente usado por ser mais barato e ocupar menos espaço, mas tem mais riscos de romper devido a inexistência de uma base sólida. Eles defendem que esse modelo não seja mais usado em futuros projetos, no Brasil.

- Não existe risco zero na engenharia. Mas o nível desse risco vai depender de quanto se quer gastar para diminui-lo. Menor risco, maior custo. São dois pratos e uma balança - diz Alberto Sayão, especialista em engenharia geotécnica, professor de engenharia de barragens da PUC-Rio e ex-presidente da Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica (ABMS).

Willy Lacerda, professor de engenharia geotécnica da Coppe/UFRJ, classifica esse tipo de barragem como "bomba-relógio" e defende que esse modelo deveria ser banido, a exemplo do Chile:

- Por ser mais econômica, ela tem vários problemas e seu nível de segurança depende muito mais da qualidade da construção e de um controle de estabilidade eficiente. Em 1974, um terremoto destruiu todas as barragens de rejeitos das minas de cobre, no Chile. Desde então eles substituíram esse modelo pelo convencional, mais seguro.

Além da falta de uma base sólida, o professor da Coppe/UFRJ diz que o controle de risco de rompimento, feito por meio da medição, geralmente manual, da pressão da água no interior da barragem, deveria ser acrescido de um instrumento chamado de inclinômetro - que mede a deformação do interior da barragem em vários níveis. Segundo o especialista, esse instrumento identifica se há movimento, um sinal mais fiel de que há possibilidade de a estrutura ruir.

A segunda medida, que teria tido grande efeito de contenção de perdas humanas e prejuízo financeiro em Brumadinho, seria realizar estudo que avalia os potenciais impactos da ruptura de uma barragem, chamado de dam brake .

- É um programa de computador que calcula tanto a largura quanto o alcance da mancha de lama resultante do rompimento da estrutura. Isso permite fazer um zoneamento e tirar pessoas do caminho dos rejeitos. Se a Vale tem esse estudo, não sei porque ela mantinha sua área administrativa e refeitório abaixo da barragem - questiona Lacerda.

Sayão diz que o grande risco desse tipo de estrutura é que a parede de contenção da barreira é apoiada em cima do rejeito mole. Ele é fluído porque a mistura de ferro e sílica ganha água antes de ser jogada na barragem para que o despejo ocorra por tubulação. Por essa razão, toda barragem precisa ter um sistema de drenagem altamente eficiente, para eliminar, aos poucos, tanto essa água, como a da chuva, impedindo que o excesso de líquido abale a estrutura da barragem, levando a uma ruptura.

- Em Mariana foi identificado que os sistema de drenagem falhou. Quanto mais água, mais perigoso - alerta Sayão.

Modelos mais eficientes
Os dois especialistas defendem a adoção de outro modelo, o convencional, também chamado de alteamento a jusante, que passou a ser usado no Chile depois da proibição do uso de projetos semelhantes ao de Brumadinho. Mais seguro, é composto por prismas de terra sólida, que são apoiados no solo. É mais caro que o outro modelo, ocupa mais espaço e consome mais terra, e por isso é menos usado pelas mineradoras.

- Muitas barragens têm esse tipo de modelo e desenho da de Brumadinho, com o refeitório e a área administrativa aos seus pés, porque ficam dentro de áreas industriais que têm espaço bastante limitado. Você pode erguer essa estrutura no pé da barragem, desde que não ocorram acidentes - diz Sayão.

Ele também cita outra alternativa para eliminar riscos na operação. Em vez de despejar rejeito mole na barragem, filtrar e prensar o material, para que se tornem torrões sólidos. O transporte até a barragem, nesse caso, teria de ser feito por caminhões. Larcerda cita ainda, que há estudos, em universidades brasileiras e na própria Samarco, que propõem a transformação dos rejeitos em tijolos para a construção civil, o que dispensaria a existência de barragens.

- Depois do evento de Mariana, passamos a discutir a adoção de outras técnicas. Diante desse novo acidente, será necessário apertar a fiscalização, vistorias as barragens existentes e se certificar que estão funcionando bem, sem indício de trinca. Em Brumadinho, pode ter havido falha no sistema de drenagem e no instrumento de monitoramento de risco, impedindo que os protocolos de emergência fossem colocados em prática. Uma barragem não pode romper e matar tanta gente - completa Sayão.

Após o desastre em Brumadinho, a Vale criou um grupo de trabalho que vai apresentar nos próximos dias um plano para aumentar os níveis de segurança de todas as barragens da mineradora. De acordo com o presidente da empresa, Fabio Schvartsman, o objetivo é superar os parâmetros mais rigorosos existentes hoje no Brasil e no mundo.

- Me parece que só tem uma solução: nós temos que ir além de qualquer norma, nacional ou internacional. Nós vamos criar um colchão se segurança bastante superior ao que existe hoje - afirmou o executivo.

Colaborou Ramona Ordoñez

O Globo, 29/01/2019, País, p. 6

https://oglobo.globo.com/brasil/por-ser-menos-seguro-modelo-de-barragem…

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