VOLTAR

Sem dinheiro, a Funai agoniza

CB, Brasil, p.18
02 de Mai de 2004

Sem dinheiro, a Funai agoniza
SANDRO LIMA
DA EQUIPE DO CORREIO
Criada há 36 anos para defender e assegurar aos índios melhores condições de vida, a Fundação Nacional do índio (Funai) não tem conseguido cumprir seu papel. Uma série de confrontos da tribo cinta-larga contra fazendeiros e garimpeiros, em Rondônia, pôs a Funai em foco e expôs a fragilidade da instituição. Há um mês, 29 garimpeiros foram mortos por índios dentro da reserva Roosevelt, no estado. Desestruturada e com escassos recursos financeiros e humanos, a fundação não consegue atender às demandas das 225 etnias reunidas em cerca de 3 mil aldeias espalhadas por praticamente todo o país. Até representantes de organizações não-governamentais (ONGs) criticam a instituição.
Internamente, dirigentes da Funai atribuem parte das dificuldades ao orçamento enxuto, R$ 93 milhões, e ao baixo número de funcionários - apenas 2.483 para cuidar de índios de todo o país. A instituição chegou a ter cerca de 5.600 funcionários, porém não houve concurso público para recompor a perda de quadros, o que reduziu a capacidade operacional. "Faltam elementos básicos, como antropólogos para demarcar terras indígenas, por exemplo , diz Márcio Santilli, ex-presidente da Funai e diretor da ONG Instituto Socioambiental (ISA).
"Faz muitos anos que a Funai está em situação de defasagem e não consegue responder às demandas indígenas. A resposta aos atuais conflitos envolvendo os povos é ineficiente. O órgão tem que ser reformulado", reclama Saulo Feitosa, vice-presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e permanente crítica da Funai.
O COFRE
Orçamento da Funai - CR$ 93 milhões
Orçamento dos outros órgãos para políticas indígenas
Fundação Nacional da Saúde (Funasa) - R$ 164 milhões
Ministério da Educação - R$ 20 milhões
Ministério da Educaão - R$ 20 Milhões
Ministério do Desenvolvimento Agrário - R$ 480 mil
Ministério do Meio Ambiente - R$ 20,5 milhões
Total: R$ 208,4 Milhões
Desmonte
Atualmente, apenas 30% da política indigenista do país está a cargo do órgão. Nos últimos anos, ocorreu uma progressiva descentralização e as atribuições da fundação foram remanejadas para cinco outros setores do governo federal. 0 resultado é que a política indigenista hoje não é mais exclusividade da Funai. A educação dos índios está no Ministério da Educação. E os serviços de saúde estão a cargo da Fundação Nacional da Saúde (Funasa). Juntos, os orçamentos desses dois órgãos para a população indígena somam R$ 184 milhões, o dobro do orçamento da Funai.
E não pára por aí. 0 desenvolvimento etnoecológico, que trata das questões relativas às diferenças existentes entre os povos e as tradições ligadas ao uso e preservação da terra, ficou com o Ministério do Meio Ambiente. E a defesa dos direitos constitucionais dos índios é partilhada com o Ministério Público.
A promoção da cultura indígena foi delegada ao Ministério da Cultura, e a assistência técnica e extensão rural indígena transferidas para o Ministério do Desenvolvimento Agrário. A homologação de reservas também depende do apoio do Ministério da justiça.
A divisão de tarefas é tão grande que extrapola o governo – muitos povos indígenas também são assistidos por igrejas católicas e evangélicas, além de organizações não-governamentais.
Profundo conhecedor da estrutura e pesquisador constante da cultura indígena, o sertanista Apoena Meireles resume, em duas sentenças, o dilema da fundação da qual foi presidente. "Todos os ministérios têm dinheiro para programas relacionados à questão indígena'' destaca.' A Funai é quem fica com o mínimo dos re cursos. Não há, por exemplo, helicópteros para monitorar as aldeias. Assim fica difícil impedir invasões às reservas indígenas."
Falta diálogo
A pulverização das ações de apoio aos índios também é criticada pelo Cimi, "A descentralização poderia ter sido boa, mas não foi. Da forma como foi feita não surtiu efeito. Os ministérios
não se comunicam. Os gastos não têm resultado pois um ministério não sabe o que o outro faz", observa Saulo Feitosa.
Márcio Santilli lembra que o lado positivo da descentralização é que os índios não ficam reféns de um único orçamento. Mas ressalta que não houve integração no novo modelo. "É um problema. Para os índios, ainda é mais fácil e simples bater na porta da Funai."
Fundada em 1967, a Funai veio substituir o Serviço de Proteção ao índio (SPI), criado em 1910 e extinto em decorrência de uma série de denúncias de corrupção. Em pouco mais de 36 anos, a Funai já teve 30 presidentes, quase um por ano. Somente no governo Luiz Inácio Lula da Silva, foram dois.
