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Sem jogo de cena

CB, Brasil, p.12
28 de Dez de 2004

Sem jogo de cena
Hércules Barros
Da equipe do Correio
Entrevista – Marina Silva
Ela era seringueira quando começou a defender a preservação da Amazônia ao lado do ambientalista Chico Mendes, assassinado em 1988. Passados dezesseis anos da morte do companheiro de luta, a vida de Marina Silva deu uma grande reviravolta. Antes, os contraventores corriam atrás de mim e mataram meu grande amigo, Chico Mendes. Hoje eu corro atrás deles, colocando alguns na cadeia, diz a ministra do Meio Ambiente no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em vez de transformações radicais, a passagem de Marina pelo posto tem se caracterizado por decisões pragmáticas. E pela busca do equilíbrio. Eu não estaria sendo coerente com o que aprendi com Chico Mendes se tivesse vindo para cá para fazer pirotecnia, argumenta. É esse amadurecimento que a mantém no governo até agora, apesar dos avanços e recuos nas discussões sobre produtos transgênicos e desenvolvimento sustentável.
Acompanhada de assessores,Marina falou com exclusividade ao Correio Braziliense sobre transgênicos, combate ao desmatamento e outros assuntos polêmicos para a pasta do Meio Ambiente. Para algumas respostas, recorreu ao presidente em exercício do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Luiz Fernando Krieger Merico, e ao subsecretário de Planejamento, Orçamento e Administração do ministério, Gerson Galvão, que estavam entre os presentes no encontro.
Além da vocação para a causa ambiental,Marina se mostra habituada à tripla jornada de mulher, mãe e profissional, desde os duros tempos do seringal — ela sobreviveu a cinco malárias, três hepatites e uma leishmaniose. Hoje se divide entre os afazeres de casa com o marido e os quatro filhos e toma decisões políticas sem medo de contrariar setores influentes.

