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Seminário propõe regulamentar exploração mineral realizada por povos indígenas

Coiab-Manaus-AM
23 de Jul de 2003

Aprofundar na discussão de medidas que respaldem legalmente a exploração mineral realizada pelos próprios povos indígenas em suas terras, visando atender as suas necessidades de sustentabilidade, foi um dos principais acordos a que chegaram os participantes do Seminário Uso de Recursos Naturais em Terras Indígenas, realizado, nos dias 21 e 22 de julho, na cidade de Manaus, estado do Amazonas.

O evento foi promovido pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), com o apoio do Ministério de Minas e Energia (MME), Ministério da Justiça (MJ), Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas de América Latina e Caribe (Fundo Indígena) e Fundação Estadual de Política Indigenista do Amazonas (Fepi).

Participaram, além de líderes de organizações e associações indígenas do Alto e Baixo Rio Negro, Alto Madeira e Baixo Amazonas, que compõem a base política da Coiab, representantes das instituições organizadoras e dos seguintes órgãos e entidades: Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), Serviço Geológico do Brasil (CPRM), Fundação Nacional do Índio (Funai), Polícia Federal (PF), Petrobrás, Instituto de Proteção Ambiental da Amazonas (Ipaam) Associação Profissional dos Geólogos do Amazonas (Aprogam) e Instituto Socioambiental (Isa).

O Seminário foi considerado pelos organizadores e lideranças indígenas um acontecimento histórico, sendo que é a primeira vez que órgãos governamentais se encontram formalmente com representantes dos povos indígenas para discutir de frente um assunto caracterizado como complexo e delicado, sobre o qual juridicamente há entendimentos diferenciados, inclusive no interior do Governo Federal.

Existem posições que aderem a proposta dos povos indígenas, como a do Instituto Socioambiental, que defende a regulamentação ou criação de uma legislação específica que garanta a exploração mineral feita pelos próprios índios em terras indígenas, e sustenta a vigência do Artigo 44 da Lei 6001/73, o qual poderia ser regulamentado para o efeito. Outras posições defendem que "não existe nada no direito que atente contra as necessidades" e que só bastaria que "o DNPM, a Funai, e o Ibama sentem e façam uma portaria" para legalizar a exploração mineral feita pelos índios, a fim de que não sejam mais considerados contraventores, ilegais ou contrabandistas. Algumas posições, se não se opõem ao menos colocam em dúvida a possibilidade dos índios exercerem essa atividade, pois se é verdade que cabe aos índios "o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas suas terras", por outro lado, não lhes é permitido "dispor sobre suas terras e recursos naturais", isto é, "podem usar e gozar, fazer o querem, desde que não comercializem". Posição contestada pelos índios.

Outras mais, ainda manifestam certa desconfiança a respeito da capacidade dos índios de assumirem a exploração mineral, mesmo artesanal, e querem que não sejam só os povos indígenas os beneficiados mas também "a nação e a população da sociedade envolvente".

Para os povos indígenas, porém, a regulamentação ou a aprovação de uma lei que respalde as atividades de exploração mineral feita pelos índios, é uma questão de vontade política do Governo Federal e do empenho dos órgãos governamentais envolvidos (ministérios e autarquias).

As lideranças dizem já estar cansadas de expor os motivos pelos que exigem essa decisão política: há 15 anos que a Constituição garantiu direitos específicos aos povos indígenas e o texto constitucional até hoje não foi regulamentado. O Estatuto dos Povos Indígenas tramita há mais de 12 anos sem ser aprovado pelo Congresso Nacional. Os povos indígenas e a exploração mineral feita por eles sempre foram tratados de forma marginal nos órgãos responsáveis pela mineração. Entretanto, as condições de sustentabilidade das comunidades indígenas são em geral precárias: em algumas áreas a caça e a pesca são cada vez mais escassos, conseqüentemente o consumo de produtos industrializados aumenta, a necessidade de vestir e enviar os filhos para estudar inclusive fora da aldeia tem custos, os artesanatos geralmente feitos pelas mulheres não tem mercado ou recebem preços muito baixos e alguns programas governamentais de assistência como a bolsa-escola ou o "fome zero", não resolvem as carências, pelo contrário, podem aumentar a dependência. "Se temos terras e recursos naturais porque temos que depender desses programas", argumenta o líder Argemiro Teles, do povo Arapaço, que quer que o governo apóie melhor com Programas de Desenvolvimento Sustentável.

