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Sertanista é candidato à ABL

Jornal do Brasil-Rio de Janeiro-RJ
Autor: Antonio Ximenes
10 de Dez de 2001

Orlando Villas Boas quer ver a cultura indígena reconhecida

''Um dos meus sonhos é que um índio ocupe uma cadeira da Academia Brasileira de Letras. Seria uma reparação histórica a quem sempre foi relegado ao último plano da cultura do Brasil. O que as pessoas têm de entender é que a literatura do nosso índio é oral. O que fizemos, eu e meus irmãos, ao longo de nossas vidas, foi aprender com eles, com essa sabedoria espetacular, tão pouco conhecida ainda hoje.'' Foi a partir desse pensamento que o sertanista Orlando Villas Boas decidiu se candidatar à cadeira do economista Roberto Campos. Para que a cultura indígena esteja representada na mais importante instituição literária do país.
Aos 88 anos, 12 livros publicados (todos sobre os índios), mais de 260 malárias e décadas de inestimáveis serviços prestados às civilizações indígenas, Orlando Villas Boas está inquieto e ativo. ''O índio é um ilustre esquecido em sua própria terra. Falta uma política indigenista ao país e não dá para ficar de braços cruzados vendo o que algumas ONGs estão fazendo'', ataca.

O sertanista propõe que o Ministério da Justiça, com as principais universidades públicas e privadas, crie um conselho multicultural para analisar as atividades das organizações não-governamentais que atuam nas áreas indígenas. Ele sustenta que essa seria uma forma de evitar que a sabedoria da medicina e farmácia indígena, especialmente a dos pajés, vá parar nas mãos de pesquisadores estrangeiros que se aproveitam da boa vontade dos índios, e depois passam aos laboratórios multinacionais, a peso de ouro, conhecimentos que dão origem a remédios e vacinas. ''O triste é ver que os índios ficam chupando dedo, sem nenhum retorno que possa melhorar a qualidade de vida nas aldeias.''

Amazônia - Orlando tem acompanhado o que a comunidade internacional, especialmente os países da União Européia e os Estados Unidos, têm propagado e planejado a respeito da internacionalização da Amazônia. ''A história se repete. Nos anos 40, quando eu e meus irmãos participamos da expedição Roncador/Xingu, estávamos no auge da Segunda Guerra Mundial e os europeus já falavam que as populações excedentes da Europa poderiam ocupar as terras do Brasil Central, porque era uma área vazia. Foi o suficiente para que o presidente Getúlio Vargas ordenasse a ocupação da região. Foi o que fizemos. Mas a grande lição de grandeza ainda estava para ser dada. Ainda não sabíamos que os índios mudariam a nossa maneira de pensar e agir, o que conseguiram com exemplos de humanidade e respeito à natureza.''

Na avaliação do sertanista, as potências estrangeiras estão de olho nas riquezas do país. ''As florestas, rios e muito da sabedoria dos índios dos países desenvolvidos estão comprometidos e em alguns casos foram exterminados. Eles agora querem ocupar a Amazônia, como justificativa do equilíbrio ambiental do planeta. Não podemos permitir isso'', desabafa.

Orlando Villas Boas entende que tem de haver uma nova ocupação das áreas inóspitas da Amazônia e do interior do país. E que o papel das universidades e do Ministério da Justiça é fundamental. ''Precisamos de antropólogos, médicos, dentistas, farmacêuticos, cientistas, arqueólogos, enfim, o saber disponível atuando nessas regiões. O Estado, por meio das Forças Armadas, tem de guarnecer as reservas indígenas para que elas não sejam invadidas por garimpeiros, falsos pesquisadores e estrangeiros interessados em subtrair as riquezas do país. Mas a principal tarefa será a de ocupação inteligente via universidades, com apoio do Estado e da iniciativa privada responsável.''

Políticos - Cansado e nos últimos anos sofrendo de uma falta de ar crônica, Orlando Villas Boas se mantém lúcido e com forças suficientes para cobrar dos candidatos a candidatos à Presidência da República em 2002 compromissos com os índios. ''Os políticos falam de tudo, menos dos índios. É como se eles não existissem. Enquanto isso os rios vão morrendo, as florestas estão sendo cortadas, a cultura ancestral cai no esquecimento e os ensinamentos dos pajés estão sendo roubados por laboratórios internacionais.''

O velho indigenista aproveita para mandar um recado ao presidente da República, Fernando Henrique Cardoso: o de que ele ouça mais a primeira-dama Ruth Cardoso. ''Ela, como antropóloga, pode ajudá-lo muito. Quem sabe assim, o índio sai da condição de esquecido para a de senhor da terra que ocupamos como brasileiros.''

Memória - Lutando contra um cansaço que lhe tira as forças para datilografar na velha máquina de escrever, o sertanista vai aos poucos redigindo a autobiografia. ''Há momentos em que me sinto muito cansado, mas algo me diz para continuar e não desistir nunca. Então, o que posso fazer se não dar o melhor de mim para deixar escritas as nossas experiências (minhas e de meus irmãos) de mais de 40 anos com os índios.''

O livro está pela metade e tem previsão de publicação no segundo semestre de 2002.

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