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Sem proteção, Pantanal vê a soja como maior ameaça

Valor Econômico, Especial, p. A12
Autor: CHIARETTI, Daniela
10 de Mai de 2017

Sem proteção, Pantanal vê a soja como maior ameaça

Daniela Chiaretti

Sobre o deque, no pôr-do-sol, dois conservacionistas franceses e um sul-africano discutem como o turismo ecológico poderia se tornar real opção de desenvolvimento para a região. Estavam inspirados pelo safári de minutos antes, exuberante no avistamento de pássaros, bandos de capivaras e queixadas (para eles, bichos muito exóticos), uma aglomeração de mais de 30 jacarés e uma jaguatirica tranquilona. O lago adiante e o lodge atrás, a sofisticada Baiazinha, do Refúgio Ecológico Caiman, no Mato Grosso do Sul, poderiam ser cenário do Delta do Okavango, em Botsuana, um dos pontos globais mais cobiçados por amantes de natureza. Bastaria que à frente boiassem hipopótamos, o entorno fosse parque público e não área privada e, mais importante, o Pantanal estivesse devidamente protegido e não sob risco.
A recomendação da Constituição Federal, de que o Pantanal siga a trilha da Mata Atlântica e tenha legislação específica, nunca se concretizou. Na Câmara há uma proposta de lei do atual ministro do Meio Ambiente José Sarney Filho; no Senado, outra, do ministro da Agricultura Blairo Maggi. Há muitas dúvidas sobre se a proposta do Senado daria conta de proteger os 11 pantanais que existem dentro do Pantanal, se a cultura pantaneira seria preservada, se modelos econômicos sustentáveis seriam promovidos. O Código Florestal diz que áreas como o Pantanal devem ter uso restrito, e o Estado do Mato Grosso do Sul aprovou uma lei, em 2015, que permite interpretações muito permissivas de uso.
Não há proteção nesse caldo de leis. O meio ambiente do Pantanal precisa de segurança jurídica.
"A agricultura em escala comercial está se aproximando da planície pantaneira. E é a soja, e isso é aterrorizante. Podemos ter problemas sérios com diques, áreas secando, uso de herbicidas, contaminação da vida selvagem", comenta o empresário Roberto Klabin, há 30 anos atuando na região, dono da Caiman, fundador da SOS Mata Atlântica e, desde 2009, do Instituto SOS Pantanal.
No exemplo de Botsuana, o turismo ecológico tornou-se a segunda fonte do PIB, superando a pecuária e perdendo apenas para diamantes, diz Christopher Roche, o conservacionista sul-africano que também é diretor de marketing da Wilderness Safari, a maior empresa global deste tipo de turismo. São 250 mil turistas por ano em Botsuana, gastando entre US$ 1 mil e US$ 3 mil por dia no Okavango, um turismo para poucos e de pouco impacto ambiental. O setor emprega 35% dos adultos da região. Quando o governo de Botsuana percebeu o filão, desenvolveu uma marca, investiu na proteção da vida selvagem e começou a cobrar royalties dos donos dos hotéis e operadores turísticos. "Aqui é diferente da África, mas tem muito potencial. A onça é a mais carismática criatura e pode trazer turistas ao Pantanal, que já é um destino muito desejado", diz Roche.
Com ele concorda o francês Pierre-Cyril Renaud, professor associado da Universidade Angers e conhecedor dos embates brasileiros entre agricultura e ambiente. Ele está envolvido com dois projetos na região que pretendem estudar os sinais de perda de biodiversidade e desenvolver uma ferramenta que aproxime as demandas da produção e da preservação. "Temos que trabalhar no sistema como ele é e observar a dinâmica destes dois grupos", diz Renaud. "Um não pode se sobrepor ao outro".
"É discutir o capital natural", resume o agrônomo Felipe Dias, secretário-executivo da SOS Pantanal, instituto que está procurando abrir o debate promovendo um seminário internacional em Campo Grande, Cuiabá e Brasília para discutir experiências internacionais como a do Okavango e o marco legal que o Pantanal precisa. "Qualquer coisa que hoje em dia possa impor algum limite de práticas, independente se forem positivas ou negativas, gera uma ação brutal do agronegócio. A nossa dificuldade é a de tentar falar com pessoas que não querem nos ouvir. Em momento algum queremos propor que se congelem áreas, que se impeça o desenvolvimento. Não é isso que estamos advogando", diz Klabin. "Esta é uma região com potencial brutal de turismo. E é preciso que se entenda que propriedades que tenham equilíbrio entre conservação e produção vão valer muito mais do que propriedades que so tem visão de produção."
Dados divulgados pela SOS Pantanal indicam que 15,7% da planície do Pantanal já foi "antropizada".
Isso quer dizer que a paisagem natural foi convertida, principalmente, para pastos com capim exótico.
Isso representa 23.700 km2 ou 2 milhões de campos de futebol. Nas bordas do Pantanal, no planalto, áreas de cerrado e Amazônia já foram alteradas em 132.592 km2 ou assombrosos 13 milhões de campos de futebol - 61% da área. O que assusta é a tendência de alta na troca de pastos naturais por pastos Renaud: "Temos que trabalhar tanto com o setor produtivo e com o ambiental" exóticos e o que vem atrelado a esse movimento - erosão e concentração de sedimentos nos rios, alteração do regime hídrico do Pantanal, uso de agrotóxicos e mais impactos ambientais. Isso tudo em um lugar onde vivem, pelo menos, 3.500 espécies de plantas, 550 de aves, 124 de mamíferos, 80 de répteis, 60 de anfíbios e 260 espécies de peixes. O Pantanal é muito esquecido entre os biomas brasileiros", constata Klabin. "O Pantanal é como se fosse uma pia para onde todas as águas convergem", explica. "O que acontece no planalto, a borda, é fundamental para a sobrevida da planície. É ali que estão as nascentes que abastecem o Pantanal. Mas o planalto está extremamente comprometido, a agricultura e a pecuária são feitas sem preocupação de conservação de solos, há miniusinas que barram os rios, muita erosão", continua.
Um safári de poucas horas revela uma miríade de fauna em uma paisagem que há 200 anos se adaptou à pecuária. O biólogo Guilherme Raeder, chefe dos guias da Caiman, vai nomeando um pássaro atrás do outro, revelando seus hábitos, indicando cantos e gritos. Entre as experiências mais bonitas, o projeto Arara Azul conseguiu tirar a espécie das listas de animais ameaçados, combater o tráfico e estudar os hábitos destas aves.

