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Sustentabilidade para quem precisa

Página 22 n. 83, Abril, 2014, p. 42-49
19 de Mar de 2014

Sustentabilidade para quem precisa
Cada vez mais incluídas na sociedade de consumo, as comunidades da periferia concentram urgentes problemas socioambientais. Ainda assim, permanecem desfocadas da agenda hegemônica

por Fábio de Castro # em 83

Ao meio-dia, um sol escaldante arde sobre a Favela Asa Branca, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, atingindo em cheio as lajes das casas de alvenaria e as ruas cimentadas. Não há árvores ali, e a pavimentação, feita há menos de um ano, foi a primeira intervenção relevante do poder público na área desde 1986, quando nasceu a comunidade hoje de 3,5 mil pessoas no bairro de Curicica, ao lado de Jacarepaguá.
A tranquilidade das vielas áridas, onde só algumas crianças tomam banho de mangueira, contrasta com a agitação que se vê na entrada principal da favela, na Avenida Salvador Allende. Ali, diante da padaria e da loja de acessórios para motos, há algumas vans estacionadas repletas de passageiros, que aguardam a partida, cobertos de suor. É o principal meio de transporte local - citado pelos moradores como um dos aspectos positivos da comunidade, apesar das escassas linhas de ônibus que cruzam a avenida esburacada.
"O lugar aqui é muito bom. Tem muitas vans e não tem traficante, nem violência", diz João Araújo, o Ceará, proprietário de um dos vários bares da favela, onde mora há cinco anos. Muitos dos estabelecimentos possuem ligações elétricas irregulares. Mas aceitam-se cartões de crédito. Água não é problema na favela, mas a rede de esgoto, construída pelos moradores em sistema de mutirão, é precária e insuficiente.
A Favela Asa Branca está incluída no Programa Morar Carioca, da prefeitura do Rio de Janeiro, que promete urbanizar as favelas da cidade até 2020. Mas as obras ainda não começaram no local. Leia mais aqui.
Embora não esperem nada do poder público, estão satisfeitos com um maior acesso ao consumo nos últimos anos, e consideram que melhoraram de vida. "Graças a Deus, consegui abrir meu bar. Nunca mais quero ter patrão", observa Ceará, que trabalhava como copeiro.
Assim como o governo, o Terceiro Setor também parece estar ausente. Nem o dono do bar nem seus fregueses conhecem qualquer projeto voltado para gestão do lixo, abastecimento de água, saneamento, moradia sustentável, plantio de árvores, controle da poluição ou recuperação ambiental... "Sustentabilidade? Sei não. Nunca ouvi falar", diz Ceará. Os outros três moradores também sacodem a cabeça, negativamente.
LIXO E LUXO
O bar do Ceará fica no extremo mais degradado da Asa Branca, em frente ao canal da Pavuninha, que desemboca na Lagoa de Jacarepaguá. Contaminado, assoreado e exalando um odor fétido, o canal está cheio de lixo de todo tipo: latas, lâmpadas, sofás, e até mesmo carcaças de veículos. Nesse ponto, o canal tem 5 ou 6 metros de largura, mas não se vê a água, coberta por uma impressionante montanha de garrafas pet e sacos plásticos. Um cavalo pasta no matagal das margens e dois cães rasgam alguns dos inúmeros sacos de lixo ali esquecidos. Ceará garante que o lixo é coletado três vezes por semana. "Mas ninguém separa, não, vai tudo junto", conta.
Atrás da favela, no lado sul, podem-se ver algumas dezenas de torres residenciais novas em folha. São só uma parte dos mais de 140 condomínios erguidos no local, na onda de especulação imobiliária deflagrada pela construção do Parque Olímpico[1], que ficará a poucos metros dali, junto da lagoa. Do outro lado da comunidade, é tocada a obra do BRT TransOlímpica, corredor expresso para ônibus que cortará várias das favelas de Curicica e forçará a remoção da vizinha Vila Autódromo.
[1]Conheça a localização e mais detalhes sobre o Parque Olímpico.
"Há um ano, se você chegasse aqui, não ia ver nada disso, só a favela e mato", diz Maria da Penha, a esposa de Ceará, que veste o uniforme impecável do hotel de luxo inaugurado em outubro de 2012 a 300 metros da favela. Maria acaba de chegar do serviço, que teve início às 3 horas da manhã. "O bom para nós é que tem muito trabalho. O problema é que está ficando caro", afirma, referindo-se ao processo que transformou o bairro em um imenso canteiro de obras. Na favela, o aluguel de um quitinete passa de R$ 500 reais e a concorrência é alta.
