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Solução ainda distante para a crise da água

Valor Econômico, País, p. 12
27 de Ago de 2014

Solução ainda distante para a crise da água

A dramática situação vivida nas vizinhanças da usina hidrelétrica de Três Marias, em Minas Gerais, descrita em reportagem publicada pelo Valor (25/8), ilustra bem os conflitos surgidos em torno do uso da água em um momento de estiagem intensa como a atual.
O gigantesco reservatório de Três Marias está com menos de 8% da sua capacidade máxima e pode se esgotar até novembro, quando, espera-se, as chuvas devem voltar. A vazão de saída do reservatório para o rio São Francisco foi reduzida, mas ainda é três vezes maior do que a de entrada. O reservatório continua esvaziando e afloram bancos de areia e pedras no rio. Municípios antes e depois da barragem estão em conflito. Eles dependem da água captada no rio para abastecer a população e girar a economia.
A situação é semelhante à guerra da água, que irrompeu entre São Paulo e Rio e passa agora por uma trégua. Igualmente sob o efeito de forte estiagem, o governo de São Paulo reduziu a vazão da hidrelétrica do rio Jaguari, da bacia do Paraíba do Sul, que abastece também municípios do Rio e de Minas. O Rio se opôs e só houve uma solução temporária, com a interferência da União: São Paulo concordou em ampliar a vazão até o próximo mês, quando o governo fluminense terá realizado obras que permitem o uso da água com um nível menor.
São Paulo já havia manifestado o interesse em interligar o Jaguari ao sistema Cantareira, que está com pouco menos de 12% de sua capacidade, incluindo a reserva técnica. O Rio é contra o projeto porque receia ter seu abastecimento prejudicado. Será comprometida também a geração de eletricidade, o que complica o delicado xadrez que governo federal vem jogando para produzir energia neste momento de seca.
Sob pressão do calendário político, as autoridades em todos os níveis evitam medidas impopulares e vão empurrando irresponsavelmente o problema com a barriga. Um primeiro erro é considerar a crise localizada apenas em terreno da oposição tucana e achar que "quanto pior, melhor". Nada menos do que 15 milhões de pessoas dependem das águas do Jaguari, sem falar da economia da região.
A estiagem em São Paulo também afetou a hidrovia Tietê-Paraná, cuja navegação começou a ser prejudicada em fevereiro e acabou interrompida em maio, com a situação agravada pelo fato de o Operador Nacional do Sistema de Energia (ONS) ter direcionado a água para gerar eletricidade e ter esvaziado os reservatórios de Ilha Solteira/Três Irmãos. A hidrovia escoa a produção agrícola não só de São Paulo, mas também do Paraná, Mato Grosso do Sul, Minas e Goiás, que agora está sendo transportada por caminhão a um custo três vezes maior (O Globo, 21/8).
A crise em Três Marias tem potencial para atingir, além de Minas, a Bahia e Pernambuco, ao longo de toda extensão do rio São Francisco. Há ainda notícia de que outras três bacias enfrentam problemas de restrição de vazão, a do Parnaíba, entre o Maranhão e o Piauí; a do sistema Curema-Açu, Paraíba e Rio Grande do Norte; e a da bacia do rio Doce, em Minas e Espírito Santo.
O grande potencial hídrico do país, que dispõe de quase 20% da água doce mundial, dá uma sensação de farta disponibilidade de água que não justifica a displicência com que foram tratadas as matas ciliares e os lençóis freáticos ao longo dos anos. Mas essa sensação é falsa porque o tesouro líquido está concentrado na Amazônia e a água não pode ser transportada por longas distâncias como a eletricidade.
Além disso, a pior seca em mais de 80 anos não aconteceu de um dia para o outro. Os especialistas já alertavam para o problema desde o verão de 2011/2012, e os governantes tiveram tempo para tomar medidas e investir em infraestrutura para minorar a escassez de água. Calcula-se entre 30% e 40% o desperdício de água tratada. Saneamento ainda é um dos pontos mais fracos do Brasil - e ele é vital para a proteção dos mananciais.
Da mesma forma, os especialistas já preveem que as próximas chuvas dificilmente serão suficientes para recompor as reservas, o que significa que o problema tende a se agravar, embora as autoridades não esbocem reação à altura. O Plano Nacional de Segurança Hídrica, lançado na semana passada, ainda levará dois anos para definir as intervenções necessárias para garantir o abastecimento humano e as atividades produtivas. Pode ser tarde demais.

Valor Econômico, 27/08/2014, País, p. 12

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