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Sob críticas, Funai é alvo de disputas políticas no governo federal

O Globo - https://oglobo.globo.com/brasil
28 de Jun de 2020

Sob críticas, Funai é alvo de disputas políticas no governo federal

Damares Alves quer emplacar atual titular de Saúde Indígena no órgão

Daniel Biasetto

Rio - Criticada pela falta de ação na prevenção e no combate ao coronavírus nas aldeias, a Fundação Nacional do Índio (Funai) tornou-se alvo de disputas políticas dentro do governo federal. Após o Planalto cobrar uma agenda positiva - depois da repercussão do manifesto organizado pelo fotógrafo Sebastião Salgado para que os Três Poderes evitem um extermínio de indígenas por causa da pandemia -, a Funai disputa com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) para ver quem sai "melhor na foto" com a distribuição de cestas básicas e outras ações de ajuda aos povos indígenas.

Nos bastidores, essa briga para mostrar serviço tem como pano de fundo um interesse da ministra Damares Alves, da pasta da Mulher, Família e Direitos Humanos, em indicar um nome próximo a ela para o comando da Funai. Seu favorito é Robson Santos da Silva, atualmente à frente da Sesai. O GLOBO apurou que Damares ainda não se conformou em perder a Funai para o Ministério da Justiça - o Congresso devolveu o órgão à pasta de origem.

No comando da Funai, Marcelo Augusto Xavier tem evitado participar de eventos onde a Sesai está presente, segundo servidores que trabalharam até recentemente com ele. Xavier teria chegado ao ponto de proibir assessores em agendas conjuntas dos dois órgãos. Um dos episódios que deixaram o presidente do órgão furioso foi a participação de Damares na entrega de cestas básicas nas aldeias. Ex-auxiliares de Xavier disseram que ele passou a querer dar uma resposta positiva para as cobranças do Planalto e delegou poderes ao seu chefe de gabinete, Fredson Ferreira Gomes, para realizar uma reformulação no órgão. Nos últimos três meses, ao menos dez servidores com cargos de diretores e coordenadores foram exonerados dos departamentos de comunicação social, gestão de pessoal e de recursos financeiros.

O GLOBO apurou que dentro de um grupo de "notáveis" formado para debater e promover medidas de auxílio ao povos indígenas e questões referentes à proteção da Amazônia, a Funai sequer tem sido convidada para participar das discussões, além de ser alvo de duras críticas pela publicação de portarias consideradas 'anti-indígenas', por sua inércia e falta de plaejamento diante da ameaça real de dizimação de aldeias inteiras por conta da Covid-19.

Dados atualizados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) apontam que ao menos 382 índios já morreram vítimas da doença, que agora avança para uma área onde há maior concentrado de nativos isolados, no Vale do Javari, localizado no Amazonas.

Faz parte do grupo o presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli , o procurador-geral da República, Augusto Aras; subprocuradores do Ministério Público Federal (MPF); Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), lideranças indígenas, empresários e o fotógrafo Sebastião Salgado.

Entre os temas apontados pelas entidades às autoridades como preocupantes na condução da nova gestão da Funai estão a ausência de Planos de Contingência para situação de índios isolados e de recente contato, a criação de uma sala de situação para acompanhar a crise sanitárias nessas aldeias como prevê a Portaria de 4094/2018 assinada pela Funai e pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

- Os planos de contigência que eles dizem ter em mãos são cópia e cola de outros planos que não levavam em conta uma situação nova como a que estamos vivendo agora. Não há um monitoramento das ações e nem a criação de uma sala de situação atuante para a tomada de decisões com prevê a portaria 4094. Isso foi totalmente ignorado pela Sesai, que deveria ter cobrado isso da Funai - aponta um servidor da Funai que trabalha diretamente com os povos isolados.

Inércia contra Covid-19
A atuação da Sesai também tem sido questionada nesses encontros. Tanto Funai quanto Sesai foram criticadas por integrantes do MPF e lideranças indígenas durante a reunião virtual ocorrida há duas semanas. O subprocurador-geral da República, Antonio Bigonha, ex-coordenador do grupo do Ministério Público que trata de comunidades indígenas defendeu diante de Toffoli e Aras que Funai e Sesai participassem da reunião para que fossem cobradas diretamente pelas autoridades.

O CNJ afirma que por se tratar de uma "reunião de escuta", integrantes do governo não foram convidados deixando representantes das entidades "mais à vontade" para cobras mais ações dos órgãos indigenistas.