Os índios presentes ao Seminário "Uso de recursos naturais em Terras Indígenas", querem somente amparo legal e apoio técnico para o manejo dos recursos naturais existentes nas suas terras e a exploração mineral feita por eles mesmos, visando apenas o sustento de suas comunidades. Por isso propõem que a discussão seja aprofundada em outros seminários, um deles de caráter Macro-regional, "para a consolidação de uma Proposta de Mineração em Terras Indígenas, levando em conta a diversidade étnica e cultural dos povos indígenas".

Essas e outras reivindicações fazem parte da Carta-proposta apresentada pelas lideranças indígenas no final do Seminário. Leia, no final, o Documento na íntegra.

Os próximos passos

O Seminário "Uso de recursos naturais em Terras Indígenas", após analisar e debater sobre experiências de exploração de recursos naturais em terras indígenas, instrumentos de legislação mineral em terras indígenas, aspectos de levantamento e pesquisas geológicas em áreas indígenas, estudo de casos e pareceres técnicos e jurídicos, encerrou com a identificação de propostas comuns e a definição de uma agenda de seguimento das discussões que permitam a formulação de uma proposta de regulamentação que atenda as necessidades dos povos indígenas interessados em exercer a exploração de recursos minerais em suas terras.

Nesse sentido, abraçando em princípio as propostas dos indígenas, os representantes do governo acordaram implementar, entre outras, as seguintes propostas:

estabelecer como prioridade o PL que regulamenta o artigo 231 da Constituição Federal; conseqüentemente articular alianças para a aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas;
fazer uma reunião entre os Ministérios de Minas e Energias e Ministério da Justiça, exclusivamente sobre a questão jurídica, para tentar unificar posições;
fazer um encontro dos órgãos de governo para definir propostas de emenda ou outro Projeto de Lei, se for o caso;
definir o que é minerar e garimpar, e valorizar o conhecimento científico-geológico, equilibrado, básico, detalhado, de uma região, antes de qualquer atividade de mineração ou garimpagem;
tendo em vista que a comunidade indígena é associativa, avançar para a criação de cooperativas para os povos indígenas;
realizar zoneamento econômico-ecológico das áreas, para orientar os povos indígenas no manejo dos seus recursos naturais existentes nas suas terras;
realizar dois Seminários regionais, em até 60 dias, um em Boa Vista e outro em Porto Velho, e realizar em até 90 dias um Seminário Macro-regional, para somar todas as propostas, para serem entregues ao Governo Federal.
Articular junto a governos e entidades e realizar viagens de conhecimento de experiências em outros países como Bolívia e Equador, onde os povos indígenas desenvolvem Projetos de aproveitamento dos recursos naturais e minerais existentes em suas terras.
As instituições envolvidas na realização do Seminário "Uso de recursos naturais em Terras Indígenas" garantem manter a parceria iniciada no atual Seminário e cumprir o prazo estabelecido para o desenvolvimento das atividades e metas previstas.

Carta-Proposta

SEMINÁRIO SOBRE O USO DE RECURSOS NATURAIS EM TERRAS INDÍGENAS

CARTA-PROPOSTA DAS LIDERANÇAS INDÍGENAS

Nós, lideranças de comunidades e associações indígenas do Amazonas, dos povos Arapaço, Baniwa, Munduruku, Piratapuia, Saterê Mawé, Tariano, Tukano e Yanomami, participantes do Seminário sobre o uso de recursos naturais em terras indígenas, depois de ter a oportunidade de partilhar as nossas experiências, dificuldades e expectativas na área do aproveitamento dos recursos naturais e minerais existentes nas nossas terras, em função do Desenvolvimento Sustentável das nossas comunidades e gerações futuras, e após analisar as explicações de técnicos, advogados e especialistas dos Ministérios das Minas e Energia (MME), da Justiça e autarquias.

