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Soja, suor e choro

Isto É, Especial, p. 94-95
20 de Out de 2004

Soja, suor e choro
Lula resiste ao cerco de Marina Silva e libera os transgênicos no prazo limite das chuvas de outubro

Luiz Claudio Cunha
Colaboraram: Chico Silva, Cláudia Pinho e Juliana Vilas

O vale de lágrimas da ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, não cessou com a aprovação da Lei de Biossegurança no Senado. Ganhou força torrencial na semana passada, nas horas tensas que antecederam a edição de uma terceira medida provisória pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, legalizando o fato consumado do plantio de soja transgênica pelos agricultores gaúchos. Marina chorou pela primeira vez na segunda-feira 11, quando fracassou sua proposta a Lula: "Apóio a MP desde que se restabeleça o poder final de veto do Conselho Nacional de Biossegurança." Lula negou devolver munição ao colegiado político que colocava os Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente no controle da produção dos alimentos geneticamente modificados, o que no Senado passou à jurisdição dos cientistas da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).
No caldeirão, mais do que uma sopa de letras, borbulhava uma briga de poder. De um lado está Marina, à frente do batalhão ambientalista. Na outra frente está Roberto Rodrigues, ministro da Agricultura e porta-voz dos agricultores, mirando as nuvens de chuva que prenunciam o momento de plantio. Incansável, Marina voltou ao Planalto na quarta-feira 13, onde chegou antes do presidente. Passou o dia ali, sem esconder o choro, tentando segurar a MP já redigida, que chegou a desembarcar na Imprensa Oficial para publicação no Diário Oficial. No último momento, Lula pediu o texto de volta.
Na quinta-feira 14, Marina chorou pela terceira e última vez. Lula a convocou ao Planalto no final da tarde, para confirmar a MP que prorrogava o plantio da soja transgênica na safra 2004-2005, tirando da ilegalidade o Rio Grande do Sul, que produz um quinto da soja nacional, sendo quase 90% em sementes transgênicas. A MP foi assinada no início da noite e publicada na sexta-feira 15, liberando o plantio e o comércio da soja em 2005. Lula se rendeu aos fatos: 120 mil pequenos produtores gaúchos, que apóiam o PT e integram a Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag), estavam prestes a semear suas terras com os transgênicos, que reduzem em 15% o custo da produção.
"É melhor a Marina chorar do que chorar a agricultura brasileira", diz o senador Osmar Dias (PDT-PR), relator da lei no Senado, que trocou a expressão "parecer técnico" por "decisão técnica", para reforçar o poder do Conselho de Biossegurança, que na visão de Marina seria só consultivo. "O presidente balança diante da chantagem emocional da Marina, que sempre ameaça se demitir", diz o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), defensor dos ruralistas. A força do agronegócio, de onde saem 40% do PIB e 46% das exportações nacionais, deixa a ministra numa saia-justa.
A lei agora volta à Câmara dos Deputados para uma nova votação, onde se espera uma firme reação da ministra, confiante na base ambiental do PT e na aliança com os evangélicos, incomodados com o uso blasfemo dos embriões humanos. A inclusão, num único texto de lei, de dois assuntos polêmicos (células-tronco e transgênicos) é outro motivo de queixa. "A lei aborda dois assuntos completamente diferentes. É o que chamamos de matéria Frankestein", diz o senador Flávio Arns (PT-PR). "O Executivo tem urgência em aprovar os transgênicos e, para amenizar o desgaste político, colocou junto os dois assuntos polêmicos", explica o deputado Neucimar Ferreira (PL-ES).
Do arroz e feijão de cada dia, passando pelo chester de Natal, a maçã e a manga da sobremesa, muito do que está no prato do brasileiro passou por aprimoramento genético para se adaptar ao clima e ao solo nacionais. "O brasileiro pode não saber, mas quase tudo o que consome teve algum tipo de modificação genética", diz José Manuel Cabral de Souza Dias, chefe de recursos genéticos da Embrapa. Ele cita as batatas da rede de fast-food McDonald's. "Desenvolvemos para eles uma batata com maior teor de proteína." Bom para a ciência, ruim para as mães, que se desesperam a cada vez que levam os filhos para se pesar na balança.

Tremenda confusão
Presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, o professor Volnei Garrafa é um dos poucos especialistas brasileiros em biossegurança.

ISTOÉ - É certo misturar células-tronco e transgênicos no mesmo projeto de lei?

Volnei Garrafa - O Congresso mostrou que não está preparado para discutir temas complexos. Esse projeto teria de ser desmembrado em três partes: transgênicos, atribuições da CTNBio e células-tronco. Em qualquer país de Primeiro Mundo, as entidades de ética são as primeiras a ser ouvidas. Nunca fomos chamados.

ISTOÉ - Qual sua posição sobre o uso de embriões humanos?

Garrafa - Não se pode admitir essa confusão entre Igreja e Estado. Por mais legítimas que sejam as posições religiosas, eles não têm direito de impor suas moralidades à sociedade.

ISTOÉ - E os transgênicos?

Garrafa - A ministra Marina Silva tem razão quando diz que devem ser feitos estudos específicos. Pela primeira vez estamos mudando a essência da vida. Temos que fazer isso com os quatro Ps necessários: precaução, prevenção, proteção e prudência.

Isto É, 20/10/2004, Especial, p. 94-95

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