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STJ investiga governador de RO por extração de diamantes

FSP, Brasil, p.A4
05 de Out de 2004

STJ investiga governador de RO por extração de diamantes
Ivo Cassol é suspeito de consentir ação ilegal na reserva Roosevelt

O governador de Rondônia, Ivo Cassol (PSDB), está sendo investigado sob suspeita de envolvimento na extração ilegal de diamantes dentro da reserva Roosevelt, dos índios cintas-largas, onde 29 garimpeiros foram mortos em abril deste ano. O inquérito, pedido pelo Ministério Público Federal, transcorre em sigilo no STJ (Superior Tribunal de Justiça). Cassol nega envolvimento.
As suspeitas contra o governador começaram em março último, quando o doleiro Marcos Glikas foi preso em Porto Velho (RO) com cerca de mil quilates de diamantes. As pedras vinham da reserva indígena.
Glikas disse que agia com o consentimento de Cassol e o arrolou como sua testemunha de defesa no processo. Como prova do suposto relacionamento entre ambos, apresentou fotos de reunião no palácio do governo, em 2003, em que apareciam juntos.
Há cerca de um mês, em depoimento sigiloso na Justiça Federal, em Porto Velho, Glikas repetiu que o governador teria conhecimento das atividades. Ele foi solto e responderá ao processo em liberdade por ter colaborado no caso. Há informação de que estaria vivendo no Rio de Janeiro.
Segundo o Ministério Público Federal, o doleiro agia em sociedade com o delegado da Polícia Federal Sérgio Bocamino, de Ribeirão Preto (SP), com o agente da Polícia Federal Marcos Aurélio Bonfim -ambos presos- e ainda com o comerciante de pedras preciosas José Roberto Gonsalez. Glikas já esteve preso nos Estados Unidos por lavagem de dinheiro.
O Ministério Público baseou seu pedido de investigação também nos depoimentos dos caciques dos índios cintas-largas no inquérito da PF sobre as mortes dos garimpeiros. Eles foram unânimes em dizer que o governador propôs construir escolas, dar atendimento médico e melhorar a qualidade das estradas de acesso às aldeias em troca de autorização para extrair diamantes na reserva.
Em setembro do ano passado, Gonsalez foi detido pela Funai na reserva Roosevelt. Posteriormente, foi identificado pela PF como contrabandista de diamantes. Ao ser abordado pela Funai, ele mostrou declaração da presidente da empresa estadual CMR (Companhia de Mineração de Rondônia), Leandra Fátima Vivian, dando-lhe poderes para representar o Estado em assuntos comerciais no Brasil e no exterior. Ele tinha um crachá de funcionário da estatal.
No pedido de inquérito contra Ivo Cassol, a subprocuradora-geral da República Cláudia Sampaio Marques, de Brasília, diz que o governador teria se aliado a "notórios contrabandistas de diamantes", citando Glikas e Gonsalez.
Ela diz que Cassol colocou a CMR à frente do negócio, "para não aparecer como protagonista da ação delituosa". A presidente da estatal foi chefe-de-gabinete de Cassol e acumulou as duas funções até três meses atrás. Para a procuradora, o "presidente de fato" da CMR seria o governador.
Como Cassol tem direito a foro especial e só pode ser investigado pelo STJ, o Ministério Público Federal juntou cópias dos depoimentos de Glikas e dos caciques e outros indícios -fitas com gravações de interceptação telefônica judicial- e pediu a abertura de inquérito.
Para a subprocuradora , a conduta atribuída a Cassol pode configurar crimes de facilitação de contrabando e de prevaricação. O inquérito está a cargo do ministro da corte especial do STJ Ari Pargendler. Caso conclua pela abertura de processo contra Cassol, o STJ terá que pedir autorização à Assembléia Legislativa do Estado.
Caciques
Nos depoimentos à PF, os caciques das aldeias cintas-largas relataram um encontro que tiveram com Ivo Cassol, em Rolim de Moura (RO), no início do ano passado. Os índios foram pedir melhorias na reserva. No encontro, segundo afirmaram, Cassol teria condicionado a ajuda a um acordo para a exploração do garimpo. O governador confirma a reunião em Rolim de Moura, mas nega ter feito a proposta.
O cacique Nacoça Pio Cinta Larga, em depoimento no dia 16 de junho, afirmou que Cassol teria pedido participação de 2% na produção de diamantes e prometido que a Funai (Fundação Nacional do Índio) não interferiria na mineração dentro da reserva.
A exploração mineral por terceiros em terra indígena é proibida por lei e o acesso às aldeias só pode ser feito com autorização da Funai. Segundo o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), a legislação só permite a extração por "cata" (manual) pelos próprios índios.
Após a reunião em Rolim de Moura, o governador esteve na reserva Roosevelt para pedir autorização dos índios para que o programa "Globo Repórter", da TV Globo, filmasse a atividade garimpeira ilegal dentro da reserva.
O cacique João Cinta Larga, conhecido por João Bravo, disse que o governador esteve em sua aldeia sem conhecimento da Funai e que durante a visita teria proposto colocar maquinário e pessoal para extrair diamante da reserva. João Bravo disse ter recusado a oferta, após consultar as outras lideranças dos cintas-largas.
Os caciques Oita Matina e Raimundo Cinta Larga disseram que o governador se irritou com a recusa de João Bravo e que, no mesmo dia, ordenou a retirada dos soldados do Batalhão Florestal que davam proteção à reserva. Matina acusou o governador de ter incentivado os garimpeiros a bloquear a BR-364 (fato ocorrido em 29 de setembro do ano passado) e a invadir a reserva.