Na fauna exuberante do refúgio, a onça desfila Majestosa

Daniela Chiaretti

São 17h30 e o biólogo Leonardo Sartorello avisa pelo rádio que uma onça pintada está na beira de uma estrada do Refúgio Ecológico Caiman comendo um peixe. O guia liga a superpicape adaptada para safáris, alcança o local e desliga o motor, mas o felino já se enfiou no mato. No silêncio do Pantanal, entre um grito e outro dos pássaros, escuta-se o estalar de ossos sendo triturados. A faixa de Cerrado é estreita, e a ideia é dar ré e tentar avistar o maior gato das Américas pelo outro lado. Só que o banhado à frente é traiçoeiro, e o carro atola. A sorte está com a onça.
O safári na picape aberta tem mais emoção nos 15 minutos seguintes. Outro carro está chegando para ajudar. Enquanto isso, a luz do dia cai rapidamente, os mosquitos castigam, e a lembrança de todos aqueles jacarés vistos no caminho indica que talvez não seja prudente colocar o pé na água. O pior é martelar a frase da camiseta da loja do Caiman - "Fui visto por uma onça no Pantanal".
Tudo se resolve rápido, e o carro volta à rota inicial. A guia Jessica Martins mira a lanterna no mato e - surpresa! - a onça está três metros a frente, pronta para atravessar a estradinha de chão batido. Encara o jipe com tédio e desfila, majestosa, pelo pasto. Os 11 passageiros do veículo emudecem. O bicho fica visível um minuto, talvez mais, e some na escuridão.
A onça era "Esperança", uma das 83 registradas na Caiman nos últimos cinco anos, desde que o projeto Onçafari foi instalado pelo ex-piloto de Fórmula Indy Mario Haberfeld, um apaixonado por natureza. O projeto de conservação espera promover o ecoturismo no Pantanal e garantir que onças sobrevivam livres "para dar a brasileiros e estrangeiros a chance de admirar um dos animais mais belos do mundo", diz o folder.
No Pantanal estima-se que existam mil onças-pintadas. São 10 mil na Amazônia, 200 na caatinga, 200 na Mata Atlântica e 250 no cerrado. A observação dos felinos da Caiman acontece através das imagens de 73 câmeras. Alguns animais têm colares com GPS, que facilitam o estudo de seus hábitos. Foi assim que se descobriu que os machos caminham 11 km por dia e cobrem toda a área. As fêmeas circulam por áreas menores, explica a bióloga Lilian Rampim, coordenadora do projeto. Vivem cerca de 14 anos na natureza.
Esperança deu sorte ao safári. Depois dela, e em apenas duas horas, foram vistos dois tamanduás, uma anta, duas jaguatiricas, um lobinho e uma caranguejeira.

A jornalista viajou a Miranda a convite do Instituto SOS Pantanal

Valor Econômico, 10/05/2017, Especial, p. A12

http://www.valor.com.br/brasil/4963236/sem-protecao-pantanal-ve-soja-co…

http://www.valor.com.br/brasil/4963238/na-fauna-exuberante-do-refugio-o…

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