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Solução nativa

Valor Econômico, Especial, p. F1
30 de Jan de 2014

Solução nativa
Financiamento a casas populares na região amazônica esquenta o debate sobre o futuro da madeira tropical.

Por Sergio Adeodato , para o Valor, de São Paulo

Diante da expansão urbana na Amazônia, com o aumento da população e do êxodo para a periferia de cidades de maior porte em função da falta de oportunidades na floresta, a Caixa Econômica Federal (CEF) planeja financiar habitações populares feitas de madeira nativa, seguindo a tradição construtiva da região. A estratégia promove a geração de renda local e elimina entraves na logística para o transporte de materiais até áreas mais distantes e isoladas.
O objetivo é atender inicialmente a uma demanda reprimida de 200 mil moradias, podendo chegar a 1 milhão. "O argumento de que casas de madeira não duram é um mito", diz Paulo Fontes, chefe do Laboratório de Produtos Florestais, do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), em Brasília.
Um grupo de trabalho, do qual participam também Banco do Brasil e Ministério das Cidades, irá formatar o primeiro padrão brasileiro de normas e referências para construções populares de madeira, dentro do Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR), ao custo de R$ 30 mil a unidade. Em nota, a CEF afirma que "as especificações subsidiarão uma política pública voltada à construção de casas de madeira em todo o país".
A iniciativa tem o potencial de dar escala ao produto regional e esquenta o debate sobre o futuro da madeira tropical, principal ativo da Floresta Amazônica, hoje em processo de substituição por materiais alternativos na construção civil e movelaria, como plástico, aço, gesso e alumínio. A atual oferta de madeira amazônica está longe de suprir a demanda crescente de mercado, dentro da legalidade. A tendência, dizem analistas, tem sido a opção por matéria-prima de floresta plantada (eucalipto e pinus). Hoje metade da produção brasileira de madeira serrada já provém de plantações. Há dez anos, a participação era de um terço.
"O produto nativo se destinará a usos mais nobres, com preços mais altos, pois não há sentido a floresta tropical continuar fornecendo madeira para andaimes e escoras de obras", analisa Roberto Waack, diretor da madeireira Amata. Além de explorar toras amazônicas em florestas públicas sob concessão do governo federal, a empresa investe R$ 200 milhões na compra de terras e plantios florestais de eucalipto no Mato Grosso do Sul e Paraná.
O projeto transcende a produção de madeira leve, de rápido crescimento, destinada a painéis para movelaria, tapumes e demais usos temporários na construção. A aposta está em algo mais valioso: a plantação de ciclo longo, cujas árvores demoram no mínimo 15 anos para atingir altura e diâmetro propícios para peças estruturais e outras aplicações de maior resistência. "É um mercado bastante promissor, que exige alto investimento de longo prazo, cerca de R$ 8 mil por hectare, e demorará mais de uma década para se consolidar e atingir escala no país", afirma Waack.
"A madeira nativa nunca será totalmente substituída, mas terá produção menor, o que de certa maneira é bom para as questões ambientais", completa o empresário. No Brasil, a maior parte do eucalipto se destina à fabricação de celulose e papel. Madeira serrada, painéis e compensados consomem 16% e registram forte expansão, de acordo com a Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas (Abraf). Ao mesmo tempo, a produção de toras tropicais na Amazônia diminuiu pela metade em 14 anos, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
Empresas como Floresteca, Granflor e Weyerhaeuser entraram no jogo. "Para muitos usos, o eucalipto é hoje tão resistente quanto à madeira de lei", garante Hélio Olga, diretor da ITA Construtora, fabricante de vigas e pilares, em Vargem Grande Paulista (SP). Desenvolvido a partir de clones vegetais de maior rigidez, o material é ainda 20% mais caro que o produzido com madeira tropical, mas se torna competitivo em relação ao concreto e o aço.
Após quase trinta anos no mercado, a empresa optou pela substituição total das espécies nativas, devido à dificuldade da logística. O eucalipto está mais perto da indústria e, neste quesito, permite vantagens ambientais. "No caso da madeira nativa, os ganhos no balanço de carbono, por ser uma fonte renovável, se dissipam nas emissões do transporte ao longo de quase 4 mil km para trazer o material da Amazônia até a indústria", explica o empresário.
Do corte de toras até o transporte para o mercado consumidor, a derrubada de árvores na Floresta Amazônica por práticas predatórias e sua transformação em tábuas, vigas e outros produtos liberam na atmosfera entre 6,5 a 24,9 toneladas de dióxido de carbono por metro cúbico. Isso corresponde a até 13,1% do total das emissões brasileiras. "As decisões na construção civil podem ser de maior ou menor impacto, dependendo da origem da madeira", avalia Érica Ferraz, pesquisadora da Universidade de São Paulo responsável pelo estudo. "Há muito espaço para se reduzir carbono por meio de um manejo adequado da floresta".
"Como biomassa, a madeira é praticamente o único material renovável utilizado nas obras", atesta do Vanderley John, especialista do Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS). O uso da matéria-prima florestal pesa na conta do carbono e na imagem das construtoras. "Devido ao melhor acabamento, a madeira tropical certamente continuará sendo usada em prédios de alto padrão", prevê Lilian Sarrouf, coordenadora do comitê de meio ambiente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (SindusCon-SP), entidade que lançou um guia para construtoras medirem emissões.
"Grandes incorporadoras fogem da madeira amazônica para evitar a burocracia dos órgãos ambientais e os riscos da ilegalidade", concorda Marco Lentini, à frente do Programa Amazônia do WWF-Brasil. A organização vê a extração sustentável como estratégia de conservação ambiental e ganhos sociais. Na Amazônia, a indústria de base florestal abrange 2 milhões de pessoas, é um motor da economia regional e sua substituição pode incentivar a migração para setores associados a danos ecológicos.
"A madeira precisa de utilidade para não ceder lugar a pastagens e cultivos", reforça o analista ambiental Ricardo Russo, também do WWF. Um dos desafios é promover o interesse comercial por maior variedade de espécies, aumentando a renda e reduzindo a pressão ambiental sobre as que hoje são mais utilizadas. Os planos de manejo preveem a exploração de trinta tipos de madeira, em média, mas apenas oito têm apelo de venda. "O restante fica no pátio sem comprador", lamenta Russo, coordenador de um manual elaborado em parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo contendo uma lista de novas espécies para uso na construção.

