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Secretário dos Povos Indígenas do Acre fala sobre a criação da secretaria estadual

Site da Funai
17 de Dez de 2003

Francisco Pinhanta é liderança indígena Ashaninka, povo que habita o noroeste do Acre e secretário extraordinário dos Povos Indígenas de seu Estado. Esteve em Brasília, na sexta-feira passada (05), quando a Funai completou 36 anos, para convidar o presidente da Funai, Mércio Gomes, para uma visita ao Acre.

Funai: Qual o motivo de sua visita à sede da Funai em Brasília?

Pinhanta: Minha vinda a Brasília é para fazer um convite ao presidente Mércio para uma visita ao Acre. Queremos mostrar um pouco do que a gente tem e que talvez possa ajudar a própria Funai a levar nossa experiência para outra região. Nós não queremos que a Funai vá ao Acre para resolver problema. Sabemos que não resolve. Nesse processo novo, a intenção é que o presidente vá numa agenda para discutirmos uma estratégia para região e que a Funai esteja presente no contexto da política local. Olhando de Brasília para o Acre, muitas vezes você pode não conseguir saber por onde começar uma política indigenista conseqüente. Muitas vezes, por exemplo, só se considera os problemas. Estamos querendo propor ao presidente da Funai trabalhar com o que há de bom para vencermos o ruim. Temos certeza e vontade de estar contribuindo nessa construção.

O que representou a criação da Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas do Acre?

A Secretaria Indígena está numa fase de criação e ainda representa a conclusão de uma idéia muito nova tanto para mim, primeiro secretário, como para o governo, os povos indígenas e as Ongs. Apesar de ser uma discussão muito antiga, com bastante clareza sobre o objetivo de criá-la, vejoque o primeiro passo da secretaria é procurar aproximar, estreitar mais a relação do Estado com a comunidades indígenas, fazer o Estado conhecer melhor os povos e também ser um instrumento para a comunidade conhecer melhor o Estado. Para que possam ser realizados projetos sem grandes impactos negativos para ambas as partes.

Como está hoje a organização da secretaria? Dá para comemorar?

Nesta segunda-feira (15) estamos mudando para o local onde vamos funcionar. No momento, tenho uma equipe de dez pessoas, que ainda está se definindo. Algumas talvez não permaneçam por não se adequar ao perfil, mas estamos formando e vamos buscar pessoas com afinidade com a causa e com o trabalho, índios ou não índios. A secretaria não foi criada para colocar indígenas, masestamos podendo melhorar o relacionamento com as comunidades. Por exemplo, antes era padronizado: o que era destinado para uma terra indígena com 30 pessoas, ia para outra com mais de 200 habitantes. Com a criação da secretaria, estamos corrigindo distorções. Temos resultados concretos nesse sentido de tentar preparar melhor o estado, tentar unificar os programas. Não que a Secretaria Indígena vá executar todas as ações, mas vai poder acompanhar todas elas discutir, pensar melhorar e medir a dimensão do investimento para cada uma comunidade, de acordo com sua necessidade e expectativa. Por eu ser uma liderança que veio de uma comunidade e conhecer a realidade indígena no meu estado, muitas vezes o que coloco nas reuniões é diferente do que aquilo que os técnicos pensam sobre comunidades indígenas. Estamos pegando as coisas boas, as ruins e tentando dar uma atenção diferente para os povos indígenas.Esta é novidade que temos para comemorar. Uma secretaria indígena com uma base nova.

Você tem contato com o presidente da Fundação Estadual dos Povos Indígenas do Amazonas (FEPI), Bonifácio José?

Tenho. Tivemos conversando e estamos vendo uma forma de fazer um intercâmbio. Na realidade, eles estão discutindo a possibilidade de criar uma secretaria. No Amazonas, os povos indígenas estão mais organizados e unidos para defender os direitos indígenas do que para executar ações conjuntas. Existem as ações para determinados povos, realizadas pelas organizações dos vales dos rios. A realidade do Amazonas é muito diferente do Acre por ser uma área muito grande. Então, os vales dos rios têm uma população de mais de 150 mil indígenas. Bonifácio me colocou muito essa preocupação.

Você já tem alguma ação feita em conjunto com o governo, que pudesse definir como atua a Secretaria?

Tem sim. Uma coisa boa foi o diálogo e trabalho conjunto com as outras secretarias do Estado, que já têm uma ação com as comunidades indígenas. Discutir os programas antes de serem colocados em prática. Antes de ir a campo, estamos sendo ouvidos. Isso foi muito bom. O governo está redefinindo o investimento na área indígena. Então, chegamos no momento em que vários projetos estão sendo concluídos e outros sendo preparados. O que fizemos? Como secretaria trabalhamos um pouco a forma como o governo deve chegar na comunidade indígena. Avançamos bastante, mas ainda foi pouco, mas foi muito bom. Temos hoje uma atuação de governo que ajudamos a construir ao longo da história, unindo índios, seringueiros e outros movimento sociais. Criamos um governo da frente de esquerda que está sendo mais compreendido por todos. Aos poucos estamos mostrando às comunidades que não é um governo simplesmente para resolver o seu problema, comprando isso ou aquilo que a comunidade precisa, mas é um instrumento a mais, uma ferramenta valiosa para as pessoas poderem fazer aquilo que você sempre sonharam.