Em geral, os problemas presentes na comunidade Asa Branca se repetem não apenas nas favelas do País - onde vivem mais de 11,5 milhões de pessoas[2] -, mas também nos bairros em que se concentram as classes C, D e E das grandes cidades. Porém, essas áreas, justamente as mais afetadas por problemas socioambientais, parecem ainda ocupar lugar marginal na agenda hegemônica de sustentabilidade[3].
[2]Segundo o IBGE, na publicação Aglomerados subnormais, baseada no Censo 2010
[3]Agenda normalmente centrada em florestas, energia, mudança climática e temáticas que relacionam conservação e comunidades tradicionais, como povos indígenas, quilombolas e extrativistas
SEM APELO
Uma das razões para isso, além da falta de tradição dos atores mais influentes do campo socioambiental em atuar na periferia urbana, é a dificuldade de obter recursos, de acordo com a secretária executiva adjunta do Instituto Socioambiental (ISA), Adriana Ramos. Segundo ela, os financiadores preferem investir em temas mais palatáveis ao público, como a recuperação de florestas e conservação da biodiversidade.
Um exemplo dessa dificuldade foi a tentativa frustrada do próprio ISA de manter sua primeira iniciativa em meio urbano: um programa para recuperação de mananciais em comunidades situadas na Represa do Guarapiranga, na Zona Sul da capital paulista. Adriana conta que o programa, iniciado em 2002, foi interrompido em 2009 por falta de dinheiro.
Um motivo para a dificuldade é o perfil dos financiadores tradicionais do ISA, voltado sobretudo para a questão florestal. "Além disso, naquela época, o investimento social privado no Brasil estava associado mais a ações de marketing que de responsabilidade social", explica Adriana.
O programa, por exemplo, contemplou um diagnóstico socioambiental participativo da Bacia do Rio Guarapiranga - segundo maior manancial da Grande São Paulo -, envolvendo a mobilização popular[4]. "O problema é que o programa atuava em áreas de ocupação, onde há conflitos de terra. Essa agenda é muito sensível e vista de forma negativa. Os financiadores não queriam se associar a ela", diz.
[4]Informações sobre o diagnóstico disponíveis aqui
A partir disso, o ISA não tentou mais criar novos programas em regiões urbanas. Adriana explica que as dificuldades para viabilizar projetos são imensas quando o tema da sustentabilidade é combinado aos problemas da exclusão social e habitacional. "O próprio tema da sustentabilidade já é marginal na pauta nacional. As empresas se interessam, desde que não afete o lucro. Quando esse tema periférico é combinado com um espaço urbano também marginal, simplesmente ninguém quer saber", afirma.
De acordo com a dirigente da entidade, a fragmentação temática precisa ser superada. "Temos financiadores para programas florestais em comunidades indígenas, mas não para projetos de gestão de resíduos sólidos nessa comunidade - que é um problema sério. É preciso integrar a agenda", declara.
A pouca penetração das políticas de sustentabilidade nas periferias, então, poderia ser atribuída à dificuldade do Terceiro Setor de integrar as abordagens socioambientais e obter financiamento e à falta de interesse do empresariado em temas conflitivos ligados à população de baixa renda. "O setor público, que poderia cumprir um papel articulador, tende a pautar suas políticas pelos interesses privados", completa Adriana.
ADAPTAR É PRECISO
Nesse contexto, quem acaba levando a fama de vilão da sustentabilidade é a população que vive nas periferias urbanas, por ter cada vez mais afluência ao consumo, sem ter acesso à educação ambiental. Nada poderia ser mais injusto, na opinião de profissionais e ativistas de organizações que atuam nessas comunidades, como Elisabeth Grimberg, coordenadora executiva do Instituto Pólis[5].
[5]Tradicional ONG da cidade de São Paulo, com trabalhos nas áreas de democracia e participação, cidadania cultural, inclusão e sustentabilidade e reforma urbana. Acesse o site polis.org.br
Especialista na gestão de resíduos sólidos, Elisabeth afirma que a população de baixa renda é muito aberta à questão ambiental. "Não vejo diferença significativa entre as atitudes das pessoas em comunidades de baixa renda ou em partes ricas da cidade. Quando têm um mínimo de informação, as pessoas se sensibilizam facilmente. A diferença é a infraestrutura e as políticas de gestão de resíduos", avalia a coordenadora.