Outro lado
Para Cassol, há perseguição política
Da enviada especial a Brasília
O governador Ivo Cassol, 45, declarou à Folha que não acredita que os caciques das tribos cintas-largas o tenham acusado de condicionar melhorias na reserva Roosevelt à permissão para extrair diamantes na área.
"É mentira de quem falou, ou armação de algum servidor corrupto da Funai. Estão querendo desviar a atenção para continuar na marginalidade", declarou, em entrevista por telefone.
Cassol diz que está pagando o preço por ter denunciado publicamente a existência do garimpo ilegal na reserva e por ter defendido a legalização da extração mineral na terra indígena.
"Estão querendo tapar o sol com a peneira. Se eu tivesse envolvimento [com o contrabando], não teria denunciado. Teria ficado quieto e comido junto. Não estou no governo para me ajeitar."
Ele disse que, como acionista de cinco usinas hidrelétricas em Rondônia, tem uma atividade "muito melhor do que diamante", porque o governo federal devolve aos empresários 75% dos custos das usinas implantadas em áreas isoladas, como no seu caso.
"Estou enfrentando gatos e lagartos por tentar fazer uma boa administração e não envergonhar minha família."
Cassol disse que preveniu o governo federal sobre a possibilidade de chacina dentro da reserva Roosevelt. Em setembro e outubro do ano passado, enviou ofícios ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, descrevendo a situação de conflito existente entre índios e garimpeiros e propondo a legalização do garimpo nas terras indígenas.
O governador negou conhecer o doleiro Marcos Glikas. Disse que a foto em que participam de uma reunião no palácio do governo refere-se a um evento corriqueiro em sua função de governador e que, se o vir, não saberá quem é.
Disse que soube, quando foi convocado para depor como testemunha de defesa de Glikas, que ele havia estado no palácio com um grupo ligado à Universidade Federal de Viçosa, para apresentar um projeto de recuperação ambiental. "Como homem público, tiro fotos com todo mundo. Não tenho frescuras."
Em relação a José Roberto Gonsalez, detido em setembro do ano passado por entrar na reserva sem autorização da Funai, Cassol disse que se surpreendeu ao saber que se tratava de comerciante de pedras preciosas a serviço de empresas estrangeiras.
O governador disse que o escritório regional da Abin (Agência Brasileira de Informação) em Rondônia investigou Gonsalez, a seu pedido, e lhe assegurou que ele tinha "ficha limpa" e poderia trabalhar para a CMR (Companhia de Mineração de Rondônia), empresa de capital controlado pelo Estado.
Em 25 de setembro de 2003, Gonsalez foi nomeado representante comercial da CMR, com poderes para representar a estatal no Brasil e no exterior e para receber e fazer propostas a empresas e entidades governamentais. Pouco depois, foi detido na reserva.
A presidente da CMR, Leandra Vivian, disse à Folha que Gonsalez a procurou em companhia do professor aposentado da Universidade Federal de Viçosa Laércio Couto, presidente do Centro Mineiro para Conservação da Natureza. "Se não fosse o aval da universidade, não o teríamos recebido", afirmou.
Ela o descredenciou como representante comercial da CMR depois que ele foi detido em situação ilegal na reserva indígena.
Funai
O governador não poupou críticas à Funai (Fundação Nacional do Índio), que define como um governo paralelo dentro do Brasil. "Um funcionário da Funai, sozinho, tem mais poder do que o Exército, a Polícia Militar e o governador do Estado, porque decide quem entra e quem não entra nas reserva indígenas."
Segundo Cassol, a extração ilegal de diamantes acontece com a complacência de funcionários corruptos do órgão e haveria "gente graúda" envolvida no contrabando. "Se me deixarem entrar lá, esclareço a situação em 30 dias. (...) Acusaram-me para desviar a atenção, porque acusar governador dá ibope."
Ele disse que vai processar o Ministério Público Federal.

FSP, 05/10/2004, p. A4

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