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Serviço em xeque

O Globo, Rio, p. 12
21 de Abr de 2016

Serviço em xeque
Em 5 anos, Cedae não conseguiu ampliar coleta de esgoto, que só chega a 38,87% dos clientes

GUILHERME RAMALHO
guilherme.ramalho@infoglobo.com.br

Uma das mais importantes companhias de saneamento do país e operadora de uma das maiores estações de tratamento de água do mundo - a do Guandu -, a Cedae, apesar do gigantismo, até hoje coleta esgoto de menos de 40% de seus consumidores (parte de uma população de cerca de 13 milhões de pessoas, que vivem em 64 dos 92 municípios do estado). Um levantamento feito pelo GLOBO, com base em relatórios de desempenho da empresa, revela que, em cinco anos, não houve avanço na oferta desse serviço. O índice de coleta de esgoto, que era de 38,9% em 2011, passou para 38,87% em 2015 - uma discreta queda, ocorrida devido à saída de parte da Zona Oeste, que teve o serviço privatizado, das contas da companhia. Outro indicador reforça a percepção de que a situação ainda está muito longe da ideal: o total da população atendida com a coleta é ainda muito baixo e teve um crescimento tímido, passando de 3,8 milhões de pessoas para 4,13 milhões no ano passado. O quadro é preocupante: só quatro em cada dez consumidores têm acesso ao serviço.
O avanço no fornecimento de água, embora muito mais bem resolvido, também foi pequeno no mesmo período: apenas 2,7%. De acordo com os dados divulgados pela Cedae no ano passado, 87% das residências contam com abastecimento, o que significa que não houve universalização do serviço.
Para especialistas, a regulação tardia e ainda ineficiente e questões administrativas estão por trás dos resultados operacionais ruins. A saída, segundo eles, passa pelo debate sobre parcerias público-privadas e pela concessão do serviço à iniciativa privada. A atual crise financeira enfrentada pelo estado pode agravar os problemas históricos da empresa.
- A maior tragédia social do Brasil é o saneamento básico. São muitos problemas. O desafio é gigante. A Cedae não tem, nem terá capacidade de investimento para fazer frente a esse desafio. O único caminho possível é o das parcerias públicoprivadas, atraindo investimentos do setor privado, oferecendo a necessária segurança jurídica, criando modelos de governança diferentes dos atuais. A Cedae deve abandonar a pretensão de ser a única ou a maior gestora dos serviços e inverter esse quadro, se preparando para ser a nossa agência reguladora. Quanto mais reguladora e menos operadora, mais forte ficará a Cedae - opina o economista e ambientalista Sérgio Besserman.
O engenheiro Paulo Carneiro, pesquisador do Laboratório de Hidrologia da Coppe/UFRJ, destaca, no entanto, que haverá regiões onde a iniciativa privada poderá não ter interesse em assumir os sistemas. Nesses casos, ele afirma que as prómais prias prefeituras poderão fazer a operação.
- Em cidades como Magé, Guapimirim, Paracambi, Japeri e Queimados, é comum o uso pela população de poços artesianos individuais e coletivos. São iniciativas não institucionais, e sabemos que são facilmente contamináveis. Existe uma insegurança hídrica muito grande, pela precaridade do sistema de abastecimento. Nesse caso, a captação, o tratamento e a distribuição poderiam ser municipalizados. Seria interessante destinar recursos para um sistema de abastecimento público, financiado por tarifas ajustadas à situação econômica das populações, que cubram os custos operacionais sem o compromisso de gerar lucros. Em áreas mais carentes, onde há população de baixa renda, dificilmente a iniciativa privada vai se interessar. Mas não dá para ignorar a situação e permitir que essas pessoas consumam água abaixo da qualidade. Dificilmente a Cedae conseguirá dar conta de atender a todos esses municípios da Região Metropolitana - observa Carneiro.