Cenários como o da Favela Asa Branca, com resíduos se acumulando aos montes, provavelmente se devem mais à falta de equipamento adequado que à suposta "falta de cultura" ou educação ambiental da população. "Para tudo há solução. Mas é preciso instalar equipamento adequado, dialogando com a população. Isso não é tão complexo. Se a solução for participativa, as pessoas vão aderir", afirma Elisabeth. Para ela, o elemento participativo é essencial para que os projetos funcionem de fato. O design das lixeiras, por exemplo, precisa ser adaptado à realidade de cada comunidade.
"Se o problema persiste mesmo com equipamento e coleta regular, aí, sim, o que falta é orientação. Mas isso vale para as áreas ricas também. Não se pode acusar a população de ser mal-educada se o local não tem a estrutura necessária. Essa imagem é puro preconceito", diz.
MUDANÇA DE CULTURA
Historicamente, a agenda da maior parte das grandes ONGs da área socioambiental concentra-se nas questões florestal, indígena e quilombola, em detrimento dos problemas do meio ambiente urbano. Mas esse cenário de divisão temática radical já começa a mudar, em que pesem as adversidades financeiras.
A SOS Mata Atlântica ilustra essa tendência: embora originalmente voltada para a questão florestal, a ONG passou a também atuar em projetos urbanos relevantes, em especial nos últimos cinco anos.
"O objetivo é estimular, nas cidades com Mata Atlântica em seus limites, a percepção de que os problemas da floresta impactam a cidade e vice-versa", diz Romilda Roncatti, coordenadora da área de Projetos Urbanos da SOS Mata Atlântica. Ela observa que o ingresso mais intenso da SOS na agenda marrom (que lida com assuntos das cidades) nos últimos anos ocorre sob um contexto de maior percepção das grandes ONGs ambientalistas de que a problemática da periferia urbana é indissociável da agenda da sustentabilidade.
A estratégia para isso é trazer os temas da sustentabilidade para o cotidiano dos moradores, mostrando na prática de onde vem a água que bebem, como a floresta regula o clima, como o desmatamento gera desastres urbanos e como o lixo jogado nos córregos vai ocasionar doenças e inundações, por exemplo.
Um dos projetos consiste em um caminhão itinerante que mostra aos moradores maquetes e modelos que apresentam de forma lúdica e intuitiva o funcionamento dos ecossistemas. "O Projeto Urbano já foi levado a 130 cidades do Brasil, com participação de mais de 700 mil pessoas. Desde agosto do ano passado, começou a ser realizado também na periferia de São Paulo, onde foi apresentado em 10 localidades, chegando a 7,4 mil pessoas", conta Romilda. A partir do segundo semestre de 2014, o projeto adotará um modelo participativo. "Além das atividades de educação ambiental, queremos conversar com a população. Sabemos que cada comunidade pode ter necessidades diferentes e vamos nos adaptar", diz.
ADESÃO EXEMPLAR
Outro projeto da SOS Mata Atlântica no meio urbano é o "Observando o Tietê", que formou grupos populares de monitoramento da qualidade da água nas periferias dos 39 municípios da Grande São Paulo. Segundo Malu Ribeiro, coordenadora da Rede das Águas da SOS, apesar de toda a carência financeira, os moradores desprovidos de acesso a saneamento básico ou programas habitacionais são justamente os mais abertos às mudanças culturais e comportamentais. "Quando tentamos atuar em condomínios de classes A e B nessas áreas, as pessoas nem querem nos atender", diz. O mesmo ocorre nas campanhas de economia de água. "Quem sofre com a escassez é muito mais sensível e, em consequência, muito mais participativo", afirma.
Um exemplo de sucesso dessa participação é o programa "Se Liga na Rede", que o governo paulista criou graças a uma mobilização social apoiada pela SOS Mata Atlântica. A iniciativa permite financiar obras internas nas casas de famílias com renda até três salários mínimos, a fim de conectar o esgoto doméstico à rede coletora. "Essas pessoas não queriam continuar jogando o esgoto no córrego, mas não tinham recursos. Com a participação ativa delas, conseguimos sensibilizar o governo", explica Malu.

