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Simples e relevante

O Globo, Opinião, p. 7
Autor: NASCIMENTO, Elimar Pinheiro; COLARES, Gisella
25 de Fev de 2011

Simples e relevante

Elimar Pinheiro do Nascimento e Gisella Colares

Os primeiros sinais de mudanças climáticas, com tormentos na costa e chuvas em excesso nas regiões Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, secas prolongadas e enchentes em várias partes do mundo, tornam urgente pôr em prática o conceito de sustentabilidade. A ideia de desenvolvimento, com conservação ambiental e manutenção da qualidade de vida, ganhou fama nos anos 1980/1990, graças, entre outros, à reunião das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, realizada no Rio de Janeiro em 1992. Mas o desenvolvimento sustentável tem sido, até hoje, quase duas décadas depois da Rio 92, pouco mais que uma obra de retórica nos organismos multilaterais, peça de publicidade no mundo empresarial e objeto de elucubrações acadêmicas.
Por isto há que se buscar caminhos para a sustentabilidade, já que, mantidas as atuais condições econômicas, deverão ingressar no mercado de consumo, nos próximos vinte anos, cerca de 120 milhões de pessoas/ano. Ou seja, cerca de 2 bilhões e meio de consumidores demandando bens, energia, habitação, transporte e serviços diversos. Debatem-se hoje em dia três vias a serem percorridas para mudar o padrão de produção e consumo em que vivemos e que ameaça, a longo prazo, a sobrevivência da espécie humana na terra.
A primeira é a da desmaterialização da produção - produzir mais e consumir melhor usando menos recursos naturais. Ela implica em um novo padrão de consumo, com redução pura e simples para alguns e aumento com mudanças importantes para outros; e um novo padrão técnico de produção, com maior eficiência ecológica, material de maior durabilidade e reciclagem.
Alguns exemplos simples: ingerir menos alimentos; consumir menos água, adotando o reúso; produzir mercadorias com ciclos de vida mais longos; disseminar a miniaturização onde é possível e, às vezes, melhor. A desmaterialização é viável e está assentada na inovação tecnológica, na reciclagem e reúso, assim como na confecção e uso de material mais durável e ecologicamente mais eficiente.
A segunda via é a descarbonização da economia, reduzindo a produção de dióxido de carbono, o gás que mais contribui para o aquecimento global. Para tanto é indispensável substituir progressivamente a energia proveniente de fontes fósseis (carvão e petróleo) por energia de fontes renováveis (hídrica, biocombustível, eólica e solar). É preciso, ainda, ampliar a eficiência energética, pois temos perdas consideráveis nas linhas de transmissão e distribuição.
Por exemplo, se o governo financiar a adoção de placa solar e similares nos domicílios e pequenas empresas, teremos o equivalente em energia a uma usina do tamanho de Tucuruí. Mas há muitas outras formas de economizar o uso de energia per capita: estimulando o consumo de produção local, incrementando o uso de transporte público e bicicletas, promovendo a redução do consumo de proteína animal, sobretudo bovina, e reduzindo o consumo de energia com eficiência energética na transmissão e distribuição e nos aparelhos eletrodomésticos.
A terceira, e última via, é a menos popular, ou de maior resistência. Trata- se da desmercantilização da economia, por meio do incremento da produção de bens em desfavor de mercadorias, do estímulo à autoprodução, tanto de bens quanto de serviços, e da troca não mercantil no interior de comunidades, inclusive com moeda própria. Enfim, incentivar as diversas formas de produção e consumo da economia solidária.
O transporte em bicicleta, por exemplo, impacta muito menos o PIB, mas melhora nossa saúde, não produz poluição e, em alguns casos, permite uma locomoção mais rápida. A produção caseira de hortaliça não impacta em nada o PIB, mas nos possibilita um alimento mais saudável, sem pesticidas e uma ocupação antiestressante, além do orgulho de oferecer aos amigos uma produção própria. Coisas simples, singelas, mas relevantes no cotidiano das pessoas.

ELIMAR PINHEIRO DO NASCIMENTO é sociólogo e diretor do Centro de
Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília.
GISELLA COLARES é economista.

O Globo, 25/02/2011, Opinião, p. 7

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