"Madeira plástica'' ganha espaço no mercado

Por Sergio Adeodato
De São Paulo

Ao utilizar matéria-prima reciclada, evitando o despejo de resíduos em aterros e lixões, a chamada "madeira plástica" ganhou sofisticação tecnológica e rompeu barreiras culturais para se fixar como alternativa na construção civil. "As dificuldades com a madeira tradicional, em função dos custos e exigências de certificações ambientais, abriram o nosso caminho", conta Gabriela Borges, gerente da Ecoblock, fabricante de perfis para decks de piscina, assoalhos e outras aplicações.
Imune à ação de cupins, o material contém fibras vegetais, como casca de coco e arroz, e sucata de plástico adquirida junto a indústrias e cooperativas de catadores, no total de 500 toneladas por mês. De acordo com Gabriela, o novo mercado cresce entre 30% e 40% ao ano, tendo a durabilidade e facilidade de manutenção como principais fatores de venda. O preço, 20% superior ao da madeira comum, se equipara ao da madeira convencional com selo de certificação.
No caso da Wisewood, de Itatiba (SP), o foco do material reciclado é a alta resistência, como dormentes para ferrovias, tradicionalmente fabricados com madeira de lei e, mais recentemente, também com eucalipto. "Com plástico misturado à fibra de vidro e outros componentes, o dormente pode ser adaptado às necessidades de cada ferrovia", informa Bruno Igel, diretor administrativo. Para ele, ao contrário da madeira natural, "a disponibilidade de matéria-prima oriunda do lixo cresce proporcionalmente ao aumento da renda e do consumo da população".
Com tecnologia do Instituto de Macromoléculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, foram até o momento produzidas 200 mil unidades, vendidas principalmente para a MRS, concessionária que opera 2 mil km de linhas férreas no país. O material é também empregado pela empresa na fabricação de mourões para cercas de fazendas e cruzetas de postes da rede elétrica.
Nos Estados Unidos, maior produtor global, o mercado de madeira plástica gira em torno de US$ 5,2 bilhões por ano, com usos que já incluem janelas, bancos, telhas e lâminas para substituir a madeira compensada, além de pisos com padronagens que imitam o produto natural.
O insumo reciclado contribui para a redução de emissões de carbono e, devido a isso, sua utilização no lugar da madeira tradicional é positiva para o meio ambiente. No entanto, de acordo com especialistas, o mesmo não se pode afirmar a respeito de outros materiais associados a alto consumo energético ou poluição. Estudos comparativos complexos e dependem de vários fatores, mas uma pesquisa recente divulgada por uma universidade britânica concluiu que o desempenho da madeira na construção civil supera em até dez vezes o do cimento e do aço em economia de energia e gases do efeito estufa.

Valor Econômico, 30/01/2014, Especial, p. F1

http://www.valor.com.br/agro/3412820/solucao-nativa

http://www.valor.com.br/agro/3412822/madeira-plastica-ganha-espaco-no-m…

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