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Solução radical para aquecimento

O Globo, Ciência, p. 30
Autor: BATHMANN, Ulrich
30 de Jan de 2009

Solução radical para aquecimento
Numa experiência polêmica, alemães lançam ferro no oceano para aumentar absorção de CO2

Graça Magalhães-Ruether
Correspondente · BERLIM

Com o sinal verde do Ministério da Ciência e Tecnologia da Alemanha, mas sob protestos de ambientalistas e do próprio Ministério do Meio Ambiente, teve início um dos mais ambiciosos e polêmicos projetos de combate ao aquecimento global. Tendo como base o navio Polarstern, cientistas de seis países, entre eles Alemanha, Índia, França e Chile, lançaram, nos últimos dois, dias vinte toneladas de partículas de sulfato de ferro em uma área de 300 quilômetros quadrados do Oceano Antártico, com o objetivo de comprovar se o adubo de ferro pode contribuir para o aumento do plâncton na região e, assim, para a absorção de CO2 na atmosfera.

Estudos recentes apontam que mesmo se cortes drásticos nas emissões de CO2 fossem assinados agora já não seria mais possível deter o aquecimento do planeta e muitas de suas nefastas consequências. A saída seria conjugar os cortes com novas tecnologias, capazes de reduzir o volume de emissões existentes, como apontou um estudo publicado na última edição da "Nature".

De acordo com Ulrich Bathmann, chefe do Departamento de Biologia Marinha do Instituto Alfred Wegener de Pesquisa Polar e Marítima, que coordena a experiência do lado alemão, não existem provas definitivas de que o aumento do conteúdo de ferro no oceano ajudaria na redução de CO2 na atmosfera. Mas estudos feitos em regiões do oceano naturalmente mais ricas em ferro - sobretudo em razão de vulcanismo - já constataram que as áreas absorvem muito mais dióxido de carbono do que as demais. A experiência restrita, portanto, seria importante, para a obtenção de uma resposta conclusiva ao dilema, que poderia ser crucial num futuro próximo.
Protestos contra a experiência
Sobretudo numa região pobre em ferro, como o Oceano Antártico, a fertilização, acreditam, deverá favorecer o florescimento das algas, que por sua vez absorveriam o CO2. Se a experiência der certo e puder ser aplicada em larga escala, dizem os especialistas, seria uma excelente solução para o problema do aquecimento, além de aumentar a disponibilidade de alimentos para baleias.

Outros cientistas, no entanto, se mostraram extremamente preocupados. Eles temem que a prática possa ter devastadores efeitos nos oceanos, como a esterilização de vastas áreas do mar, e o lançamento do metano e óxido nítrico, gases ainda mais potentes do aquecimento global. Eles temem ainda que o excesso de plâncton poderia contribuir para a absorção da luz solar, aquecendo a superfície da água e aumentando ainda o efeito do aquecimento.

O navio de pesquisa já havia atingido o Oceano Antártico quando os protestos dos ecologistas causaram uma interrupção do projeto a espera do sinal verde do Ministério da Tecnologia, o principal financiador alemão. Depois de receber cartas de protestos, o ministro do Meio Ambiente da Alemanha, Sigmar Gabriel, chegou a ameaçar suspender a expedição. O risco de utilização comercial do método de adubo do oceano (para vender créditos de carbono, por exemplo) e a modificação na biodiversidade local eram as principais preocupações dos ambientalistas.

A experiência, chamada de Lohafex, foi suspensa até o final da avaliação, feita por especialistas ingleses e franceses, que terminou porém descartando todos os perigos apontados. Gabriel acatou a decisão da sua colega do Ministério da Tecnologia, Annette Schavan, mas continuou advertindo para possíveis perigos.

- O Ministério do Meio Ambiente tomou conhecimento da decisão de liberação do projeto Lohafex com insatisfação. As nossas criticas ao projeto continuarão existindo até que seja esclarecido se ele fere ou não a Conferência das Partes sobre o Acordo para a Biodiversidade (realizada no ano passado em Bonn, na Alemanha) - afirmou o ministro.

Em nota divulgada à imprensa, o Instituto Alfred Wegener descartou o perigo apontado por ecologistas, do surgimento de algas venenosas.

Com a experiência está sendo feita em um sistema praticamente fechado, onde há um redemoinho marítimo, não há o risco de o excesso de algas serem transportadas para outras regiões.

Riscos à biodiversidade
Karin Lochte, diretora do instituto, afirmou ainda que não há riscos para o meio ambiente porque, embora o Oceano Antártico seja pobre em ferro, a substância é abundante nos icebergs da região. Ela afirmou ainda que o projeto deverá fornecer informações valiosas para a pesquisa climática, sendo a principal delas saber se o excesso de ferro estaria relacionado à maior absorção de CO2.

'Uma saída para o excesso de CO2'

Corpo a Corpo
Ulrich Bathmann

Ulrich Bathmann, do Instituto Alfred Wegener de Pesquisa Marítima e Polar, diz que a expedição do navio Polarstern ao Oceano Antártico é uma das mais importantes na pesquisa sobre excesso de CO2.

O Globo: Até quando o Polarstern ficará no Oceano Antártico?

Ulrich Bathmann: A previsão é de 40 dias, período no qual serão avaliadas as reações ao adubo com o sulfato de ferro, que é solúvel na água. A substância foi lançada a 15 metros de profundidade.
As primeiras reações começaram 30 horas depois do lançamento do ferro. Os efeitos ambientais serão analisados numa área muito mais profunda, de até 3.800 metros.

Quando será possível saber se a experiência deu certo?

Bathmann: No dia 17 de março, o Polarstern deverá atingir Punta Arenas, na Argentina, terminando a fase inicial da pesquisa.
A avaliação dos dados vai durar o ano inteiro.

E os riscos ecológicos?

Bathmann: Ninguém pode proibir a pesquisa argumentando que há risco de uso comercial dos resultados. A pesquisa com o Polarstern poderá oferecer respostas para o problema do excesso de CO2.

Até o ministro do Meio Ambiente, Sigmar Gabriel, criticou o projeto.

Bathmann: O adubo desta área de 300 quilômetros quadrados não terá efeito abrangente para a área. O derretimento de icebergs também libera ferro. Portanto, o aumento da concentração de ferro é um fenômeno que pode ocorrer naturalmente, embora as águas do Oceano Antártico tenham um conteúdo muito pequeno deste minério. (Graça Magalhães-Ruether)

O Globo, 30/01/2009, Ciência, p. 30

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