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Sob pressão, Planalto propõe diálogo a índios

FSP, Brasil, p. A8
03 de Jan de 2004

Sob pressão, Planalto propõe diálogo a índios
Após um ano de críticas, governo marca, para o final deste mês, reunião de alto escalão com os indígenas

Rubens Valente
Da reportagem local

Após um ano marcado por 25 assassinatos de índios e pressões de líderes -que chegaram a queimar em praça pública, no Amazonas, o programa de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva-, o Palácio do Planalto deu os primeiros sinais de abertura de um diálogo com os representantes dos indígenas.
O ministro Luiz Dulci (Secretaria Geral da Presidência) agendou para os dias 27, 28 e 29 próximos, em Brasília, a primeira reunião do alto escalão do governo Lula com 14 líderes indígenas para discutir uma nova política para o setor -incluindo a redefinição do papel da Funai (Fundação Nacional do Índio), que pela proposta indígena ficaria ligada a uma secretaria especial, com status de ministério- e temas como mineração em terras indígenas e criação de cotas no ensino superior.
Os índios também querem a "nomeação de indígenas qualificados para o cargo de chefias de postos, administrações regionais, assessoria técnica e presidência da Funai", conforme o texto entregue ao ministro Dulci.
Os indígenas vão cobrar um plano emergencial para solução de conflitos em terras, combate à violência e punição dos culpados pelos crimes do ano passado. Segundo os índios, também participarão da reunião representantes dos ministérios da Justiça, do Desenvolvimento Agrário e do Meio Ambiente, entre outros.
O diálogo é uma tentativa do Planalto de recuperar a confiança de indígenas e indigenistas, abalada desde que Lula decidiu postergar a homologação da terra indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima, assim que tomou posse, e por uma série de medidas burocráticas, como submeter à análise do Conselho de Defesa Nacional áreas em fase de homologação.
"O balanço do primeiro ano é negativo. Nós tínhamos muita esperança. Até fomos bem atendidos, no papo. Mas, na prática, até agora não foi feito nada", disse ontem o bispo de Balsas (MA) Gianfranco Masserdotti, 61, presidente do Cimi (Conselho Indigenista Missionário).

Decepcionados
A Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), a mesma que organizou o protesto de Manaus, em novembro, e, em setembro, anunciou "rompimento" com o governo Lula, foi convidada por Dulci a indicar três representantes para o grupo de trabalho, que foi batizado pelos índios de "Construção de uma Política Indigenista".
A Coiab congrega 165 povos indígenas (aproximadamente 325 mil índios, cerca da metade do país) e é coordenada por um índio filiado ao PT, o saterê-mauê Jecinaldo Barbosa, 27.
"Até o momento, estamos muito decepcionados. Esperamos que em 2004 o Lula acorde para a questão indígena e social", disse Barbosa, que seria, no ano passado, candidato a deputado estadual pelo PT, no Amazonas, mas desistiu após ser escolhido para gerir a Coiab.
A reaproximação dos indígenas com o governo Lula começou após o recrudescimento dos protestos dos índios, no início de novembro. No final daquele mês, pela primeira vez a Coiab falou com o ministro Luiz Dulci.
"Quando o Lula era candidato, tivemos uma reunião com ele em Manaus, na qual se comprometeu conosco", relatou Barbosa. "Nós dissemos ao ministro Luiz Dulci que ainda acreditamos no presidente Lula, porque foi o movimento social e o povo humilde que colocaram ele lá [na Presidência]", disse Barbosa.

Lula prometeu mudança "profunda"

Da reportagem local

O programa de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a área indígena, divulgado em setembro de 2002, prometeu "profundas e substanciais mudanças" na política indigenista. Um ano depois da posse, Lula não apresentou a nova política nem alterou a estrutura da Fundação Nacional do Índio.
O documento "Compromisso com os povos indígenas" apontava como uma das "situações graves que afetam populações indígenas, configurando flagrante desrespeito aos direitos humanos", a "não-confirmação (homologação) da terra indígena Raposa/ Serra do Sol", em Roraima.
Após um ano de governo petista, a situação persiste em Roraima: Lula não homologou a área, embora não existam mais entraves jurídicos para o ato, segundo o Ministério Público Federal.
O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, já disse que o presidente assinará o decreto, mas não revelou quando.
A promessa de construir, junto com os índios, uma nova política indigenista está prevista no programa petista: "Definir, em conjunto com as comunidades indígenas, os indigenistas, especialistas e setores políticos sinceros e interessados, uma Política Indigenista clara, democrática, objetiva, coerente, visando ao respeito e à garantia plena dos direitos à terra e à autodeterminação dos povos indígenas".
Outra das principais reivindicações dos índios também não saiu do papel no primeiro ano da gestão Lula: "Articular programa especial e emergencial, no âmbito do órgão indigenista oficial, visando demarcar, homologar e registrar todo o atual passivo de terras indígenas não demarcadas".
O então candidato Lula também prometeu apoiar a aprovação do novo Estatuto dos Povos Indígenas, em tramitação no Congresso Nacional desde 1991. Em 2003, a proposta não saiu do lugar.
"Trabalhar junto ao Congresso Nacional por um anteparo legal contemporâneo (novo Estatuto), coerente com as bases de uma política indigenista justa, democrática e pluralista. Trabalhar para eliminar entraves políticos, jurídicos, ideológicos e burocráticos no processo de demarcação de terras indígenas", diz o programa. (RV)

Frases

"O balanço do primeiro ano é negativo. Nós tínhamos muita esperança. Até fomos bem atendidos, no papo. Mas, na prática, até agora não foi feito nada e não há sinais de melhora"
Dom Gianfranca Masserdotti presidente do Cimi

"Até o momento, estamos muito decepcionados. Esperamos que em 2004 o Lula acorde para a questão indígena e social"
Jecinaldo Barbosa coordenador-geral da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira)

"Nós dissemos ao ministro Luiz Dulci que ainda acreditamos no presidente Lula, porque foi o movimento social e o povo humilde que colocaram ele lá [na Presidência]"
Idem

FSP, 03/01/2004, Brasil, p. A8

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