Diamantes, o X da questão
A direção da Fundação Nacional do índio (Funai) foi alertada em setembro do ano passado sobre problemas na terra dos cinta-larga, em Rondônia, onde 29 garimpeiros foram mortos no início de abril. 0 principal gerador da tensão no local foi a liberação do garimpo na região pelo superintendente da fundação no estado, Walter Blós. Um documento enviado por servidores do órgão à direção da Funai na época questionava a autorização informal dada para o garimpo na reserva. Blós teria permitido a mineração ilegal na região e o uso da pista de pouso da reserva para o comércio de diamantes.
A acusação, antes feita por garimpeiros e pelo governador do estado, Ivo Cassol, agora é ouvida dentro da própria Funai. Funcionários da fundação denunciam que a função da pista de pouso da reserva, construída para agilizar o socorro e a assistência médica aos cinta-larga, teria sido desvirtuada por Blós para o comércio de diamantes.
A ironia é que ele é o gestor de um grupo de trabalho que gastou cerca de R$ 3 milhões para impedir o garimpo na reserva indígena Roosevelt.
0 alerta dos funcionários no ano passado não surtiu efeito. No início de abril, ocorreu um conflito armado entre índios cinta-larga e garimpeiros que queriam explorar diamantes dentro da reserva. Até o momento, a Polícia Federal encontrou 29 corpos dentro da reserva, mas segundo Gilton Muniz, representante do Sindicato dos Garimpeiros de Rondônia, restam outros 35 a serem encontrados. A Funai contesta a versão dos funcionários e informa que desconhece a entrada do documento contra Blós no protocolo do órgão. (SL)
Presidente de fundação rebate críticas
Há oito meses na presidência da Fundação Nacional do índio (Funai), o antropólogo Mércio Pereira Gomes está no olho do furacão. Nos últimos meses estouraram conflitos indígenas em todo o país. O mais grave deles resultou no massacre de 29 garimpeiros em Rondônia. A disputa que envolve a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, é outra dor de cabeça.
Pressionado a encontrar uma solução para os problemas dos índios, Mércio argumenta que a Funai faz o possível, dentro das limitações estruturais e financeiras que prejudicam sua atuação. Em entrevista ao Correio, ele relata os principais problemas da Funai e aponta possíveis soluções.
CORREIO BRAZILIENSE - Com o atual orçamento e quadro de funcionários da Funai, é possível atender às reivindicações dos índios?
MÉRCIO PEREIRA GOMES - Não. Já pedi um crédito suplementar de R$ 60 milhões. E, também, que no próximo ano seja consolidado o repasse total de R$ 155 milhões para a Funai. Quanto aos funcionários, pedi abertura de concurso público para mais 500 servidores. Com mais mil, daria para funcionar melhor.
CORREIO - O senhor é a favor da descentralização da política Indígena?
MÉRCIO - Como antropólogo, sou contra. A questão indígena tem uma dinâmica própria e a Funai é o melhor órgão para lidar com isso. Porém, houve dois pontos positivos: aumento do orçamento e ampliação do sentido de cidadania indígena, pois o atendimento ao índio não é mais exclusividade de um órgão.
O ponto negativo é que há muita dispersão e os índios preferem um trabalho centralizado.
CORREIO - Falta coordenação entre o trabalho dos ministérios?
MÉRCIO - Sim. Mas isso vai mudar. 0 Ministério do Planejamento vai propor uma nova mecânica para coordenar as ações entre os ministérios.
CORREIO -A Funai foi prejudicada com a descentralização?
MÉRCIO - Se a Funai ganhasse metade do orçamento da Funasa, dava conta do recado.
CORREIO -Como a Fumai vai resolver a questão da tutela?
MÉRCIO - Há índios contra e a favor. Penso em fazer um plebiscito entre os índios para saber se querem ser tutelados.
CORREIO -A Funal tem sido acusada de omissão nos conflitos indígenas?
MÉRCIO - É leviano acusar a Funai de omissão. Só para o problema dos cinta-larga, a Funai criou um grupo de trabalho e disponibilizou cerca de R$ 3 milhões para impedir o garimpo. A Funai sempre esteve presente e retirou mais de quatro mil garimpeiros, mas ainda ficaram alguns.
CORREIO - Funcionários da Funai acusam Walter filós de ser conivente com o garimpo e liberar a pista para o comércio de diamantes em Roraima?
MÉRCIO- Isso é conversa requentada. A Funai já respondeu isso. Não tem nenhuma evidência. A Polícia Federal já investigou o Walter. Deixem o Walter em paz. (SL)

CB, 02/05/2004, 18

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.