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Sob as águas do Rio Corumbá

CB, Cidades, p. 27
27 de Fev de 2005

Sob as águas do Rio Corumbá
Construção de hidrelétrica já elevou o nível da água em 25 metros. Casarões centenários estão submersos e desmatamento na região é apressado para evitar a poluição do lago, que será cinco vezes maior que o Paranoá

Renato Alves
Da equipe do Correio

Terras de cinco municípios goianos começam a ser tomadas pela barragem da hidrelétrica de Corumbá 4. Desde que as comportas da usina foram fechadas, no fim de dezembro, o volume da água subiu 25 metros. A previsão é que o reservatório fique completamente cheio até o meio do ano, quando ocupará uma área cinco vezes maior do que o Lago Paranoá e com até 50 metros de profundidade. Pastos e casarões centenários já foram inundados. Até o fim desta semana, biólogos e veterinários começam o trabalho de resgate da fauna. Animais serão recolhidos em pequenas ilhas que se formaram e no topo de árvores submersas.
0 enchimento do lago é tão rápido que obrigou o consórcio responsável pela obra a contratar empresas especializadas para acelerar o desmatamento em toda área a ser alagada. Mas o número de máquinas e pessoal é insuficiente. Grande parte da madeira cortada bóia no reservatório. Homens passam o dia percorrendo o lago em lanchas e recolhendo as toras. As equipes envolvidas no trabalho estimam que 4 mil metros cúbicos de madeira picada estão sob a água. 0 trabalho, que envolve 15 pessoas e três barcos, começou há dez dias e deve levar pelo menos mais um mês e meio.
0 corte das árvores é uma exigência do Instituto Brasileiro de Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para liberação da licença ambiental da obra. As folhas das árvores podem poluir o lago. "A madeira que bóia na água é proveniente das árvores que morreram com a cheia do Rio Corumbá, nas fortes chuvas do ano passado", explica a geógrafa Laura Urrejola, gerente de meio ambiente da Corumbá Concessões, responsável pela obra.
Pelo acordo firmado com o lhama, madeiras de lei retiradas da área da barragem têm que ser cortadas e aproveitadas na fabricação de móveis ou construção de casas. Árvores menos nobres acabam virando carvão em fornos montados nas fazendas ao redor do lago de Corumbá 4. De Goiás, todo o carvão vai para Minas Gerais, onde alimenta os autofornos das siderúrgicas.
Além de lucro para as empresas, o desmatamento em função da construção de Corumbá 4 é uma oportunidade de moradores das cidades goianas e mineiras próximas ganharem dinheiro extra. Cerca de 500 pessoas trabalham no corte, queima, embalagem e transporte das madeiras cortadas. Eles ganham de acordo com a produção ou dia trabalhado.
Emprego novo
Muitos vieram de longe, como os irmãos Ezequias Justiano dos Anjos, 34 anos, Sílvio Justiano dos Anjos, 33, e o amigo Válter Ferreira dos Santos, 25. Os três são de Januária, norte de Minas Gerais. Foram contratados por causa da experiência com barcos. Trabalham em uma lancha na captura da madeira que bóia no reservatório da hidrelétrica. Cada um ganha R$ 33 por dia de trabalho. "É muito mais do que recebemos por qualquer serviço em Januária", ressalta Ezequias.

Casarão mudará de lugar
0 mesmo lago capaz de gerar energia elétrica e riqueza também apaga relíquias da história goiana e brasileira. Casarões centenários, que serviam de sede nas fazendas da região já foram destruídos antes da cheia do reservatório. As famílias ganharam indenização da Corumbá Concessões e foram reassentadas na região.
Mas pelo menos uma família ainda tem esperança de salvar o seu casarão. A sede da Fazenda São Bernardo, na área rural de Alexânia (GO) foi desmontada para ser reconstruída na comunidade de Olhos D'Agua, a menos de 80 quilômetros do local. A iniciativa partiu do arquiteto Wladimir Rosa, que está à frente do projeto de conservação do prédio com mais de 200 anos.
Até dez dias atrás, Wladimir não acreditava mais ser possível evitar a destruição do casarão. Ele foi informado na tarde do dia 16, por uma das empresas que prestam serviço à Corumbá, que podia contar com um caminhão, guindaste e operários para desmontar a sede da Fazenda São Bernardo e transportar todo o material para um lugar livre da inundação.
No dia seguinte, começou a corrida contra o tempo. Com a água do lago da usina subindo um centímetro por hora, Wladimir e os operários começaram a desmontar o casarão, com todo o cuidado para evitar a perda de tijolos e de madeira. A equipe terminou o trabalho na quinta-feira,com a água inundando a escada dos fundos.
Dinheiro
A sede da Fazenda São Bernardo será reconstruída em terreno do próprio Wladimir Rosa, em Olhos D'Agua. "A idéia é transformar o casarão em um museu ", explica. Para reconstruí-lo, ele recorrerá à iniciativa privada. O responsável pela obra, orçada em R$ 350 mil, será o carpinteiro Antônio Costa, 69 anos, morador de Olhos D'Agua. "Com uns oito homens e o dinheiro necessário, reconstruímos a casa em um ano e meio", calcula.
A Corumbá Concessões cedeu o casarão a Wladimir e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) aprovou a remoção. O arquiteto tentará convencer empresas a bancar o projeto por meio das leis de incentivo à cultura do governo federal, que oferece descontos em impostos a quem apóia esse tipo de iniciativa.
0 nome do museu será Casa de Ana Dutra, em homenagem a Ana Pereira Dutra, a última moradora da Fazenda São Bernardo. Conhecida como Dona Nega, ela morou no casarão até morrer, aos 82 anos, em 15 de janeiro e testemunhou parte importante da história de Goiás e do Brasil. Ela era a integrante mais velha da família Dutra, que ajudou a colonizar o interior goiano.
A sede da Fazenda São Bernardo, construída entre o final do século 18 e o início do século 19, foi centro do comércio da região. Ali, as pessoas compravam e vendiam o que era produzido nas fazendas goianas da época. A constatação veio após pesquisa da Universidade Federal de Goiás (UFG). Eles encontraram no casarão livros com capa dura que guardam a contabilidade da propriedade. Os documentos foram restaurados, copiados e devolvidos à família de Dona Nega. As cópias ficaram no Museu Antropológico da UFG, em Goiânia.

Reconstrução
Interessados na reconstrução da sede da fazenda São Bernardo, em Alexânia (GO), devem ligar para Wladimir Rosa: (62) 322-6268 e (61) 9904-7660.

CB, 27/02/2005, Cidades, p. 27

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