Bigonha afirma que desde meados de março Funai e Sesai foram cobradas para apresentar o Plano de Contingência com objetivo de combater a Covid-19 nas aldeias, mas que até hoje nenhuma proposta chegou até o MPF.

- Planos de Contingência são documentos formais. Se a Funai e a Sesai dispõe desses planos, por que não os exibe ao MPF e aos próprios indígenas? questiona Bigonha.

- Não é viável empreender qualquer política indigenista sem um órgão especialmente dedicado à matéria, aqui ou em qualquer lugar do mundo, e este órgão existe no Brasil, é a Fundação Nacional do Índio. O Estado brasileiro dispõe portanto de uma estrutura administrativa básica coerente e concatenada com os costumes e tradições indígenas. É preciso que ela funcione bem, sobretudo agora com a pandemia Covid19 - diz Bigonha ao destacar inviabilidade de a Justiça e o MPF administrarem os interesses indígenas.

Ao falar sobre a conjuntura enfrentada nas aldeias durante o encontro, Sônia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib/MA), condenou a falta de apoio de Funai e Sesai nas aldeias.

- Funai e Sesai estão ausentes em nossa luta pela sobrevivência, por isso desistismos de buscá-los como interlocutores e esperamos do Poder Público alguma atitude mais comprometida com os povos indígenas - afirma.

O fotógrafo Sebastião Salgado defendeu com ênfase maior participação da Funai e Sesai no debate sobre a iminente ameça de genocídio dos povos isolados e lamentou a falta de diálogo não só com a Funai, mas com integrantes do Executivo.

- Não conseguimos um contato melhor com o Executivo, porque o Executivo é isolado desssas questões. Mas mesmo assim estamos conseguindo uma mudança da filosofia em direção às comunidades indígenas. Infelizmente, a Funai hoje é uma instituição que não trabalha para a causa indígena.

Missionários e grileiros
O impasse jurídico que já dura quatro meses em torno da nomeação do missionário Ricardo Lopes Dias para o cargo de coordenador-geral de índios isolados foi um dos pontos avaliados como críticos na atuação da nova gestão da Funai durante o encontro.

- A tentativa de nomear um pastor evangélico para assessorar os indígenas isolados é um ultraje à comunidade indígena, ainda mais depois ele não ser aprovado e a Funai recorrer para que ela assuma o posto. Eu acho isso uma ação anti-índigena, entre outras ações da Funai que também são profundamente anti-indígenas - afirma Sebastião Salgado.

O GLOBO apurou que o grupo do MPF que trata de comunidades indígenas pediu ao procurador-geral Aras que fosse ao Supremo contra a nomeação. O caso também é questonado no Superior Tribunal de Justiça (STJ.

A publicação da Instrução Normativa no 9/2020, que permite a exploração e a comercialização de terras indígenas que ainda não foram homologadas pelo presidente da República, é outra grave questão levantad pelas entidades, que veem a medida como uma certificação de imóveis dada pela própria Funai para posseiros, grileiros e loteadores de Terras Indígenas (TIs).

Há cerca de 240 territórios em processo de demarcação que podem ser afetados pela IN, que teve como articulador o secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Luiz Antonio Nabhan Garcia, ligado a bancada ruralista consdierado padrinho político do presidente da Funai Marcelo Augusto Xavier.

Outro ponto negativo da gestão de Xavier na Funai é referente à baixa execução do orçamento destinados à regularização, demarcação e fiscalização de terras e proteção dos povos indígenas isolados. Até junho, a Funai gastou apenas R$ 2,1 milhões dos R$ 20,4 milhões reais previstos para esse fim.

- As ações para a regularização dos territórios estão completamente paralisadas. Na verdade, existem ações da Funai no rumo contrário, como a retirada dos servidores públicos das áreas não regularizadas, a desistência de ações judiciais, a Instrução Normativa 09. Ou seja, a Funai foi totalmente aparelhada pelo agronegócio, que está tomando seus setores estratégicos. O órgão passou a fazer a defesa do agronegócio predador e não a defesa dos direitos indígenas", critica o secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Antônio Eduardo de Oliveira, que também participa do grupo de trabalho.

Em nota, a Funai afirma que trabalha em conjunto com a Sesai no combate à Covid-19 nas aldeias, incluisive na distribuição de cestas básicas. Segundo o órgão, já foram destinados R$ 22,7 milhões para o combate ao coronavírus nas aldeias. A Sesai diz que trabaha com a Funai "especialmente" em relação à organização de barreiras sanitárias para o controle de circulação de pessoas em terras indígenas. A ministra Damares Alves e o secretário Robson dos Santos não se pronunciaram.

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