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'A situação é explosiva'

O Globo-Rio de Janeiro-RJ
06 de Mar de 2005

O antropólogo Fábio Mura trabalha com os índios guaranis-caiovás e
nhandevas de Mato Grosso do Sul desde 1991. Para ele, a morte de
crianças indígenas por desnutrição é parte de um grande problema: "A
situação na reserva de Dourados é gravíssima. Falta comida para
todos", diz ele em entrevista ao GLOBO. Leticia Helena

O que está acontecendo com as crianças na reserva de Dourados?

FÁBIO MURA: Para entender, é preciso ter uma perspectiva histórica.
A colonização branca começou com o fim da Guerra do Paraguai, quando
o governo concedeu uma área de 4,5 milhões de hectares para uma
empresa explorar erva-mate. Ainda assim, os índios continuavam
embrenhados na mata. Entre 1915 e 1928, o Serviço de Proteção ao
Índio (órgão anterior à Funai) criou oito reservas pequenas. Na
década de 60, porém, por causa da criação de gado, as florestas
começaram a ser desmatadas e, com isso, os índios que viviam nas
matas foram descobertos, caçados e transferidos para essas reservas.

Mas, mesmo nas reservas, a situação é complicada...

MURA: No processo de transferência, não foram usados critérios
étnicos de homogeneidade, misturando povos e famílias inimigos. O
SPI ainda criou a figura do capitão, um intermediário na relação dos
índios com o Estado. Este líder acaba sendo alguém da família mais
poderosa ou mais numerosa. É natural que ele defenda o interesse de
suas famílias e deixe o resto à míngua.

Em que isso estaria influenciando na mortandade de crianças indígenas?

MURA: A reserva de Dourados tem duas aldeias: Bororó e Jaguapiru. Na
primeira, o capitão é um nhandeva. Mas, na segunda, é um terena, um
inimigo histórico dos guaranis. Os terenas criaram uma elite, cedem
terras para plantio de soja e têm pequenos comércios. Lá, falta
comida para todos os guaranis.

O governo anunciou a distribuição de cestas básicas e acompanhamento
médico para as crianças. Isso resolve o problema?

MURA: Claro que não. Na reserva, há dez mil índios vivendo em 3.540
hectares, com um crescimento demográfico de 400 pessoas por ano. E
as terras da região já foram destruídas pela soja e pelo gado.
Seriam necessários cerca de 500 mil hectares para que eles pudessem
manter seu modo de cultivar a terra e ter uma qualidade de vida
melhor. As autoridades precisam se sentar com os líderes indígenas e
com as entidades que trabalham com os guaranis para buscar uma
solução comum. Caso contrário, a situação na região permanecerá
explosiva.

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