Considerando que os povos indígenas sempre viveram de forma autônoma, providos dos bens que a mãe natureza lhes oferecia para o sustento diário de seus filhos, sem ter que depender de terceiros e de políticas que sendo assistencialistas e paternalistas geram somente dependência e as vezes mais empobrecimento;

Considerando que a globalização é um fenômeno mundial que atinge até os povos mais distantes, gerando neles necessidades que precisam ser preenchidas dignamente como vestimenta, atendimento de saúde, educação escolar indígena diferenciada, entre outras;

Considerando que os povos indígenas sempre trabalharam para si, fundamentalmente para o sustento de suas famílias e filhos, sem ambições de acumulação e lucro, e hoje querem condições políticas, técnicas e jurídicas que os ampare para que possam aproveitar as riquezas naturais e minerais de suas terras, em benefício de suas comunidades, garantindo com tudo, a proteção e preservação do meio ambiente;

Considerando que a legislação vigente ou em tramitação no Congresso Nacional sobre a exploração especialmente dos recursos minerais em terras indígenas atende apenas os interesses do Estado e de empreendimentos particulares;

Considerando, que é necessária e urgente regulamentar a exploração de recursos minerais em terras indígenas pelos próprios povos indígenas, visando atender seus interesses e necessidades de sustentabilidade;

Considerando, finalmente, que é de fundamental importância garantir a participação dos povos e comunidades indígenas na discussão e definição de quaisquer medidas políticas, administrativas e jurídicas que lhes diz respeito, nos termos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que estabelece a consulta prévia e informada como necessária ao se tratar de políticas públicas de desenvolvimento para os povos indígenas;

Propomos:

Primeiro - Que o governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva aprove, urgentemente o Estatuto dos Povos Indígenas, inviabilizando a tramitação e aprovação de quaisquer outros projetos de lei que confrontam os direitos indígenas, como o PL 1610/96 de autoria do Senador Romero Jucá, sobre a exploração mineral em terras indígenas;

Segundo - Que o governo regulamente e assegure a exploração dos recursos minerais pelos próprios povos indígenas e apóie na implementação de outros projetos para sua sustentabilidade;

Terceiro - Que o DNPM e CPRM disponibilizem dados de pesquisas minerários em Terras Indígenas, para os povos e organizações indígenas;

Quarto - Que o DNPM e CPRM disponibilizem técnicos para a capacitação dos povos e organizações indígenas, no que diz respeito ao valor de cada recurso mineral;

Quinto - Que o governo, através do Ministério de Minas e Energia (MME) estude a possibilidade de criar um Projeto Piloto Demonstrativo em Terra Indígena de exploração de recursos minerais, administrado pelos povos indígenas;

Sexto - Que o governo disponibilize técnicos para estudos de impacto ambiental e informar os riscos, benefícios e impactos sociais e culturais que poderão afetar as comunidades indígenas com atividades de exploração mineral em suas terras;

Sétimo - Que o MME e o Ministério da Justiça (MJ) assegurem recursos financeiros para a realização de Seminários em outros Estados com o objetivo de aprofundar a discussão e depois realizar um Seminário Macro-regional para a consolidação de uma Proposta de Mineração em Terras Indígenas, levando em conta a diversidade étnica e cultural dos povos indígenas.

Oitavo - Que o governo crie mecanismos de participação dos povos indígenas nas instâncias de decisão sobre pesquisa mineral;

Nono - Que a boa vontade e disposição do governo em ouvir os povos indígenas, envolvendo-os na construção democrática da nação, e sobretudo, na definição de seu destino, se traduza a curto prazo em políticas públicas que resolvam de uma vez por todas a dívida social que secularmente o Estado e a sociedade brasileira tem para com os povos indígenas.

Manaus, 22 de julho de 2003.

Adão Oliveira / Tariano - COIDI

José Maria de Lima / Piratapuia - FOIRN

Agnaldo Cardoso Rodrigues / Munduruku - MEIAM

André Fernando / Baniwa - OIBI

Pedro Renato Figueiredo da Silva / Yanomami - AYRCA

Argemiro Teles / Arapaço - ACIBRN

Ismael P. Moreira / Tariano - YAKINÕ

Josué Tavares da Silva / Saterê Mawé - OPIAM

Maria Miquelina Machado Tukano / COIAB

Rosemeri Maria Vieira Teles / Arapaço - DM/COIAB

Bonifácio José / Baniwa - FEPI

Jorge Miles da Silva / Terena - FEPI

Amarildo Machado / Tukano - FEPI

Estevão Lemus Barreto / Tukano - FUNAI

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