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Soluções geniais ou ficção científica?

OESP, Especial, p. H4-H5
24 de Nov de 2010

Soluções geniais ou ficção científica?
Além de cara, pesquisa de projetos high tech contra o aquecimento global enfrenta oposição de ativistas ambientais

Gustavo Bonfiglioli
Especial para o Estado

Espelhos gigantes no espaço rebatem parte dos raios de volta para o Sol. Nuvens artificialmente cheias de água do mar reforçam a barreira antirradiação. Oceanos com proliferação intensa de fitoplâncton após a adição de ferro na água capturam carbono da atmosfera. Caríssimas e mirabolantes, as tecnologias de intervenção humana no planeta com o fim de mitigar os efeitos do aquecimento global mais parecem roteiros de ficção científica saídos de Hollywood.
Apesar disso, algumas dessas técnicas, batizadas de geoengenharia, já são realidade, como a captura e enterro de carbono debaixo da terra e do mar. Outras são objeto de pesquisa financiada por grandes instituições como a Nasa, a Royal Society, o Parlamento Britânico e o American Enterprise Institute (AEI) - e alvo de controvérsia por causa dos efeitos colaterais para o planeta.
Em outubro, na última Convenção da ONU sobre Biodiversidade (COP-10), em Nagoya, no Japão, após pressão intensa de ambientalistas que temem o passivo ambiental decorrente dos projetos, foi definida uma moratória para a aplicação da geoengenharia (veja no texto abaixo). A proibição não abrange as pesquisas, que também são criticadas por conta das verbas altas destinadas a essas invenções.
Os custos da geoengenharia são altos. Variam de US$ 27 bilhões, no caso da fertilização dos oceanos, a US$ 5 trilhões para projetos espaciais como o dos espelhos gigantes - valor maior que o do PIB do Brasil no ano passado, de R$ 3,143 trilhões. Mas o custo ambiental é o maior entrave para a aplicação e até para a continuidade das pesquisas.
Estudos. O oceanógrafo John Shepherd, da Royal Society, escreveu um relatório sobre geoengenharia e é defensor ferrenho das pesquisas na área. Mesmo assim, ele não descarta o risco de dano ambiental: "É aceitável a preocupação de que algo pode dar errado, mas eu não acredito que a geoengenharia seja tão prejudicial para o meio ambiente como o efeito estufa está sendo para o mundo. Nós ainda sabemos muito pouco sobre os possíveis impactos, e é por isso que fazemos as pesquisas."
Opositores e defensores da geoengenharia parecem concordar que o conhecimento sobre seus possíveis efeitos no planeta é pequeno. "É um buraco negro. É mexer com algo que você não conhece, ou conhece pouco", afirma Arnaldo Alves Cardoso, doutor em Química pela Universidade de São Paulo.
Alguns críticos consideram que os projetos de alta tecnologia são mais um expediente usado por governos e empresas para deixar de tomar medidas que de fato cortem as emissões de carbono. "É outra tentativa velada para achar uma alternativa que evite a redução de emissões", diz o físico da USP Paulo Artaxo.
Artaxo afirma que algumas das alternativas estudadas pelas empresas são arriscadas demais para o planeta. "Semear nuvens para que elas reflitam radiação prejudica as plantas, que precisam dessa luz para fazer a fotossíntese. Isso pode prejudicar a produção de alimentos."
Shepherd salienta que as tecnologias de adaptar o mundo ao efeito estufa são parte de um esforço pela redução de emissões. "A visão da Royal Society é a de que a redução de emissões ainda é a principal prioridade. Mas isso não é fácil e nós temos que considerar as adaptações."
Soluções caseiras. A geoengenharia não contempla apenas megaprojetos de alta tecnologia. Ela prevê também soluções simples, como pintar de branco o teto das construções ou os pavimentos, para aumentar a capacidade de refletir a luz do sol. Um estudo feito pelos cientistas Hashem Akbari e Surabi Menon, do Lawrence Berkeley National Laboratory, da Universidade de Berkeley, na Califórnia, calcula que, se as prefeituras das cem maiores cidades do mundo pintassem os tetos de branco e utilizassem concreto no lugar de asfalto, seria possível compensar a emissão de 44 bilhões de toneladas de gás carbônico.
Porém, a maioria dos projetos não é caseira e propõe transformações radicais no planeta. É o caso, por exemplo, da fertilização dos oceanos com ferro, o que pode modificar o pH dos mares e prejudicar ecossistemas marinhos, segundo estudo da ONG sueca Swedish Society for Nature Conservation.
Na opinião do consultor em energia alternativa Sérgio Trindade, ex-integrante do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, é preciso entender bem como funciona cada tecnologia e analisar suas possíveis consequências negativas. "Alguns políticos e instituições tratam essas alternativas como se fossem produtos em um supermercado", compara o engenheiro químico, co-laureado com o Nobel da Paz por seu trabalho no IPCC. Para Trindade, é indispensável consultar e respeitar as comunidades que dependem das áreas que possam ser afetadas pelos projetos.
Captura de carbono. Shepherd avalia que a estocagem subterrânea de carbono, empregada em países como Noruega e Canadá, é a alternativa de geoengenharia mais segura à disposição atualmente. A técnica de Captura e Sequestro de Carbono (CCS, na sigla em inglês) não foi incluída no rol da moratória definida na COP em Nagoya, embora exista o risco de vazamento.
O pesquisador é otimista quanto ao possível dano ambiental. "É claro que pode acontecer, mas seria muito em longo prazo. Até lá, espera-se que a tecnologia em energias renováveis já tenha se desenvolvido para diminuir ou cessar a demanda pela CCS." / Colaborou Karina Ninni, especial para o Estado