Projeto Imargem: participação e arte

A necessidade de processos participativos nos diagnósticos e nas políticas socioambientais na periferia é praticamente uma unanimidade entre os especialistas e entre as ONGs da área de sustentabilidade. No entanto, conseguir essa participação nem sempre é algo trivial. A população, como se viu, acolhe orientações práticas sobre como lidar com determinados problemas ambientais, mas dificilmente adere aos programas que demandam participação mais intensa.
Algumas iniciativas, como o Projeto Imargem, tentam desenvolver metodologias de ação capazes de contornar esse obstáculo. Iniciado em 2006, contempla uma intervenção multidisciplinar que alia arte e educação ambiental em comunidades da região do Grajaú, na Zona Sul da capital paulista.
Em conjunto com as pessoas das comunidades, as atividades buscam desenvolver maneiras de usar os resíduos sólidos como fonte de geração de renda. As próprias lixeiras, por exemplo, podem ser obras de arte produzidas com material reciclado. "Um dos principais recursos para atrair a participação das pessoas é a utilização de uma estética com a qual a cultura local tem identificação. Além de conseguir a adesão das pessoas, ajudamos a superar o estigma da estética marginal", explica o coordenador do Imargem, Mauro Neri.
"Não é tão simples fazer o pessoal participar. Falar de arte e sustentabilidade para pessoas com necessidades tão básicas é sempre um desafio. Além disso, temos de competir com uma cultura de consumo de massas muito enraizada. Mas nós insistimos e temos conseguido resultados gratificantes", afirma Neri.
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À margem da margem

por Juliana Arini, de Cuiabá # em 83

Afastado do eixo São Paulo-Rio e à margem da capital mato-grossense, um importante tributário do Pantanal recebe esgoto de grandes cidades. O descaso com o Rio Cuiabá impacta pessoas e uma bacia inteira

"Quase não há mais pescadores e a maioria dos jovens foi embora em busca de outras profissões", conta Alice Almeida, 67 anos, presidente da associação dos moradores de São Gonçalo Beira Rio, na periferia da capital mato-grossense. O bairro margeia o Rio Cuiabá, que segue sinuoso até o Pantanal. Com águas escuras e barrosas, esse importante tributário do Pantanal chega ao bairro depois de atravessar as cidades de Várzea Grande e Cuiabá, que despejam no rio 78% do esgoto produzido por quase 900 mil habitantes. Rio federal, o Cuiabá é o mais importante afluente do Paraguai, principal rio da Bacia do Alto Paraguai. Mas a poluição lançada pelas cidades parece ser ignorada pelos governos, a sociedade civil e o restante do País.
Além do mau cheiro e da poluição, as águas do Cuiabá levam e trazem ao São Gonçalo ilhas flutuantes de garrafas plásticas, embalagens pet, latas, pneus velhos e todo tipo de lixo. "Quando tem mutirão, retiram até geladeira lá do fundo", diz dona Alice, enquanto mira o rio da varanda de sua casa. "Quando era criança, o Cuiabá era tão limpo que dava até para ver os peixes no fundo. A criançada já nascia nadando", relembra, com um sorriso. "Hoje, os meus netos nem entram nessa água. A poluição foi o preço do progresso", conta.
Apesar do cenário pouco animador, a comunidade é um exemplo de resiliência. No fim da década de 1990, quando a poluição e o aumento populacional desencadearam um processo de abandono do rio como fonte de sobrevivência, os ribeirinhos enfrentaram um período de desesperança. "O Estado sofreu um massacre cultural. Desde 1970, a população triplicou com os migrantes vindos do Sul. Essas pessoas, além de contribuírem com a degradação do Rio Cuiabá, ocupando a região das nascentes com a produção de soja e algodão, também impuseram a sua cultura", explica Maria Saletti Ferraz Dias, pesquisadora e professora de Educação Ambiental da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

