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Seguindo o rastro da Raposa Serra do Sol

O eco - http://www.oeco.com.br/reportagens/37-reportagens/21319-seguindo-o-rastro-da-raposa-serra-do-sol
Autor: Aldem Bourscheit
26 de Mar de 2009

A decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF), pela demarcação contínua do 1,7 milhão de hectares da terra indígena Raposa Serra do Sol, no norte de Roraima, agradou a entidades indigenistas, mas elas avaliam que o julgamento pode ter certos efeitos colaterais, como dificultar a demarcação de novas áreas ou a ampliação de outras diminutamente chanceladas, além de abrir espaço para grandes obras e impactos ambientais. De outro lado, a balança parece ter pendido para o lado das unidades de conservação em sobreposições e disputas judiciais com terras indígenas ou quilombolas.

Promotor de Justiça em Guajará-Mirim (Rondônia), Pedro Abi-Eçab completou seu mestrado na Universidade de São Paulo justamente avaliando juridicamente a presença de indígenas em parques nacionais e outras unidades de conservação. Para ele, a decisão do Supremo foi uma espécie de divisor de águas, reposicionando aspectos humanos e conservacionistas e sinalizando que unidades de conservação terão novo status perante à Justiça. "Antes desse julgamento, qualquer decisão penderia para o lado das terras indígenas e quilombolas. Além disso, bem ou mal foi a melhor solução, pois garante a administração das unidades federais pelo Instituto Chico Mendes", comentou.

Para a coordenadora de regularização fundiária do ICMbio (Instituto Chico Mendes), Eliani Maciel, o julgamento do STF procurou associar direitos sociais e ambientais, preservando a competência do ICMBio na gestão das unidades de conservação, principalmente garantindo o acesso a essas áreas. Segundo ela, isso poderá influenciar futuras decisões, onde mesmo quando os limites de uma terra indígena englobarem parcialmente uma área protegida, essa seja mantida como tal. "Obviamente haverá situações em que não será possível compatibilizar ambas as áreas, especialmente quando envolver unidades de conservação de uso sustentável ou onde haja conflito de interesses com outras populações tradicionais", disse.

A presença indígena é registrada em parques nacionais como Monte Pascoal e Araguaia, além de estaduais como Intervales, Juréia e Serra do Mar, em São Paulo, e Nonoai, no Rio Grande do Sul.

No caso de Raposa Serra do Sol, a advogada Ana Paula Souto Maior, do Instituto Socioambiental, lembra que foi criado um grupo com ICMBio, Fundação Nacional do Índio (Funai) e indígenas que está costurando um plano de gestão para os pouco mais de 117 mil hectares do Parque Nacional Monte Roraima que estão superpostos àquela terra indígena. "Passos foram dados para que a gestão pública seja compartilhada. Onde isso não for possível, será visto como serão aplicadas as orientações do STF", comentou.

Pois, o governo tem um pepino com cerca de 9,5 milhões de hectares em sobreposições entre terras indígenas e unidades de conservação, em todo o país. Somadas, essas "coincidências" tem tamanho semelhante ao de Santa Catarina. Mais um milhão de hectares dentro de áreas protegidas são reivindicados por comunidades vistas como quilombolas. Muitas dessas áreas sequer foram demarcadas e/ou georreferenciadas, enquanto outras estão em discussão com a Funai e podem ter seus limites modificados. Há 170 processos envolvendo questões indígenas no STF, nem todos sobre demarcações.

Atrasando procedimentos

Assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cláudio Luiz Beirão comenta que a decisão do Supremo foi favorável, permitindo aqueles nativos de Roraima viverem em sua terra sem que a mesma fosse "retalhada". No entanto, a ele preocupam alguns pontos lavrados pelo STF (lembre abaixo), como o bloqueio à ampliação de áreas demarcadas e o peso dado à participação de estados e municípios na definição de terras indígenas. Essa última pelas mãos dos ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello. "Decretos demoram hoje de cinco a dez anos de tramitação, dependendo da pressão política. Com estados e municípios, teremos mais atraso", avaliou.

Segundo ele, muitas terras indígenas foram definidas antes da Constituição de 1988, durante a Ditadura, em áreas menores do que deveriam ser. No Mato Grosso do Sul e Região Sul os casos se multiplicam, inclusive com mistura de etnias. "Um exemplo gritante é o da terra Nhanderu Marangatu, dos Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Isso (decisão do STF) pode engessar a reivindicação por novas terras", disse.

Abi-Eçab, promotor em Rondônia, comentou que o engessamento aconteceria independentemente das condicionantes do STF, se dariam por questões econômicas, por exemplo. "Além disso, há uma proposta de emenda à Constituição propondo que terras indígenas dependam de aprovação do Congresso", lembrou.

Beirão, do Cimi, aponta que a permissão aberta pelo Supremo para instalação de "equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além de construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e de educação", sem consulta aos índios, fere regras da Organização Internacional do Trabalho. "Eles devem sempre ser ouvidos nesses casos", ressaltou

Já Ana Paula Souto Maior, do Instituto Socioambiental, analisa que o STF validou todas as demarcações de terras indígenas feitas com base em critérios da Constituição de 1988. "Todas feitas a partir de então são válidas, seguiram os procedimentos corretos", disse. "Mas o Supremo fez uma série de orientações para frente, abrindo espaço para demarcações em terras de fronteira, sem buracos no estilo queijo-suíço e com participação mais ativa de estados e municípios nesses processos", afirmou.

Ela afirma que a Constituição de 1988 definiu que as demarcações devem atender também ao crescimento populacional dos indígenas. "Hoje não se demarca uma terra com base na população atual de uma determinada etnia. Esses povos têm o direito de se organizar de maneira própria", disse.

Frente a todas essas possibilidades, resta saber o que a política brasileira fará com o futuro das unidades de conservação e das terras indígenas.

Procurada por O Eco, a Funai não se pronunciou até o fechamento desta reportagem.

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