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Sob Bolsonaro, um indígena sofreu violência por dia no Brasil, aponta relatório

O Globo - https://oglobo.globo.com
Autor: Daniel Biasetto e Letícia Messias
26 de Jul de 2023

Casos de violência aumentaram 54% se comparados aos governos de Michel Temer e Dilma Rousseff, e número de indígenas assassinados chegou a 180 em 2022, mostra documento do Cimi
Por Daniel Biasetto e Letícia Messias - Rio de Janeiro

26/07/2023 15h30 Atualizado há uma semana

Durante os quatro anos de governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022), houve, em média, um indígena que sofreu violência por dia. Com cerca de 373,8 casos de violência contra esta população ao ano, o número representa um aumento significativo se comparado ao quadriênio anterior (54%), sob os governos de Michel Temer e Dilma Rousseff, quando a média foi de 242,5 casos anuais.

Os dados são do relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), divulgado nesta quarta-feira, que reuniu e analisou tópicos que vão desde a mortalidade na infância até os casos de violências ligadas ao patrimônio indígena. Dividido em cinco capítulos e com 285 páginas, o documento expõe ocorrências de 2022, mas também faz um panorama sobre os últimos quatro anos de governo.

Para a antropóloga Lúcia Helena Rangel, responsável pela coordenação do estudo, o cenário representa um "projeto genocida contra os povos originários". Ao GLOBO, ela ressaltou que há um contexto de "décadas de morte e ameaças". Apenas no último ano, 180 indígenas foram assassinados no país, 416 foram violentados, 20 sofreram violência sexual e 835 crianças indígenas de até 4 anos morreram. Além disso, a maior parte dos casos de violência ocorreram contra pessoas das etnias Guarani Kaiowá e Yanomami.

- Se você for levar a ideia do genocídio para o campo das ações voluntárias, nesse governo ele foi nitidamente voluntário. Porque não só o governo, o Estado, como os fazendeiros, até juízes, negando recursos de vida aos indígenas, à terra, foi sim uma ação proposital. E nesses últimos quatro anos, a gente pode configurar esse episódio genocida.

De acordo com o relatório, a maior parte dos casos de homicídio contra esta população em 2022 ocorreu em Roraima (41), Mato Grosso do Sul (38) e Amazonas (30). O ano foi marcado por uma série de conflitos e de mortes de lideranças ligadas à luta pela terra e proteção do território. Em junho, por exemplo, o Guarani Kaiowá Vitor Fernandes, de 42 anos, foi assassinado durante uma operação policial.

Na ocasião, os oficiais visavam despejar os indígenas de "Tekoha Guapoy", uma área que os Guarani e Kaiowá afirmam ter sido subtraída da Reserva Indígena de Amambai, no Mato Grosso. Realizado sem ordem judicial, o ataque ficou conhecido como "massacre de Guapoy". Nos meses seguintes, outros dois Guarani ligados ao território foram assassinados.

O ano também foi marcado pelas mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, que ocorreram em junho e ganharam repercussão mundial pela brutalidade. Os dois tiveram os corpos esquartejados e queimados no Vale do Javari, na Amazônia, região com a maior concentração de povos indígenas isolados do mundo.

Somado a isso, houve ao menos 27 casos de ameaças de morte contra indígenas, sendo sete deles apenas no Maranhão. Lá, as principais vítimas foram as lideranças que participam dos grupos conhecidos como "Guardiões da Floresta". Eles realizam atividades de monitoramento territorial - que, segundo o documento, ficaram mais expostas à pressão dos invasores "à medida que as ações de fiscalização por parte dos órgãos responsáveis foram reduzidas pelo governo federal".

Já no Amazonas, dois casos de ameaça ocorreram no Vale do Javari. Em um deles, um grupo com cerca de 30 indígenas Kanamari foi ameaçado por pescadores ilegais armados. Um desses homens chegou a apontar a arma para a liderança e dizer que ela teria o mesmo fim de Bruno e Dom. Afirmou: "Só não vou te matar agora porque tem muita criança e testemunha aqui. Mas você já estava na lista".

Já nos últimos quatro anos, o número de indígenas assassinados chegou a 795 - e Roraima, Mato Grosso do Sul e Amazonas concentraram 65% dos homicídios praticados. As informações do relatório "Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil" foram obtidas junto a fontes públicas como a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e secretarias estaduais de saúde.

Omissão do poder público
Dados fornecidos pela Sesai indicaram que, somente em 2022, 835 crianças indígenas de até 4 anos morreram. No Brasil, a Secretaria registrou um total de 3.552 óbitos nesta faixa etária entre 2019 e 2022, sendo a maior parte dos casos no Amazonas (1.014), Roraima (607) e Mato Grosso (487).

Segundo o Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI-YY), a população na Terra Indígena Yanomami é de cerca de 30,5 mil pessoas - o que corresponde a apenas 4% do total de indígenas atendidos pela Sesai. Com parte da estrutura de saúde do local apropriada por garimpeiros, em regiões isoladas e de difícil acesso, a realidade tende a ser mais grave do que os dados oficiais reconhecem.

Violência contra o patrimônio
O relatório divide a violência contra o patrimônio em três categorias: omissão e morosidade na regularização de terras, com 867 casos; conflitos relativos a direitos territoriais, com 158; e invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio, categoria que teve o sétimo aumento sucessivo no número de casos, alcançando 309 registros. Somados, são 1.334 casos em 2022.

Além disso, a maioria das 1.391 terras e demandas territoriais indígenas no Brasil (62%) possui alguma pendência administrativa. Dentre as 867 terras indígenas nesta situação, 588 não tiveram nenhuma providência do Estado para a demarcação, e ainda aguardam a constituição de Grupos Técnicos pela Funai. Para o Cimi, a postura omissa do governo Bolsonaro causou o "aprofundamento de conflitos".

Procurada, a assessoria do ex-presidente ainda não se manifestou. O espaço segue aberto a manifestações.

https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2023/07/26/sob-bolsonaro-um-ind…

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