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Taxa de índios desnutridos é o dobro da média

FSP, Brasil, p. A15
30 de Jan de 2005

Taxa de índios desnutridos é o dobro da média
Pesquisa feita pela Funasa no MS mostra índice de desnutrição infantil de 15%, índice nacional é de 5,7 %

Hudson Corrêa

A desnutrição entre índios menores de cinco anos nas aldeias de Mato Grosso do Sul é o dobro da verificada entre crianças não-índias no Brasil. O quadro pode ser ainda pior porque o dado sobre as aldeias se refere a 2004, enquanto que o geral do país (o último disponível) é de 96 e vinha registrando tendência de queda.
Entre as crianças índias guarani e caiuá que vivem no sul do Estado e são mais pobres, o índice chega quase ao triplo do nacional. Das crianças índias de MS, cerca de mil estão desnutridas -12% da população infantil indígena. Essa é uma estatística da Funasa (Fundação Nacional de Saúde) que ainda aponta 15% (1.300) em risco nutricional, ou seja, com o peso abaixo do normal em relação à idade que têm.
Para fazer uma comparação com a infância de fora da aldeia, a Funasa usa a PNDS (Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde) de 1996 segundo a qual 5,7% das crianças menores de cinco anos estão desnutridas.
Responsável pela saúde indígena a partir de 1999, a Funasa realiza a pesquisa sobre desnutrição apenas nas aldeias de Mato Grosso do Sul desde 2003 e vai estender o projeto a outros Estados.
Por trás de porcentagens e estatísticas estão crianças índias como o bebê J., de um ano e sete meses, internado no Centro de Recuperação de Desnutridos, mantido pela Missão Evangélica Caiuá em Dourados (219 km de Campo Grande) com ajuda do programa Fome Zero, do governo federal.
Na ficha do bebê j. consta que ele chegou no dia 21 de dezembro pesando 9,5 kg. Foi tratado e liberado, mas voltou ao centro 19 dias depois, pesando apenas 6 kg. Deveria ser o dobro pela sua idade.
A índia caiuá Regina Batista Cabreira, 25, mãe do bebê e de outras duas crianças menores de seis anos, diz que a cesta básica distribuída mensalmente pelo governo do Estado, com 32 quilos de alimentos, acaba em dez dias. O marido trabalha no corte de cana-de-açúcar e fica longe de casa por 90 dias. "Eu fui [com o filho] no posto de saúde e disseram que não tinha médico. Voltei e também não tinha. Gastei R$ 50 de farmácia [com remédios], mas não adiantou", disse Cabreira.
O bebê não consegue voltar a comer. Segundo a auxiliar de enfermagem Fátima Ferrerinha, que cuida dele, o menino rejeita alimentos e chora freqüentemente.
O dinheiro do Fome Zero, também não é totalmente utilizado. Na primeira fase do programa, em 2003, o governo estadual recebeu R$ 5 milhões do governo federal, mas aplicou apenas R$ 3,8 milhões. A quantia de R$ 1,2 milhão, disponível há um ano e dois meses, ainda não foi gasta.
A Folha não conseguiu falar com o secretário do Trabalho, Assistência Social e Economia Solidária, Sérgio Wanderly Silva, responsável pela execução do programa. Na sexta-feira, o governador Zeca do PT não quis dar entrevista (leia texto nesta página).
Na última quinta-feira, a Folha passou um dia no Centro de Recuperação dos Desnutridos, em Dourados. Havia 31 crianças.
A menina G., de um ano e quatro meses, é a criança mais debilitada na instituição. Pesa apenas 4,4 kg. Deveria ter quase o triplo.
Veio do município vizinho de Amambai há duas semanas. Sua recuperação deve demorar no mínimo seis meses. Ela não consegue nem se sentar no berço.
No centro de recuperação, os bebês começam o dia com mamadeira. Almoçam às 10h, recebem outra mamadeira à 14h e jantam às 16h. À noite, nova mamadeira.
Após deixarem o centro, as crianças terão futuro incerto. A diretora administrativa da instituição, Marília Troques, disse que algumas passam até um ano se recuperando da desnutrição, mas voltam em dois meses no mesmo estado da primeira vez.

Governo promete prorrogar Fome Zero nas aldeias
O secretário de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério de Desenvolvimento Social, José Giacomo Baccarin, disse que será prorrogado por um ano o Fome Zero nas aldeias. Ele afirma que o programa está dando certo no Estado.
Segundo ele, os indicadores mostram redução da fome entre os índios. O ministério afirma que 11 mil famílias são atendidas nas aldeias.
O diretor do Departamento de Saúde Indígena da Funasa, Alexandre Padilha, disse que o índice de desnutrição infantil caiu de 15% em 2003 para 12% em 2004, devido à ação de agentes de saúde.
Ele disse que, a Funasa investirá em 2005 no atendimento a crianças em outros municípios.

Mães dão álcool para os bebês
"Mães [índias] dão álcool para os bebês pararem de chorar na aldeia", diz o médico Franklin Amorim Sayão, 59, diretor do hospital da Missão Evangélica Caiuá, que atende somente índios em Dourados (MS).
"Geralmente, a mãe que não alimenta o filho é alcoólatra", completa Marília Troquez, enfermeira e chefe-administrativa do Centro de Recuperação de Desnutridos; ligado ao hospital. Troquez também afirma que os índios dão bebida alcoólica para os filhos.
Há 17 anos, Sayão trabalha no hospital atendendo índios. Mesmo sem dados estatísticos, afirma convicto que ao menos 20% da população indígena do sul do Estado é alcoólatra.
Antropólogos e técnicos da Funai (Fundação Nacional do Índio), que chegou a criar em 1995 um "Alcoólicos Anônimos" para moradores de aldeias, estudam o problema, mas não chegaram a conclusões. Bêbados, os índios das etnias guarani e caiuá cometem suicídios. Foram 234 casos nos últimos cinco anos.
A falta de terra é apontada como um dos motivos das mortes e do alcoolismo. Em Mato Grosso do Sul, índios e ruralistas disputam a posse de ao menos 24 fazendas. Há oito ordens da justiça de desocupação de áreas onde estão famílias indígenas.
Sayão diz que os casos de desnutrição, suicídio e alcoolismo não são novidade no hospital.
Segundo ele, em pouco anos o hospital vai receber mais índios com Aids do que com tuberculose, doença que ainda faz quase 70 vítimas por ano nas aldeias. Em 1999, chegava a ser até 190 por ano. Sobre a Aids, Sayão afirma que no ano passado três índios morreram por causa da doença. "Um contaminado espalhou o vírus para uns quarenta. Ficamos sabendo disso", afirmou.

FSP, 30/01/2005, Brasil, p. A15

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