O combustível de sobrevivência foi a ligação cultural com o rio. Em São Gonçalo Beira Rio, por exemplo, a venda de artesanato de cerâmica e a beleza cênica da região foram o caminho para os moradores encontrarem no turismo outra fonte de renda. As lojas de artesanato tradicional e as festas típicas, como a de São Pedro dos Pescadores, atraíram as peixarias da cidade para o bairro. Hoje, mais de dez restaurantes lotam as margens do rio Cuiabá, apesar de grande parte ser abastecida com os chamados peixes de tanque[1]. "Eles empregam todo mundo. Inclusive, jovens voltaram ao bairro para trabalhar ali", diz dona Alice.
[1]Como é conhecido o pescado produzido na piscicultura
Apesar da nova forma de sustento, o fantasma da poluição ainda angustia os moradores. "Se a poluição no rio aumentar, ninguém mais vai querer vir aqui", conclui o ex-pescador Basílio da Conceição, de 84 anos, enquanto caminha entre um monte de garrafas de plástico. Conceição mira as águas do Cuiabá que correm a poucos metros dali e desabafa: "Eu agradeço por meus filhos não terem virado pescadores. A vida do rio é muito sofrida. Não sei como tem gente que ainda insiste com o rio sujo desse jeito".
O aposentado explica que vive da renda de casas de aluguel que mantém em São Gonçalo."Ainda peguei a fase de abundância, quando mesmo dentro da cidade tinha tanto peixe que o pacu eu pegava com a mão. A lufada[2] dava para assistir lá da ponte principal do porto. Era tanto lambari que fazíamos azeite com os que caíam na canoa. Hoje, acho difícil limparem o rio, essa época do pescado farto é passado."
[2]Lufada ou piracema é o período de quatro meses quando a pesca é proibida nos rios do Pantanal, visto que nessa época os peixes sobem os rios para a reprodução
As promessas de despoluição são consideradas uma verdadeira saga. O esgoto que cai in natura nos córregos que formam o Rio Cuiabá já foi pauta de debates em três momentos distintos nos últimos 20 anos. A primeira proposta de mudança ocorreu na década de 1990, quando o então governador Dante de Oliveira conseguiu um investimento de US$ 400 milhões do Banco Interamericano de Desenvolvimento, batizado de BID-Pantanal. Construir uma rede de tratamento de esgoto nas cidades de Cuiabá e Várzea Grande para reduzir a carga de poluentes despejada no Pantanal era uma das exigências do empréstimo voltado para o desenvolvimento local.
"Em 2003, o recurso foi devolvido pelo novo governador, o empresário do agronegócio Blairo Maggi, que considerou o investimento não prioritário e disse que poderia conseguir outras verbas para a limpeza do rio", conta Eliana Rondon, professora de engenharia sanitária e ambiental da UFMT.
Em seguida, com o lançamento do Programa de Aceleramento de Crescimento (PAC)[3], anunciou-se uma nova verba para a limpeza do Rio Cuiabá, mas, passados os anos, a promessa foi esquecida e o investimento, nunca liberado.
[3]O PAC é um dos principais programas do governo federal, iniciado na gestão Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), e continuado na de Dilma Rousseff (2011-2014), voltado para a construção de grandes obras de infraestrutura a fim de promover o crescimento econômico