A Cedae, fundada em 1975, passou 40 anos sem ser fiscalizada por uma agência reguladora. Em agosto do ano passado, a Agência Reguladora de Energia e Saneamento Basico do Estado do Rio (Agenersa) passou a avaliar a empresa, conforme determina a Lei Federal de Saneamento (11.445/ 2007). Uma das principais atribuições da agência será auditar o cálculo da tarifa da água. O valor era, até então, reajustado por ato da presidência da Cedae, de acordo com as necessidades da empresa. Segundo dados do último levantamento do Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento (SNIS) - que leva em consideração outras empresas do ramo, além da Cedae -, o Estado do Rio tem a quarta maior tarifa média do país e a maior do Sudeste. O preço médio cobrado é de R$ 3,64 por metro cúbico. Em São Paulo, estado mais populoso da região, é de R$ 2,26.
REGULAÇÃO TEM DIFICULDADES Os descaminhos enfrentados pela maior companhia de saneamento do país levam o Rio a ocupar, entre as capitais do Sudeste, a mais modesta posição do último ranking do Instituto Trata Brasil, divulgado no mês passado. A ONG avalia a qualidade dos serviços nas cem cidades populosas do país. E o Rio amargou a 50ª posição. No próprio estado, ficou em quinto lugar, atrás de cidades como Niterói, Petrópolis, Campos e Volta Redonda, onde o saneamento é administrado por concessionárias privadas. Fontes do governo estadual, que defendem a concessão da empresa, afirmam que há um estudo para se chegar a um modelo para a Cedae em 2017. Mas a ideia não tem unanimidade dentro da administração estadual. O governador Luiz Fernando Pezão, que está licenciado, é um dos que não apoiam o projeto.
Para o professor Isaac Volschan, do Departamento de Recursos Hídricos e Meio Ambiente da Escola Politécnica da UFRJ, em meio à discussão sobre o papel da Cedae, também deve ser debatida a atuação da Agenersa:
- A regulação precisa atuar, seja a empresa pública ou privada. Não adianta imaginar que o setor privado prestará um melhor serviço se ninguém fizer a avaliação. É um grande gargalo que a gente tem. A estrutura da Agenersa ainda é extremamente limitada. Há estados que estão muito mais avançados. Hoje, o quadro é caótico, de esgoto vazando em diversos cantos, uma infraestrutura bastante sucateada, que leva a episódios de rompimento de adutoras e de falta d'água.
O economista Aloisio Araújo, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-RJ), também defende a privatização da Cedae:
- A empresa privada não tem a ineficiência das estaduais. Proponho algo semelhante ao que ocorreu com os bancos estaduais. O governo federal poderia renegociar as dívidas do estados, prevendo que eles privatizem suas empresas de saneamento, com metas e planos para um prazo de dez anos, por exemplo. Em troca, a União poderia ajudá-los com empréstimos do BNDES. Ao longo do tempo, as empresas teriam que aumentar sua cobertura - propõe.
Em nota, a Agenersa informou que, desde o início da fiscalização da Cedae, fez 52 autuações, sendo 13 oriundas de inquéritos civis do Ministério Público, e realizou cerca de 15 visitas técnicas. Segundo a agência, 29 servidores fiscalizam a empresa. Sobre multas, alegou que os parâmetros para aplicação de penalidades ainda estão sendo estabelecidos por consulta pública. Também ressaltou que o decreto que orienta sua atuação prevê prazo até fevereiro de 2017 para que a agência crie normas, procedimentos e padrões operacionais.
Já a Cedae disse que está executando o maior pacote de obras de infraestrutura do país, no valor de R$ 7 bilhões, para aumentar a oferta de água, a coleta e o tratamento de esgoto no estado. Entre as melhorias, está a substituição de 600 km de redes antigas. Segundo a empresa, 37% do total já foram trocados e o restante será concluído até o final de 2017.

O Globo, 21/04/2016, Rio, p. 12

http://oglobo.globo.com/rio/coleta-de-esgoto-da-cedae-so-chega-389-dos-…

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