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Sem medo da transposição

CB, Política, p. 6
17 de Mar de 2007

Sem medo da transposição

Leonel Rocha
Da equipe do Correio

Depois de passar boa parte do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva fazendo campanha contra o projeto de transposição do Rio São Francisco, o deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) mudou de opinião. Ao tomar posse, ontem, no Ministério da Integração Nacional, ganhou a responsabilidade de tocar a obra. "Conheci melhor o projeto e evoluí. Até as pedras mudam, já dizia Ruy Barbosa", justificou. E acrescentou: "O projeto não traz prejuízo a ninguém . Temos que esclarecer à população que a quantidade de água retirada do rio é menor que a parte a ser transferida para os projetos de irrigação já autorizados na Bahia".
Geddel tem como base eleitoral a região da Bahia cortada pelo rio ou sob influência do Velho Chico. No ministério, tentará explicar a vereadores, prefeitos e à bancada de deputados federais - a maioria contrária à transposição - que, agora, o projeto é bom. Como desculpa, o novo ministro ressaltou no pronunciamento de posse que, antes das obras de engenharia, o governo começou a tratar da revitalização das margens do rio. "A revitalização está chegando antes. Sei que não faltará aos baianos, pernambucanos, alagoanos, sergipanos e mineiros, que conhecem a opulência do São Francisco, generosidade aos que sofrem com a seca", discursou.
Para melhor explicar o projeto aos conterrâneos temerosos com a idéia da transposição, Geddel preferiu mudar a expressão. Agora está utilizando o termo "interligação" de bacias. Outro argumento encontrado pelo novo ministro foi a decisão já tomada pelo presidente Lula de levar água do rio para a região do semi-árido do Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte.
Ele não se comprometeu formalmente a tirar o projeto do papel. Preferiu dizer que, antes de estabelecer prazos para a execução das obras, vai conversar com governadores do Nordeste e programar debates sobre o assunto.
O novo ministro, considerado pelo presidente Lula "o exemplo mais forte da coalizão", foi escolhido como um dos principais representantes do PMDB no governo e vai pilotar um dos cinco mais poderosos ministérios da Esplanada. Vai administrar um orçamento de R$ 2 bilhões neste ano. Somente as obras de transposição do São Francisco consumirão cerca de R$ 800 milhões. A previsão do investimento total da "interligação de bacias" é de R$ 1,3 bilhão. Além disso, Geddel também vai administrar a construção da ferrovia Transnordestina, com investimentos previstos de R$ 4,5 bilhões até 2010.
Transnordestina
O peemedebista baiano assume um ministério poderoso, também responsável pelas superintendências de desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e da Amazônia(Sudam). Além disso, ainda ganhará na estrutura da pasta a Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), a ser formalizada. Na estrutura do ministério também está a Companhia de Desenvolvimento do Vale do Rio São Francisco (Codesvasf), encarregada de viabilizar a implantação hidrovia no Velho Chico. Geddel não informou se vai fazer mudanças nas principais assessorias da pasta até anteontem sob a responsabilidade do ministro interino, Pedro Brito.
A indicação de Geddel para o cargo teve como padrinho o governador da Bahia, Jaques Wagner (PT). O novo ministro foi um dos principais cabos-eleitorais do petista na vitória das eleições de outubro sobre o então governador Paulo Souto (PFL), ainda no primeiro turno, além de garantir uma grande diferença de votos pró-Lula no estado nos dois turnos da eleição presidencial. Com isso, o novo ministro passou a ser uma das estrelas nacionais do PMDB.
Geddel ficou com a pasta da Integração Nacional a pedido de Jaques Wagner, um dos mais próximos interlocutores de Lula. Segundo fontes do governo, esta foi a única exigência feita ao presidente por Wagner, que considerava a gestão Ciro Gomes, eleito deputado federal pelo PSB do Ceará, discriminatória para a Bahia. Um exemplo é o projeto da ferrovia Transnordestina, que não prevê interligação com os portos do litoral baiano.
Durante o discurso do novo ministro, o deputado Colbert Martins (PMDB-BA) interrompeu e se manifestou perguntando se a ferrovia não iria contemplar a Bahia. Geddel não respondeu. Mas o projeto original deve mesmo ser alterado para contemplar o estado. A pose do novo ministro foi concorrida. Estiveram presentes vários prefeitos do interior da Bahia, deputados, entre eles o presidente do PMDB, Michel Temer (SP), e o líder da bancada, Henrique Eduardo Alves (RN)

