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Sobra calor, falta cuidado

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
18 de Ago de 2005

Sobra calor, falta cuidado

Washington Novaes

A freqüência com que se têm noticiado desastres ou problemas climáticos sugere que se deva dar muito mais atenção a essa área. Na semana passada, houve a notícia sobre um novo ciclone em Santa Catarina. Um estudo do Worldwide Fund for Nature (WWF) mostrou que em 30 anos a temperatura média de 16 grandes cidades européias no verão subiu 1,5 grau Celsius, e chegou a 2 graus em Londres (o estudo afirma que se devem esperar na Europa mais chuvas torrenciais, secas intensas e verões muito quentes). Outro estudo, na Austrália, mostra que a pecuária e a indústria da carne ali tendem a se transferir do sul para o norte, por causa do calor, de secas e da redução da disponibilidade de água. Mais um estudo da revista New Scientist evidencia que, com o aumento da temperatura, se está derretendo uma área congelada de mais de 1 milhão de quilômetros quadrados na Sibéria. Todas essas notícias vieram em seguida a semanas de dramas na Ásia, com milhões de desabrigados na China e na Índia por inundações e tufões, enquanto no Paquistão a temperatura chegava a 50 graus Celsius. Na Califórnia, passava de 40 graus, com a onda de calor de leste a oeste.
Além disso, o Massachusetts Institute of Technology (MIT) prevê que os furacões nos EUA tendem a aumentar sua força destrutiva, já que a velocidade dos ventos e a duração das tempestades cresceu 50% nas últimas décadas, por causa do aquecimento das águas dos oceanos. Agora, os órgãos do governo norte-americano que monitoram furacões, e que em março previam de 12 a 15 eventos desse tipo até novembro, aumentaram suas previsões para 21.
Os oceanos estão mais ácidos e isso pode ter graves impactos sobre a vida no mar, diz a mesma revista New Scientist. As geleiras das montanhas poderão desaparecer em algumas décadas, adverte o World Glacier Monitoring System. Os Alpes europeus já perderam 50% de sua neve. A plataforma glacial Larsen, na Antártida, perdeu 12,5 mil quilômetros quadrados de sua área.
Desde 1960, mais de 2 bilhões de pessoas sofreram com desastres naturais, segundo o Worldwatch Institute. Os prejuízos econômicos superam US$ 600 bilhões. E 96% dos desastres aconteceram nos países "em desenvolvimento".
No Brasil mesmo, problemas climáticos respondem este ano por boa parte das perdas do agronegócio, que está faturando 14,6% menos que no passado. No Rio Grande do Sul, as perdas na safra de soja com a seca são superiores a 70%.
Os sinais de mudanças climáticas são "alarmantes", disse a secretária-executiva da convenção dessa área, Joke Waller-Hunter, num evento recente. E exigem "urgência" na tomada de decisões. Porque os cenários podem ser ainda mais dramáticos que os enunciados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), de aumento da temperatura entre 1,4 e 5,8 graus neste século e elevação do nível do mar entre 9 e 88 centímetros. Se não houver redução das atuais emissões de gases que se concentram na atmosfera - e não está havendo -, a concentração de poluentes poderá crescer muito, já que se prevê um aumento da demanda de energia de 60% até 2030. Os países industrializados, no conjunto, reduziram suas emissões em 6,6% sobre os níveis de 1990, mas isso se deve a uma queda de 40% nas emissões das chamadas economias em transição (principalmente na antiga área socialista, onde a atividade econômica baixou muito). Ela compensou um aumento de emissões de 7% dos países mais industrializados.
Reunidos há poucas semanas, 2 mil demógrafos do mundo todo confirmaram que a população mundial deve crescer para 9 bilhões até meados do século - pressionando a demanda de energia. Hoje, cada norte-americano ou canadense emite 19,9 toneladas anuais de poluentes da atmosfera (e a população nesses países vai aumentar em 132 milhões de pessoas no período), enquanto um habitante da África Subsaariana emite 20 vezes menos.
Apesar do quadro muito preocupante, avança-se pouco. EUA e Austrália continuam fora do Protocolo de Kyoto e fazem acordo com Índia, Japão, China e Coréia do Sul, na busca de novas tecnologias para reduzir emissões - mas sem metas definidas. Os países "em desenvolvimento", inclusive o Brasil, não aceitam compromissos para reduzir emissões - mesmo com o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas pedindo na reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em Fortaleza que o País assuma metas de redução do desmatamento, pois este, na Amazônia, responde por três quartos de mais de 1 bilhão de toneladas anuais de dióxido de carbono que o País já emitia em 1994. O Fórum Brasileiro das ONGs também pede isso, assim como investimentos em pesquisa sobre clima, discussões com a sociedade, um novo pacto para depois de 2012, quando termina o atual período do Protocolo de Kyoto.
Mas o tema não é prioritário na agenda nacional. Ainda que cientistas brasileiros, norte-americanos e australianos tenham dito, em reunião no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que furacões como o de 2004 em Santa Catarina podem repetir-se, por causa de mudanças climáticas.
O Ministério do Meio Ambiente quer que os países industrializados cooperem com recursos financeiros e tecnologias para a implantação de redes capazes de prever eventos graves, monitorar as condições do tempo. Mas não se avança nessa direção, nem aqui nem em nenhum outro país "em desenvolvimento" - todos pedem a mesma coisa.
No fundo, no fundo, lógicas financeiras continuam a prevalecer. Poucos aceitam mover-se sozinhos. Esperam regras e autoridades globais - que continuam a enfrentar resistência acirrada dos atuais beneficiários das matrizes energéticas poluidoras.

OESP, 19/08/2005, Espaço Aberto, p. A2

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