Em 2010, Cuiabá foi escolhida para ser uma das 12 capitais a sediar os jogos da Copa 2014. "Foi a terceira chance de despoluição. Na cartilha da Fifa, constava que todas cidades-sede teriam programas de saneamento, mas o tema foi novamente tirado da pauta de discussões, desta vez em prol de obras de mobilidade urbana e embelezamento da cidade", afirma Eliana, da UFMT.
Esquecida pelos governos estadual e federal, a poluição das águas do Cuiabá alimenta outra grave questão urbana. O rio responde sozinho por cerca de 98% do abastecimento da capital e de Várzea Grande. Sem recursos hídricos alternativos, a crescente poluição pode levar o sistema ao colapso.
O descontrole na gestão de águas e esgoto é outro obstáculo. Desde 1998, a companhia estadual responsável pela concessão de águas e esgoto foi municipalizada, ou seja, o serviço acabou descentralizado e entregue às prefeituras. Na capital, uma companhia municipal administrou os recursos hídricos até 2013, quando foi privatizada. O contrato com a nova concessionária, a Companhias de Águas do Brasil (CAB), prevê que 80% do esgoto da cidade terá de ser tratado em oito anos. Até lá, o rio e as comunidades às suas margens continuarão convivendo com a poluição e aguardando que, desta vez, os planos saiam do papel.

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Excluídos?

por MÔNICA C. RIBEIRO # em 83

Ações nas franjas das cidades mostram muita coisa sendo feita para mudar a resposta a essa pergunta. Aqui, descrevemos quatro boas iniciativas
Quando falamos em alimentação, o caminho que traz maiores ganhos socioambientais aponta para o consumo de alimentos orgânicos e produtos locais. E é também nisso que aposta a Cidades sem Fome, organização não governamental fundada em 2004. Localizada na Zona Leste da cidade de São Paulo, contabiliza 21 hortas implantadas, nas quais trabalham diretamente 115 pessoas, garantindo a subsistência de 650 pessoas. Há outras 15 hortas em escolas públicas, alcançando 3.972 alunos.
Cultivadas em terrenos públicos ou privados, as hortaliças, totalmente orgânicas, são comercializadas diretamente pelos produtores. A ideia não é competir com feiras ou supermercados, mas beneficiar quem mora no entorno ou pessoas sem condição de se inserir no mercado de trabalho.
A metodologia é aos poucos exportada para outros locais. A Cidades sem Fome já segue rumo a Santos e está também na cidade de Agudo, no Rio Grande do Sul.
A maior dificuldade é manter a folha de pagamento dos seis técnicos envolvidos. Para obter recursos, a organização conta com financiamento vindo de outros países, promove palestras e o "Dia do voluntário na empresa", levando funcionários de empresas até as hortas para plantar.
"Não queremos vender nas feiras da Água Branca ou do Morumbi, mas fazer com que pessoas de outros bairros visitem a horta e conheçam a rede social por trás dela", define o idealizador da ONG, Hans Dieter Temp. A renda obtida com a venda das hortaliças fica com os agricultores.
SUSTENTA CAPÃO