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101124/not_imp644441,0.php

Moratória para pesquisa causa polêmica
Proibição da aplicação da geoengenharia abre debate sobre se é desejável manter investimento em estudos

A falta de perspectiva de um acordo que obrigue nações desenvolvidas, sobretudo os Estados Unidos, a reduzir suas emissões de poluentes tem renovado o interesse pelas soluções da geoengenharia, apesar da moratória decretada na COP da Diversidade Biológica, em Nagoya, Japão, no mês passado. A maioria dos cientistas e ambientalistas concorda com a ideia de não aplicar essas ferramentas enquanto não se souber o impacto exato que podem ter sobre o planeta. Mas há controvérsia quanto às pesquisas na área, ainda permitidas.
"A moratória é apropriada, desde que não seja aplicada também à pesquisa. Uma moratória completa, como foi proposta originalmente na COP-10, não é uma boa ideia. Nós ainda sabemos muito pouco sobre a maioria dessas ideias e precisamos continuar as pesquisas", afirma o oceanógrafo John Shepherd, membro da Royal Society, entidade britânica dedicada ao conhecimento da natureza. "Há uma clara divisão na minha cabeça entre pesquisa e aplicação. Isso foi reconhecido no acordo final de Nagoya, que permitiu a pesquisa em pequena escala."
"Somos a favor da pesquisa em geoengenharia, mas não de sua adoção", afirma François Simard, da ONG International Union for Conservation of Nature (IUCN). "Ainda é perigoso. Não sabemos os seus efeitos."
Ferro no mar. Uma das alternativas mais criticadas desse rol de soluções engenhosas, a fertilização dos oceanos levou um banho de água fria em 2008, quando a Convenção de Diversidade Biológica (CDB) conseguiu um acordo para suspender todos os seus testes. A discussão surgiu depois do anúncio de que a empresa americana Planktos pretendia lançar 100 toneladas de partículas de ferro no Oceano Pacífico, perto das Ilhas Galápagos, santuário onde Charles Darwin conduziu estudos que levaram à Teoria da Evolução. A ideia era provar que a técnica permitiria a absorção de gás carbônico.
"Há enormes diferenças entre os projetos. Não vejo tantos problemas em semear as nuvens com água do mar para deixá-las mais brancas", acredita Shepherd. "Porém, os projetos que envolvem a liberação de grandes quantidades de dióxido de enxofre na atmosfera são preocupantes e devem ser submetidos a controles mais rígidos. Não é possível tratar a geoengenharia sob a dualidade do sim ou não, do branco ou preto."
Os ativistas costumam tratar a questão de forma inversa. "É absolutamente inapropriado que um punhado de governos de países industrializados optem pela geoengenharia sem a aprovação do resto do mundo", critica Pat Mooney, da organização de advogados ETC Group. A entidade tem base no Canadá, país que se opõe à moratória para adoção de projetos globais de geoengenharia. / Karina Ninni e Gustavo Bonfiglioli, especial para o Estado, com agências internacionais

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101124/not_imp644442,0.php

Espelho no espaço: potencial científico, mas caro demais

Gustavo Bonfiglioli
Especial para o Estado

"Entre as alternativas (da geoengenharia), a mais próxima da ficção científica é a instalação de refletores de luz no espaço", diz John Shepherd, da Royal Society. Apesar disso, estudo publicado pela revista científica Atmospheric Chemistry and Physics Discussions calcula que apenas o lançamento desses espelhos gigantes, aliado ao envio de trilhões de minúsculos pequenos refletores na estratosfera, poderia reverter os efeitos do aquecimento global ainda neste século.
Os números que a pesquisa revela são superlativos. Para bloquear 1,8% da radiação solar que incide no planeta, seria necessária a cobertura de uma área inicial de 4,7 milhões de quilômetros quadrados entre o Sol e a Terra. Isso exigiria, por ano, 155 mil lançamentos no espaço - e a área teria de ser constantemente aumentada para dar conta do dos níveis crescentes de gás. O estudo estima que, a cada ano, seria necessário enviar ao espaço mais 35.700 km² de espelhos. O custo de lançar apenas os refletores pequenos na estratosfera gira em torno de US$ 5 trilhões.

O diretor do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Luís Pinguelli Rosa, questiona a tecnologia. "É claro que satélites com espelhos podem funcionar para refletir parte da luz solar, mas a que preço? Será que não se correria o risco até mesmo de aumentar os acidentes com colisão de satélites, já que seriam milhares deles?"

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101124/not_imp644443,0.php

OESP, 24/11/2010, Especial, p. H4-H5

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