Correio Braziliense — Fazendo um paralelo da Marina seringueira e da Marina ministra, a senhora está desapontada com a trajetória?
Marina Silva — Mudou uma coisa.
Antes, os contraventores corriam atrás de mim e mataram meu grande amigo, Chico Mendes. Hoje eu corro atrás deles, colocando alguns na cadeia.
Correio — A senhora se sente pressionada em relação às expectativas criadas para sua gestão como ministra?
Marina — Eu sempre brinco que todo mundo defende o meio ambiente, desde que seja no ambiente dos outros. Então, é fácil para os que moram no Sul e Sudeste defenderem o meio ambiente da Amazônia. E nós, da Amazônia, dizermos que não se pode despejar resíduos no rio Tietê. Agora, quando se diz que defender o meio ambiente é não invadir a terra dos índios para retirar madeira, ou não derrubar floresta para fazer agricultura sem base sustentável, aí as pessoas começam a sair fora do consenso em relação ao meio ambiente. Eu não estaria sendo coerente com o que aprendi com Chico Mendes se tivesse vindo para cá para fazer pirotecnia.
Correio — O Senado aprovou a regularização do plantio e comercialização de soja transgênica. A agricultura venceu a questão?
Marina — Foi aprovado o instrumento provisório para a safra que está em curso. A grande discussão que nós temos é do marco legal para o país em relação aos organismos geneticamente modificados. Esse debate vai continuar em 2005. O presidente Lula deu uma resposta à safra e isso foi resolvido por medida provisória (MP). Ao mesmo tempo sabe-se do déficit em relação à legislação que salvaguarda os interesses da pesquisa, dos consumidores e produtores. Não acho que um setor ganhe em detrimento de outros. Continuarei trabalhando por medidas estruturantes e definitivas.
Correio — Qual seria o caminho em relação aos transgênicos?
Marina — É não continuar operando por MP. É preciso um marco legal, aprovado no Congresso. Termos criado, dentro do Ibama, uma estrutura de licenciamento para os organismos geneticamente modificados, algo que não existia até o início da nossa gestão, é um processo estruturante. Há oito anos discute-se a questão sem que haja sequer uma estrutura para fazer licenciamento.
Correio — Então a senhora não se sente derrotada em relação aos transgênicos?
Marina — Acho que seria muito simplista para um gestor ficar colocando os fatos em termos de derrotas e vitórias. Temos que considerar as conquistas que o país acumulou em relação à legislação ambiental e trabalhar para que elas não venham a retroceder. Nesse aspecto, tenho certeza de que, em dois anos, colhemos frutos produtivos em vários aspectos.
Correio — É comum atribuir à legislação ambiental o atraso na liberação de empreendimentos. Os licenciamentos ambientais são um entrave?
Marina — A legislação ambiental brasileira é uma conquista da sociedade. O Brasil é uma potência em recursos naturais. Não podemos sacrificar os recursos de milhares de anos pelo lucro de apenas alguns anos. A média de licenças ambientais dos governos anteriores aos nossos era de 150 por ano para a agenda de petróleo, gás, estrada, hidrelétrica e outros setores. No primeiro ano, nós conseguimos dar 145 licenças. Estamos fechando 2004 com 218.
Correio — Se tem essa eficiência,por que há reclamações?
Marina — Criou-se um verdadeiro fantasma da expectativa do não-ambiental. As licenças que você fala foram herdadas de 2002. Quando nós chegamos havia 45 usinas com problemas ambientais. A hidrelétrica de Corumbá IV é um desses casos. Não era razoável dar uma licença para que, durante onze meses, a água fosse represada, sem tratamento de esgoto, e abastecesse o Entorno de Brasília. Não se diz por que a licença está sendo discutida.
Correio — Com relação à biopirataria,falta uma previsão legal específica nas leis criminais ambientais?
Marina — Sou autora da primeira iniciativa no país sobre acesso aos recursos genéticos e biológico no Brasil. A lei tramita no Congresso há 12 anos. O que existe hoje é uma medida provisória feita no governo anterior. Uma MP só pode estabelecer sanções administrativas. Não estabelece sanção penal. Quando se tem uma lei sem dentes, a tendência é não ter a eficácia do combate à contravenção. O combate à biopirataria não é fácil. É impossível colocar um policial federal, um fiscal do Ibama ao lado de cada árvore, fungo, bactéria, inseto que podem ser, de forma inadequada, utilizados.
Correio — E as outras regiões?
Marina — Estamos iniciando pelo lado mais complexo que é ter um programa de agricultura sustentável para a Amazônia. A bacia do São Francisco tem um grave problema por causa do esgoto das cidades ao longo do rio. O programa de revitalização contará, em 2005, com R$ 100 milhões para as ações no que concerne à criação de unidade de conservação e recuperação de nascentes. Outras atividades típicas do Meio Ambiente terão o aporte de recursos na ordem de R$ 400 milhões para a despoluição dos rios que contaminam o São Francisco.
Correio — O que é mais preocupante hoje na preservação das comunidades das florestas?
Marina — Primeiro, as comunidades tradicionais, particularmente os índios, são aliadas incontestáveis na preservação do meio ambiente, dos recursos naturais e dos serviços ambientais. Essas comunidades já prestam serviço ao Estado quando cuidam dessas áreas e fazem as denúncias. Faz 16 anos que Chico Mendes foi assassinado. Na época nem se falava em desenvolvimento sustentável da Amazônia.
Correio — O Ibama vai ser fracionado com a criação do Serviço de Floresta Brasileiro?
Marina — Do ponto de vista da direção do Meio Ambiente, o Ibama é uma autarquia vinculada ao ministério. A orientação é que sejamos capazes de dar uma resposta à exploração irregular de madeira.
Correio —O que não se conseguiu fazer em 2004 em termos da execução orçamentária?
Marina — Comparativamente ao que nós estamos projetando para 2005, temos um incremento real de quase 50% em relação a 2003. Em 2004, o orçamento foi disponibilizado integralmente. O único contigenciamento foram as emendas parlamentares, o que significa 15%.
Correio — Então vai haver recursos para todos os planos no ano que vem?
Marina — É claro que um país com mais de oito milhões de quilômetros quadrados, 11% da água doce do planeta, 22% das espécies vivas do mundo vai sempre precisar de recursos para gerenciar esses ativos ambientais tão relevantes, mas nós estamos avançando na nossa agenda.

CB, 28/12/2004, p. 12

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