Em outro extremo da cidade, na região do Capão Redondo, Zona Sul, dois irmãos investem em alimentação saudável e na reciclagem e reaproveitamento de materiais. Bruno Horácio Pereira dos Santos e José Carlos Anunciação criaram o Ateliê Sustenta Capão, localizado no quintal da casa de José Carlos. É de sua cozinha que saltam pães, geleias, chás, café e outras guloseimas produzidas com frutas e hortaliças das feiras locais. Pneus, garrafas pet e caixotes de feira decoram o ambiente, e um jardim de ervas completa o espaço.
Levantamento realizado no território revelou que grande parte das mulheres acima de 40 anos no entorno do Ateliê não está empregada, e é com essas pessoas que o novo trabalho deverá se desenvolver em um futuro próximo.
O cozinheiro que deixou o trabalho em uma padaria em busca de algo que fosse mais que um emprego (José Carlos) e o rapaz que buscava jeitos de colocar em prática o espírito empreendedor (Bruno) se uniram, e fez-se a alquimia do novo negócio. O que começou com amigos hoje já atrai gente de áreas como Vila Mariana, Vila Olímpia, Faria Lima e da própria região. "Estamos em processo de descobrir de onde virá a sustentabilidade econômica. Queremos trabalhar com oficinas, mostrando como aproveitar melhor os alimentos", define Bruno, que começará em breve a testar uma máquina de compostagem com intenção de tornar o Ateliê lixo zero[1].
[1] Para conhecer o Ateliê e sua cozinha, é preciso entrar em contato com a dupla através de rede social
FUTURO COMPOSTO
A compostagem é o motor da Revolução dos Baldinhos, iniciativa desenvolvida no bairro Monte Cristo, região continental de Florianópolis (SC). Um problema com ratos na comunidade iniciou o processo que culminou com baldinhos cheios de resíduos orgânicos se transformando em adubo. Duzentas famílias participam da iniciativa, e a expectativa é ampliar para 7,5 mil no prazo de dois anos, com a instalação de um pátio de compostagem com capacidade para processar 15 toneladas de resíduos orgânicos por dia.
A Revolução dos Baldinhos foi finalista do Projeto Social Banco do Brasil, considerada uma tecnologia social inspiradora para outras comunidades.
Parte do composto é doado às famílias que integram o processo - que o utilizam em hortas e jardins
- e a escolas e creches. Outra parte é comercializada, e a renda vai para o grupo comunitário que gere o projeto, financiando bolsas de qualificação para jovens, insumos e gastos básicos de funcionamento.
"Estamos no processo de formação de uma cooperativa até julho. Para isso, jovens da comunidade estão se qualificando em parceria com a Univale", informa Marcos José de Abreu, agrônomo permacultor do Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo (Cepagro), que coordena o projeto.
O Cepagro atua junto à prefeitura de Florianópolis para que a cooperativa possa receber pela destinação final do resíduo. "A compostagem é a base de um modelo de gestão de resíduos mais sustentável nas cidades, principalmente no sistema de processar tudo no local onde os resíduos são gerados", define Abreu.
AMBIENTE E SAÚDE PÚBLICA
O fortalecimento dos laços comunitários e das redes é o que dá o caráter sustentável a estas ações. O Programa Ambientes Verdes e Saudáveis (Pavs), desenvolvido pela Prefeitura da Cidade de São Paulo e vários parceiros, desde 2005, com a intenção de implementar políticas públicas voltadas à inclusão das questões ambientais na promoção da saúde da população, também aposta nesta articulação [2].
Balanço recente do Pavs: 269 mil pessoas atingidas; coleta e destinação de 265 toneladas de material reciclável, 52 mil litros de óleo, 10 toneladas de pilhas e baterias; 226 catadores envolvidos; 412 pontos de entrega voluntária; 108 hortas e 1.978 novas árvores.
Uma complexa teia que inclui ONGs, poder público e empresas, escolas, faculdades, instituições religiosas e comunidade local move o programa, articulado a partir da ação dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) nos territórios. Equipes multiprofissionais realizam ações de saúde no âmbito da prevenção e da promoção da saúde em um território definido - onde estão presentes aspectos sociais e ambientais que interferem nos problemas de saúde da população -, favorecendo a construção de projetos de intervenção ambiental com a participação efetiva dos moradores da região[3].
[2]Mais em Guia Pavs/Secretaria da Saúde. Coordenação da Atenção Básica. Programa Ambientes Verdes e Saudáveis. São Paulo: SMS, 2012.
[3]Conheça o histórico do Pavs e depoimentos de Agentes de Saúde Comunitários aqui
Os projetos incluem gerenciamento de resíduos sólidos, revitalização de espaços públicos, implantação de hortas e ações culturais e de valorização da comunidade, fortalecendo o vínculo das Unidades Básicas de Saúde (UBS) com os moradores do território e facilitando as ações da atenção básica. "O agente comunitário é a chave do processo. Ele é morador do território, está lá 24 horas por dia, tem a leitura das demandas," avalia Raquel Bonomo, gestora regional do Pavs na Região Sudeste.

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Página 22 n. 83, Abril, 2014, p. 42-49

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