Da crítica à fidelidade

Perfil: Geddel Vieira Lima

Em pouco mais de um ano, o deputado Geddel Vieira Lima(PMDB-BA) passou de principal crítico do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a um dos seus mais poderosos auxiliares no ministério. Ontem no discurso de posse no cargo de ministro da Integração Nacional, o parlamentar chamou Lula de "comandante" e "líder". Em fevereiro de 2006, começo do último ano do primeiro mandato do petista, Geddel chegou a ser cruel com o presidente: "É bom o Lula parar de usar a máquina, porque ele não é bom nisso. Já perdeu um dedo", referindo-se ao acidente que decepou o dedo mínimo da mão esquerda do presidente, em sua época de torneiro-mecânico.
Então expoente do PMDB oposicionista, Geddel não dava trégua ao Palácio do Planalto. Em novembro de 2005, o parlamentar enviou requerimento ao Gabinete de Segurança Institucional pedindo informações sobre a procedência do filme Os 2 filhos de Francisco , assistido pelo presidente no vídeo do avião oficial, o Aerolula, antes de ser lançado no mercado. O deputado considerou, na época, "inadmissível" que a Presidência da República estivesse contribuindo para a "prática infame da pirataria".
Formando em administração de empresas pela UnB, com menos de 20 anos Geddel já era assessor parlamentar do pai, o então deputado federal Afrísio Vieira Lima, hoje aposentado. Depois, trabalhou como assessor da prefeitura de Salvador, diretor da empresa de assistência rural da Bahia, da companhia de saneamento do Estado e da corretora de valores do antigo Banco do Estado da Bahia (Baneb). Foi quando exercia esse cargo que Geddel rompeu com o então governador Antônio Carlos Magalhães. ACM o demitiu após denúncias de irregularidades na administração da empresa.
Daí em diante, passou a ser um dos principais adversários do carlismo. Ainda no primeiro mandato, em 1991, enfrentou ACM na CPI na NEC, que investigava denúncias contra Antonio Carlos. Um ano depois, o deputado passou a ser investigado pela CPI dos Anões do Orçamento. Chegou a ser convocado como suspeito de participação na roubalheira. Ao depor, chorou em público, negando envolvimento com a máfia. Escapou da cassação.
Há cinco anos,Geddel se envolveu em outra polêmica. Foi acusado novamente por ACM de ter comprado uma casa milionária no litoral norte de Salvador, sem ter renda suficiente para tanto. Seus adversários também o acusaram de ter adquirido, em tempo recorde, 12 fazendas de gado na região de Itapetinga, interior da Bahia. As propriedades foram mesmo compradas por Geddel em sociedade com familiares, mas ele garantiu, na ocasião, que tudo era regular e o dinheiro do pagamento tinha origem lícita. Na briga, Antônio Carlos chegou a produzir um vídeo onde mostrava os negócios de Geddel e o chamava de "agatunado". O deputado também comprou briga com o então presidente da República Itamar Franco, que o apelidou de "percevejo de gabinete".
No Congresso, Geddel foi um dos principais esteios do governo Fernando Henrique Cardoso e indicou o pai Afrísio presidente da Companhia Docas da Bahia (Codeba). No quinto mandato e hoje aliado aos novos amigos petistas, o agora ministro nomeou dois secretários de estado no governo Jaques Wagner e emplacou o vice-governador Edmundo Pereira. O peemedebista já tinha conseguido fechar um acordo para eleger o atual prefeito de Salvador, João Henrique. Em troca, indicou dois secretários municipais.
Amigos e adversários de Geddel o classificam como um político "pragmático e fiel".
Casado e com duas filhas, amanhã o novo ministro completa 48 anos. Ontem, na posse, se definiu: "Cresci e me tornei um político formado pelo Parlamento e sei que não há outro caminho senão a articulação política, pelo debate, pela criatividade para construir novos paradigmas". (LR)

CB, 17/03/2007, Política, p. 6

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