VOLTAR

Segue o seco na Amazônia

O Globo, Ciência, p. 34
04 de Fev de 2011

Segue o seco na Amazônia
Maior estiagem dos últimos 100 anos fez floresta contribuir para aquecimento

Renato Grandelle

A estiagem do ano passado na Floresta Amazônica, a maior já observada em 100 anos, fez a região contrariar seu papel histórico: em vez de ajudar a absorver gases-estufa lançados na atmosfera, ela passou a emití-los, contribuindo para o aumento da temperatura global. O alerta é de um estudo conduzido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e pela Universidade de Leeds, da Inglaterra, cujo resultado foi publicado na "Science".
A quantidade de árvores mortas pela seca - assim como as que tiveram seu crescimento prejudicado devido à falta de chuvas - fará a floresta emitir, nos próximos anos, 5 bilhões de toneladas de CO2. Praticamente o mesmo que os EUA liberaram para a atmosfera em 2009 com a queima de combustíveis fósseis.
Aumenta risco de desertificação
A força da estiagem surpreendeu os ambientalistas. Em 2005, a Amazônia já havia passado por uma seca tão avassaladora que, à época, previu-se que outro evento semelhante só ocorreria em 100 anos. - Acabou demorando só cinco anos para que víssemos uma seca muito maior - ressalta Paulo Brando, pesquisador do Ipam. - Em 2005, 37% da área da floresta registrou chuvas abaixo da média. No ano passado, esse índice chegou a 57%.
O estudo de Brando limitou-se à floresta primária - uma área ainda livre de desmatamento, correspondente a 80% da Amazônia. Embora de difícil acesso, a região colecionava chagas da estiagem. O Rio Negro, um dos principais afluentes do Amazonas, baixou seu volume ao menor nível já registrado. Comunidades ribeirinhas ficaram isoladas, muitas sem alimento ou água potável.
E por que a seca foi tão intensa? De acordo com o climatologista Marcos Heil Costa, que não participou da pesquisa de Brando, ainda serão necessários muitos estudos para se chegar a essa resposta.
- Certamente o El Niño, que se manifestou no ano passado teve sua influência; houve, também, uma oscilação natural no Oceano Pacífico - lembra Costa, professor da Universidade Federal de Viçosa. - Mas estes fatores são apenas uma parte da resposta. Ainda há outros motivos que desconhecemos.
Uma previsão, no entanto, parece unir os climatologistas: nas próximas décadas, a Amazônia passará por um intenso processo de estiagem, especialmente em Mato Grosso e Pará. Estas bordas do bioma já passam por períodos de seca de até seis meses. Um singelo aumento nessa duração já seria o suficiente para inviabilizar a existência da floresta, que daria lugar a uma vegetação de savana.
- É possível que este fenômeno se acentue a partir de 2040, mas o desmatamento pode acelerá-lo - alerta Costa.
Sem a vegetação, haverá menos umidade disponível para a formação de nuvens. Outros fenômenos globais, como o El Niño e o aquecimento do Oceano Atlântico Norte, levariam as chuvas para longe da floresta.
A destruição do bioma teria consequências inimagináveis para o planeta. Basta lembrar que a Amazônia concentra 100 bilhões de toneladas de carbono. É o mesmo que o emitido pela Terra em dez anos.
- O padrão da floresta é acumular carbono, e não perdê-lo para a atmosfera - explica Brando. - Era o que acontecia até 2004. Em 2005, porém, essa tendência foi invertida, e no ano passado isso ocorreu de forma ainda mais violenta.
A boa notícia é que, daqui a dois anos, a Amazônia deve voltar a absorver gases-estufa, amenizando os efeitos do aquecimento global. As árvores mortas pela estiagem abrirão clareiras na floresta, permitindo à luz do sol chegar mais próximo do solo, na área conhecida como sub-bosques. Com isso, a vegetação dali crescerá rapidamente e substituirá as plantas que não resistiram à seca.
- A própria floresta se encarrega de corrigir o fluxo de carbono: o gás deve ser sugado, e não liberado - ressalta Costa. - A mortalidade das árvores será compensada até 2013.
Isso, claro, se não houver outra seca de grande magnitude.
Após a surpresa do ano passado, nenhum pesquisador voltará a dizer, como em 2005, que uma estiagem de grandes proporções só vai se repetir daqui a um século.
Mas outros eventos climáticos preocupam os cientistas. Cinco anos atrás, além da seca, a Amazônia esteve no caminho de uma linha de instabilidade tropical, como é chamado um aglomerado de tempestades em uma área que chega a mil quilômetros de extensão. Em dois dias, as precipitações - combinadas a ventos de até 140 km/h - fizeram a floresta perder até 663 milhões de árvores. A baixa fez o bioma deixar de capturar 23% do carbono mantido na região anualmente.
Em dezembro, a Amazônia ingressou em uma nova estação chuvosa. Tradicionalmente as precipitações pioram em março e abril.
Costa, portanto, teme que a região passe por um novo estrago histórico nas próximas semanas.
- Em 2005, a seca enfraqueceu as árvores e tornou-as mais vulneráveis às tempestades e aos ventos fortes. O mesmo pode voltar a acontecer agora - opina o climatologista. - Há sempre uma relação entre eventos extremos, mesmo tratando-se de estiagens e fortes chuvas.

O Globo, 04/02/2011, Ciência, p. 34

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.