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A sexta grande onda de extinção

Carta Capital, p. 45
Autor: SILVA, José Maria Cardoso da
09 de Jun de 2004

A sexta grande onda de extinção
Há razões morais, científicas e econômicas para evitar o fim das espécies.

Por José Maria Cardoso da Silva

O Fenômeno da vida a principal característica que distingue a Terra de nossos vizinhos no Sistema Solar. Apesar de todos os esforços, as tentativas de encontrar vida em outros planetas têm sido um fracasso. Marte tem se mostrado um paraíso para geólogos, mas um deserto para biólogos. Ironicamente, ainda sabemos pouco sobre a vida existente em nosso próprio planeta. Estima-se que aqui existam entre 3,6 milhões e 111 milhões de espécies, mas conseguimos descrever e batizar somente 1,7 milhão.
A história da vida sobre a Terra é marcada por períodos de grande diversificação, seguidos por ondas de extinções. O estudo dos fósseis indica pelo menos cinco períodos de extinção em massa. O último ocorreu há cerca de 65 milhões de anos e atingiu em cheio os grandes dinossauros que então povoavam o nosso planeta. Seja por causa do choque de meteoros, seja pelas erupções vulcânicas, os cinco grandes ciclos de extinção foram sempre causados por fenômenos naturais. No fim da crise, a vida retornava com toda pujança. Então, a diversidade suplantava a adversidade.
A curta história do homem tem sido avassaladora. Por onde passamos, deixamos nossos rastros de destruição. Nunca antes uma espécie sozinha conseguiu influenciar negativamente tantas outras de uma só vez. Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza, os resultados de nossa ação são impressionantes. Hoje, cerca de 11% das espécies de aves, 2.5% dos mamíferos, 25% dos anfíbios, 20% dos répteis, 34% dos peixes e 12,5% das plantas estão ameaçados. Cientistas alertam para o fato de estarmos promovendo a sexta grande onda de extinção da Terra.
Evitar a extinção das espécies é um dos maiores desafios da humanidade neste século. Há razões morais para fazer isso, pois cada espécie merece a oportunidade de compartilhar o planeta com o homem. Há também razões estéticas, religiosas, culturais, científicas e econômicas. Usamos ainda uma ínfima parte da biodiversidade do planeta para promover o bem-estar da humanidade.

Nossos pesquisadores não se cansam de demonstrar o enorme potencial econômico existente em espécies que mal conhecemos. Serviços ecológicos prestados por sistemas funcionais de espécies, tais como a regulação do clima, a manutenção de bacias hidrográficas e a prevenção de desastres como incêndios e inundações, são de grande valor para todos.
No Brasil, a grande maioria das espécies ameaçadas está na Mata Atlântica, seguida pelo Cerrado, Caatinga e Amazônia. As causas das ameaças dessas espécies são bem conhecidas. Na maioria dos casos, seus hábitats foram perturbados ou devastados.
Na Mata Atlântica, por exemplo, só resta 7% da vegetação original. A floresta que sobrou está fragmentada em milhares de pequenos blocos isolados uns dos outros e distribuídos como ilhas em um mar de áreas usadas intensivamente pelo homem.
As espécies que vivem nesses fragmentos estão expostas à extração ilegal de madeira, à caça, aos incêndios e à invasão de espécies exóticas. Ao longo do tempo, se nada for feito, os fragmentos florestais perdem as espécies, tomando-se mais pobres e vulneráveis, até desaparecerem de vez.
A estratégia mais efetiva para evitar a extinção de espécies em ambientes muito fragmentados é a de criar extensos corredores de biodiversidade. A implementação de um corredor implica gestão integrada de uma área de forma a garantir a conservação da biodiversidade e o uso sustentável dos recursos. As grandes porções de floresta que sobraram são protegidas por reservas públicas ou privadas, em parques e reservas, e são conectadas entre si por uma rede de pequenos fragmentos e por trechos de florestas restauradas em lugares muito estratégicos, como os cursos dos rios e córregos.
Com isso, garante-se a manutenção de fontes de água doce para as populações rurais e urbanas. Nas áreas entre os fragmentos de floresta podem ser incentivados sistemas agroflorestais, nos quais a agricultura e a floresta convivem, gerando assim renda e emprego para as comunidades rurais.
O planejamento e a adoção de um corredor de biodiversidade requerem pesquisas científicas inovadoras, instrumentos econômicos adequados, ampla mobilização da sociedade e lideranças
comprometidas e visionárias. A experiência no Brasil mostra que os corredores de biodiversidade vieram para ficar e estão sendo lentamente incorporados às políticas públicas. O sucesso dessas iniciativas faz com que a esperança de evitar extinções no País deixe de ser um sonho de poucos para se tornar a realização de muitos.

José Maria Cardoso da Silva, Doutor em Zoologia pela Universidade de Copenhague e vice-presidente de ciência da Conservação Internacional

Carta Capital, 09/06/2004, p. 45

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