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Soja transgênica avança no Paraná

OESP, Economia, p. B3
13 de Mar de 2005

Soja transgênica avança no Paraná
Até os produtores mais fiéis às sementes convencionais já percebem que a diferença paga pelo produto não compensa a resistência

Fernando Dantas
Enviado especial

Na impecável sede da Cooperativa Agrária Mista Entre Rios, na área rural do município de Guarapuava, no Paraná, as raízes alemãs não ficam evidentes apenas pelo clima ordeiro e pela decoração austera: todas as placas e sinais são escritos em português e no idioma germânico. A maior parte dos 360 cooperados é descendente dos imigrantes suábios que chegaram ao Brasil nos primeiros anos do pós-Guerra, vindos de campos de refugiados na Áustria. A produção da cooperativa é de 200 mil toneladas de soja por ano, responsáveis por 15% do faturamento, para o qual também contribuem produtos como milho, trigo e cevada.
O temperamento conservador que rege a Agrária, fincada numa das regiões mais frias do Brasil - os termômetros chegam comumente a cinco graus negativos no inverno -, explica em parte a opção rigorosa por não plantar a soja transgênica. Diante da confusão judicial em torno da legalidade do plantio nos últimos anos, a cooperativa optou por ficar dentro da lei, sem nenhuma ambigüidade.
Agora, porém, com a aprovação da Lei de Biossegurança, que põe fim às restrições à soja transgênica, a Agrária cogita liberar o cultivo do produto.
É uma reviravolta e tanto. Uma das características da Agrária é o rigor nos procedimentos para garantir ao comprador que de fato a soja que ele compra não foi contaminada com a variedade transgênica. Os testes são feitos nos lotes de semente e em folhas coletadas no campo, na recepção da carga, em cada silo, em cada lote de 5 mil toneladas nos navios graneleiros e na transferência do silo para a indústria de esmagamento.
"Nós tínhamos esperança de conseguir mercados, principalmente na Europa, que pagassem preço diferenciado para o nosso produto", explica Adam Stemmer, superintendente da Agrária. A aposta na soja convencional foi condicionada também pelo fato de que os cooperados têm 100% de fidelidade, comprando todas as sementes da cooperativa e a ela vendendo toda a produção. Neste sistema integrado, a possibilidade de contaminação pela soja transgênica é mínima.
O motivo que faz com que a Agrária e outros agrupamentos de plantadores de soja no Paraná cogitem liberar o cultivo da soja transgênica é puramente econômico. Segundo Stemmer, o custo da soja convencional supera em US$ 15 por tonelada o da transgênica, mas os clientes franceses e alemães só estão dispostos a pagar de US$ 3,5 a US$ 5 a mais. O preço da tonelada para o vendedor brasileiro está em aproximadamente US$ 196.
CUSTO MAIOR
A soja transgênica RR (round-up ready) tolera a aplicação do agrotóxico glifosato, que pelo seu efeito devastador nas ervas daninhas reduz muito as aspersões, barateando o custo do plantio. Tanto a RR quanto o glifosato foram colocados no mercado pela multinacional Monsanto, à qual os agricultores devem pagar royalties pelo uso da semente.
"Na França, dizem que a população é contra os transgênicos, mas os consumidores são a favor", diz Roberto Sattler, gerente da área de cooperados da Agrária. Ele quer dizer que as pesquisas de opinião mostram uma maioria esmagadora contrária aos transgênicos, mas na hora de comprar, o custo maior do produto convencional fala mais alto.
Irineo da Costa Rodrigues, importante liderança do setor de soja no Paraná, acha que a oposição à variedade transgênica é "uma posição ideológica e não racional". Rodrigues acha possível que novas variáveis transgênicas abordem problemas como a atual estiagem no Sul. "Vamos deixar o agricultor plantar o que o consumidor quiser", diz ele.
Em Chopinzinho, no sudoeste do Paraná, área de influência gaúcha e, portanto, de maior penetração da soja transgênica, o agricultor Enio Pigosso lembra que, em 2004, a Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep) teve de entrar com uma liminar para liberação do glifosato. Pigosso, que planta quase 100% de soja transgênica, indaga sobre o que mais o governo do Estado vai alegar, com a aprovação da Lei de Biossegurança.
GOVERNO
Segundo Felisberto Queiroz Batista, diretor do Departamento de Fiscalização e Defesa Agropecuária do Paraná, as queixas dos plantadores de soja transgênica sobre o rigor do governo são indevidas: "Fiscalização excessiva não existe, fiscalização existe ou não existe", ele diz, lembrando que mesmo a nova Lei de Biossegurança faz exigências quanto à rotulagem, segregação e identificação.
Para Batista, com a sua política contra os transgênicos, "o governo do Paraná se preocupa em defender o interesse da economia do Estado, o interesse difuso da população e da humanidade e o direito ambiental, contra o interesse de pequenos grupos localizados."
Ele afirma que a ciência muitas vezes deu carta branca a produtos e procedimentos - como o remédio Vioxx ou o uso de farinha de carne e ossos como ração de gado, causa da síndrome da vaca louca - que mais tarde se provaram lesivos à saúde pública. O mesmo pode ocorrer com a soja transgênica e o glifosato, ele nota.
Batista também acha que falta visão de longo prazo a muitos agricultores ao seguirem lideranças que fazem o papel "de pau mandado do detentor dessa tecnologia (a Monsanto)". Para ele, "o Brasil perdeu com essa lei (de Biossegurança)."
O engenheiro agrônomo e agricultor Silvino Caus, da Agrária, no entanto, diz que a nova lei deve levá-lo a experimentar um plantio de 30% de soja transgênica na próxima safra. "Quero ver se tem viabilidade econômica."

OESP, 13/03/2005, Economia, p. B3

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