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Sem agua, migracao

O Globo, Opiniao, p.7
Autor: GOMES, Ciro
13 de Set de 2004

Sem água,migração
Ciro Gomes
Estudos científicos indicam que, em curto prazo, o semi-árido do Nordeste, onde vivem perto de 9 milhões de irmãos brasileiros, começará a enfrentar um estresse hídrico cuja tendência é de agravamento ao longo deste século. Ou seja, faltará água para a sustentabilidade da vida humana ali. Os mesmos estudos revelam que esse estresse será muito mais acentuado nos estados do Nordeste Setentrional, mais especificamente em Pernambuco, na Paraíba, no Rio Grande do Norte e no Ceará, cujos sertões carecem de uma oferta permanente de água. Diante desta perspectiva, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva - um nordestino que conhece na pele as danosas conseqüências sociais, econômicas e ambientais da seca - instruiu o vice-presidente da República, José Alencar, a retomar a idéia secular de integrar a bacia do Rio São Francisco às bacias do Nordeste Setentrional e, mais ainda, determinou aos ministérios do Meio Ambiente e da Integração Nacional a elaboração de um plano de desenvolvimento sustentável para o semi-árido.
Durante cinco meses, o vice-presidente, ele mesmo, promoveu, no ano passado, reuniões em Minas Gerais e em todos os estados do Nordeste e participou, pessoalmente, de debates no Senado e na Câmara dos Deputados, recolhendo opiniões e subsídios que contribuíram para adequar o empreendimento às condições hidrológicas do rio. Em sua nova concepção operacional, o Projeto de Integração da Bacia do São Francisco às Bacias do Nordeste Setentrional pretende levar 1 % de sua vazão média para as bacias dos rios Jaguaribe (CE), Apodi (RN), Piranhas-Açu (PB-RN), Paraíba (PB) e Moxotó e Brigida (PE). Em resumo: dos 2.700 metros cúbicos por segundo que o São Francisco despeja em média no mar, apenas 26 metros cúbicos por segundo serão transferidos para o abastecimento humano na área mais seca do Nordeste.
O projeto, constituído de dois canais artificiais, permitirá que, nos anos hidrológicos favoráveis, os excedentes de água da Barragem de Sobradinho sejam transferidos para os açudes dos rios intermitentes do Nordeste Setentrional, viabilizando o seu uso múltiplo.
A Agência Nacional de Águas (ANA), responsável pela outorga do uso da água, estabeleceu uma nova regra operacional para a Barragem de Sobradinho, que prevê a transferência de excedentes em cerca de 40% do tempo.
Os dois canais do empreendimento captarão água depois da Barragem de Sobradinho, cujas comportas mantêm vazões mínimas substancialmente maiores do que rio acima do reservatório. Fica claro, pois, que o projeto não desviará o rio de seu leito normal, como muitos erroneamente imaginam, mas só repetirá as captações de água que se fazem nos inúmeros projetos de irrigação existentes na sua bacia.
Embora não cause prejuízos ao rio e aos seus usuários, o projeto tem o grande mérito de mobilizar o poder público para a revitalização hidroambiental do São Francisco, o que depende da União Federal e também dos estados que compartilham a história, a beleza natural e o seu rico ecossistema. Nos últimos cem anos, o rio sofreu impactos de ações localizadas em seu leito (barragens) e do desmatamento de sua bacia. Revitalizá-lo exigirá tempo, mobilização da sociedade e empenho dos três níveis de governo para 1) controlar o desmatamento das matas remanescentes, 2) recuperar as matas ciliares, 3) tratar os esgotos sanitárias, 4) garantir condições de sobrevivência às populações ribeirinhas, especialmente às comunidades de pescadores artesanais, e 5) melhorar as condições de navegabilidade do seu médio curso.
Como prova de que a revitalização do São Francisco é prioridade do governo Lula, os ministérios da Integração Nacional e do Meio Ambiente estão aplicando, neste ano, com esse objetivo, R$ 26 milhões. No Orçamento de 2005, esses recursos serão quadruplicados para R$ 100 milhões. No ano seguinte, as dotações serão mais ampliadas. Caberá ao Comitê da Bacia do São Francisco a definição das prioridades na aplicação dos recursos destinados ao programa de revitalização.
Tendo de atender a todos os nordestinos, garantindo-lhes melhor distribuição da água no semi-árido, e de prevenir para o estresse hídrico previsto, o governo decidiu executar o projeto de revitalização da bacia do São Francisco e o de sua integração às bacias das áreas mais habitadas do Nordeste, cuja população, se não tiver alternativa para viver dignamente, migrará.
Ciro Gomes é ministro da Integração Nacional.

O Globo, 13/09/2004, p. 7

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