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A sustentável leveza de ser cidadão atuante

O Globo, Razão Social, p. 6-7
03 de Dez de 2007

A sustentável leveza de ser cidadão atuante
Fórum Amazônia Sustentável reúne cerca de 80 ongueiros e empresários para

Por Amélia Gonzalez

Quem diria. Todo mundo comportado, ouvindo e cantando o Hino Nacional com as mãos nos peitos, em ato de contrição. As bermudas e sandálias deram lugar a ternos ou roupas mais apropriadas porque, afinal de contas, aquele espaço exigia mais formalidade.

Além da Ministra do Meio Ambiente Marina Silva, outras autoridades estavam presentes. Era o ato final de um maravilhosamente tumultuado e livre Fórum democrático que rendeu a Carta de Compromissos para a Amazônia Sustentável. E naquela quinta-feira 8 de novembro, às 10h, depois de três dias de muitas discussões e "questões de ordem", o texto era lido, com pompa e circunstância, pelo ator Victor Fasano para a platéia no Centro de Convenções de Belém.

Todo o processo envolveu cerca de 80 pessoas de origens e pensamentos bem diferentes. ONGs de diversos tamanhos e motivações (desde os atentos à população indígena desconhecida do Rio Negro, aos numerosos WWF, GTA, ISA), institutos de pesquisa, um representante do Ministério Público Federal e empresários de grande e médio porte. Corporações do tipo Companhia Vale do Rio Doce, Petrobras, Natura, grupo Orsa, o grupo de soja Maggi, bancos fortes, bancos médios, bancos preocupados com o futuro do planeta. Lado a lado, expondo suas diferenças e polêmicas.

Mas, brasileiros que somos, as roupas eram informais e, como não podia deixar de ser, havia um animador, o Paulo Roberto Sposito Oliveira, mais conhecido como Magnólio Oliveira, da ONG Saúde & Alegria, uma das anfitriãs junto com o Instituto Ethos, o Instituto Socio Ambiental e o Imazon.

Magnólio punha ordem na bagunça.

Ou será desordem na construção? Ou ainda... ludicidade e movimento para o ambiente não ficar tenso? - A gente precisa se distrair um pouco também, né? - dizia, inventando um jeito diferente de aplaudir ou sugerindo exercícios de relaxamento.

Para começar, o próprio nome da carta foi tema de debate. Ou melhor, diálogo. Sim, há uma diferença e não é irrelevante: debate leva a um embate, diálogo leva a um encontro. Sendo assim, a carta que seria de Princípios virou de Compromisso, justamente para que todos se sentissem incluídos.

E seguem-se as discussões. João Meirelles, da Oscip Instituto Peabiru, por exemplo, queria um adendo:
- Precisamos lembrar que a pecuária é devastadora - disse ele.
Não vamos polarizar, nem excluir. Este não é nosso objetivo lembrou Paulo Itacarambi, diretor do Ethos, fazendo questão de destacar o espírito de confiança que era preciso atrair para o encontro.

Quem assistiu às últimas dez horas de diálogo viu, com clareza, que a grande questão que provoca inevitáveis confrontos entre segundo e terceiro setor é simples: o tempo de cada um. Vi empresários coçarem a cabeça, nervosos porque em seu mundo tudo aquilo poderia ser resolvido muito mais rápido. Era só apresentar um plano de ação, focar, não tergiversar.

Vi ongueiros satisfeitos com tanta discussão, acostumados que estão a esse modelo democrático, caótico, diverso. Mas, sobretudo, ouvi depois, de uns e outros, que estavam ali também como cidadãos do mundo, que nunca tinham vivido um momento tão rico em suas vidas. E é verdade.

Flavia Moraes, gerente de sustentabilidade da Philips, assistia, meio calada, à discussão que esquentava porque alguém tinha implicado com o uso de um gerúndio numa das frases. Levantouse um pouco, passou por mim e disse, baixinho: "Dá para ver como democracia dá trabalho, né?" O sorriso no rosto mostrava que seu tempo não estava sendo gasto à toa.

- Sabe que dá para fazer um glossário? O Terceiro Setor não "fala", ele "traz a palavra". E a reunião de muita gente, para eles, é "coletivo" - comentou depois, divertida.
Rubem Gomes, do Grupo de Trabalho da Amazônia (GTA), passou esfregando as mãos e rindo. Estava em casa. Mas, na hora de falar, foi a sério que chamou a atenção para a importância daquele encontro, pedindo que todos fossem mais proativos. Dia seguinte, já todo vestido e circunspecto para a solenidade, comentou comigo:
- Vou provocar com meu discurso.

É preciso que todo mundo encare este como um primeiro passo de muito trabalho. Não podemos deixar cair no esquecimento - disse.

Oito GTs (grupos de trabalho) foram formados no fim da tarde do último dia de discussões. Quem se adequava mais a cada um dos temas que serão abordados (ver acima) levantava a mão e se juntava aos outros. Em minutos, e desta vez sem discussões, todo mundo se encaixou.

Arrumados, cantando o Hino, aqueles cidadãos tinham sobre os ombros uma leveza sustentável. De terem contribuído com seu tempo e pensamentos para o início de um momento que já deveria ter acontecido há muito. Afinal, como todos sabemos, já não temos tempo sobrando para salvar a Amazônia.

Há muito o que fazer

Para cumprir sua missão democrática, o Fórum Amazônia está sempre aberto a adesões. E cada grupo de trabalho tem um executivo, escolhido por todos. Daqui a um ano, outra reunião será feita para avaliar os passos que já foram dados. São oito as linhas de ação que deverão ser seguidas: 1. Mobilização da sociedade para o controle social do mercado e das políticas públicas; 2. Fortalecimento do mercado de produtos e serviços sustentáveis; 3. Construção de compromissos de boas práticas produtivas; 4. Valorização do conhecimento tradicional e reconhecimento e garantia dos direitos de povos indígenas, comunidades quilombolas e populações tradicionais; 5. Estímulo ao desenvolvimento científico e tecnológico para a sustentabilidade;6.

Demanda de ações do Estado para ordem amento, regulação, fiscalização, monitoramento e proteção de direitos; 7. Proposição de Políticas Públicas de fomento e apoio ao desenvolvimento sustentável; e 8.
Fomento ao diálogo entre as organizações e redes dos países amazônicos.

O Globo, 03/12/2007, Razão Social, p. 6-7

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