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'Sonia Guajajara já visitou as aldeias do ES. Vamos relembrá-la de nossas pautas'

Século Diário - seculodiario.com.br
Autor: Fernanda Couzemenco
30 de Dez de 2022

Gestão da primeira ministra indígena pode tirar as aldeias do Estado da invisibilidade, avalia Cacique Toninho

FERNANDA COUZEMENCO
30/12/2022 16:14 | Atualizado 30/12/2022 16:31

"De Nova Almeida para cá, 90% da população é indígena. Em Aracruz, 70%. Nesse litoral norte todo, até São Mateus, é maioria indígena. O Espírito Santo em geral é muito indígena".

A percepção, empírica, mas carregada de sensibilidade, surge da conversa com o Cacique Toninho, da Aldeia Comboios, na Terra Indígena (TI) homônima, localizada em Aracruz. Motivada inicialmente pela nomeação da deputada federal Sonia Guajajara (Psol-SP) para o Ministério dos Povos Indígenas, conforme anunciou nessa quinta-feira (29) o presidente eleito, Lula (PT), a conversa desaguou sobre a necessidade urgente de maior organização dos indígenas do Espírito Santo para saírem da invisibilidade a que são submetidos historicamente dentro das estruturas de Estado e da sociedade.

Até hoje, por exemplo, o Estado não tem suas próprias regionais de órgãos fundamentais como a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei), ambos localizadas em Governador Valadares, Minas Gerais. A educação indígena também padece, conforme relataram o Cacique Toninho e Paulo Tupiniquim, por ocasião das primeiras discussões a respeito do então prometido Ministério.

Até hoje também o preconceito contra os povos originários produz uma infinidade de transtornos, violências e negações de direitos para os aldeados e não aldeados. Importante lembrar que, nos anos de 2006 e 2007, no auge do movimento das comunidades Tupinikim e Guarani pela autodemarcação para ampliação do território indígena em Santa Cruz, a então Aracruz Celulose (hoje Suzano) investiu em uma campanha quase beligerante, espalhando outdoors pela cidade com afirmações como "A Aracruz trouxe o progresso. A Funai, os índios".

Na mesma guerra, a multinacional também insistiu em municiar entidades ligadas ao setor de eucalipto com pesada carga de desinformação visando, novamente, questionar a identidade indígena dos moradores e das comunidades como um todo, como ocorrera décadas antes, quando a empresa afirmava que havia chegado ao local antes dos indígenas.

Depois do agronegócio do eucalipto, dezenas de outras grandes empresas, ligadas principalmente ao petróleo, portos e mineração, foram se instalando nas imediações das TIs de Santa Cruz, concentradas na região de Barra do Riacho, onde as fábricas de celulose funcionam. Atualmente, são 38 grandes empreendimentos instalados dentro ou no entorno do território, causando impactos sociais e ambientais de grande porte, mas, todos, sem cumprir minimamente a legislação pertinente, apesar de integrarem um fórum coordenado pelo Ministério Público Federal (MPF).

Visita em campanha

A aldeia do cacique Toninho está próxima ao limite com o município de Linhares, terra natal do famoso herói Caboclo Bernardo, condecorado com medalha de ouro entregue pela própria Princesa Isabel, no final do Século XIX. Caboclo que, na verdade, como bem registrou o jornalista Rogério Medeiros em seus escritos sobre as etnias que compõem o território capixaba, era um índio botocudo, mas que se deixava chamar de caboclo para amenizar o preconceito que, já naquela época, perseguia os povos originários dessa terra Kapixawa - termo em tupi-guarani que significa pequena lavoura ou roça de milho, e que originou o gentílico dos nascidos no Espírito Santo.

Próximo a Regência, a comunidade de Areal busca seu reconhecimento e consequentes direitos como remanescente de botocudos, mas até o momento, continua à mercê dos desmandos da indústria petroleira, que corta com seus dutos amarelos toda o vilarejo, incluindo os quintais e ruas principais, onde crianças caminham na ida e volta de casa para a escola e brincadeiras e idosos já não podem consumir a água de seus antigos poços, devido à contaminação. Royalties e compensações? Nem isso.

Areal, Comboios e as aldeias de Santa Cruz foram visitadas em 2018 pela então candidata à vice-presidente da República na chapa de Guilherme Boulos (Psol-SP). "Ela visitou as comunidades tradicionais da região, sabe das nossas demandas em relação ao rompimento da barragem [crime da Samarco/Vale-BHP], saúde, educação, os grandes empreendimentos. Vamos retomar esse diálogo", afirma o Cacique Toninho.

Retomada que precisa ser temperada com uma maior organização das comunidades e lideranças, avalia. "O Espírito Santo é muito esquecido. Temos que fazer uma organização mais intensa. Não temos representantes no Congresso. Minas tem a Celia Xakriabá, nós não temos, nem na Assembleia Legislativa. Se não nos manifestarmos agora, vamos continuar esquecidos".

'Não há terra que dê conta'

Sobre a grande população não (auto)reconhecida, o Cacique retoma o contexto histórico e vislumbra um futuro mais indígena no Espírito Santo. "Antes da Aracruz, eram30 aldeias. Hoje são 12. A população é pequena, somos menos de três mil moradores, porque muita gente foi expulsa e negou sua identidade indígena. Vive aqui nos arredores. Mas tem muitos que falam que querem voltar para a aldeia, que o avô foi nascido na aldeia e teve que ir embora...o problema é que se a gente for aceitar todo mundo que quer vir, não tem espaço que dê conta. O governo também não consegue lidar com isso. Esse povo todo precisa se organizar".

Para Toninho, a criação do Ministério dos Povos Indígenas é sim uma boa notícia e Sonia Guajajara é um nome muito bem visto pelas comunidades. Mas é preciso garantir orçamento, condições de trabalho, não só no Ministério, mas nas autarquias associadas, como Funai, Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e outras que venham a ser criadas, como a prometida Secretaria Especial de Educação Indígena. "Tem que ter recurso e estrutura. E enxergar todos os povos, não só os da Amazônia", reivindica.

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