O que mudou?

O Estado tem uma política abrangente. O atual governo procurou conhecer a realidade indígena, mas os técnicos, muitas vezes, têm uma visão diferente do que o governo pensa, do que o governador tem em mente. A equipe, as vezes, não está preparada para as mudanças. Muitas vezes você muda o Estado, mas a estrutura ainda é uma herança de outros governos. Mas nós avançamos bastante e o estado do Acre está bem na frente com a questão indígena. Agora as pessoas estão começando a entender a Secretaria dos Povos Indígenas. Nós temos um aliado muito forte que é o movimento indígena. A UNI-Acre está no processo de reconhecer e participar da mudança. Está discutindo junto com a secretaria indígena. Hoje nós temos a Funai, com um administrador indígena também, que é o Manuel Gomes. Temos bastante mudanças.

A atuação dos Ashaninka na defesa da fronteira brasileira, ameaçada pelos madeireiros peruanos, é uma das contribuições do povo indígena. O que você tem a comentar sobre isso?

As denúncias do povo Ashaninka para a Funai e para outros órgãos do governo já dão para montar um livro de tantas que são. Nós temos um projeto excelente para o povo indígena e para o Brasil que está ameaçado por essas invasões. Nós temos, hoje, conflitos não dentro do território brasileiro, mas bem próximo, no alto rio Juruá, onde há mortes entre os índios isolados e os Ashanika do outro lado (Peru). Isso apareceu na mídia recentemente, mas o conflito com a empresa madeireira não apareceu. Os índios isolados estavam em um ponto onde não ia ninguém e a empresa madeireira chegou no local com tratores, abrindo estradas, fortemente armados e matando todos os índios. Parecia coisa do passado. Fui até o local porque depois de expulsos da aldeia pelos madeireiros, os isolados passaram pela terra Ashaninka e mataram uma mulher e mais duas crianças. Os Ashaninka responderam matando alguns isolados. O que ocorreu foi que a revista Veja colocou uma matéria de um modo que jamais existiu, comparando os Ashaninka como se estivessem em outra esfera de vida. Comprometeram também o indigenista que está na região, o Meireles. Foi péssimo.

O que ocorre na verdade?

Nessa questão da madeira, além das empresas estarem mexendo diretamente com as comunidades, colocando em risco projetos de manejo de floresta, de caça, da floresta, enfim derrubando árvores dentro do nosso território, no Brasil, também ameaçando e colocando em risco esse grupo isolado, que segundo levantamento da Funai são cerca de três mil pessoas, de acordo com relatório do Meireles, indigenista da Funai que trabalha na área. Pude perceber que não só os Ashaninka como outros grupos que habitam aquela região, todos eles estavam com o mesmo pensamento de eliminar os isolados para não morrer. Numa visita à aldeia Apiwtxa, dos Ashaninka do lado brasileiro, da qual eu participei, junto com o presidente da Funai e parlamentares como a deputada Perpétua Almeida (PCdoB/AC), ficou acertado uma ação conjunta com o movimento indígena para um trabalho de conscientização da população - índia e não-índia, daquele entorno, com o objetivo de criar uma consciência e poder dar uma base para todos entenderem o que é um grupo isolado. Se não fizermos uma ação conjunta vai prevalecer a idéia de que os Ashaninka mataram os isolados, a Funai não fez nada para impedir, a madeira vai acabar, a floresta e os povos indígenas vão perder. As conseqüências desse problema nós já identificamos e sabemos que tem que haver uma ação conjunta. Agora o que mais me deixa confiante é saber que temos condição de superar esse problema.Como o conflito envolve dois países , o Brasil e o Peru, já está sendo tratado no Ministério das Relações Exteriores dos dois países.

Você está confiante de uma solução?

Essa certeza eu tenho porque nós, Ashaninka, tivemos uma área toda arrasada pelos madeireiros e, com a criação da Terra Indígena Kampa do Rio Amônia fizemos a recuperação do local, plantamos muitas espécies de plantas e árvores, recuperamos os peixes, os tracajás que estavam em extinção. Por meio de manejo recuperamos e colocamos áreas para descanso e reprodução de caça. Tudo deu certo, feito pela própria comunidade com apoio de vários parceiros, inclusive da Funai e do Estado. Hoje, a Terra Indígena Rio Amônia é o maior sistema agroflorestal em comunidade indígena. A merenda escolar nessa terra indígena passará a ser produzida pela própria comunidade, pois o sistema já está possibilitando isso.É um processo vitorioso. Até os inimigos do passado, estão sendo nossos aliados do presente. É uma vitória, com certeza. Nesse projeto não tem somente os Ashaninka defendendo o manejo. Agora temos o município todo de Taumaturgo querendo fazer em conjunto a defesa e a implementação para a colheita dos resultados benéficos para todos. É a soma dos parceiros para um plano de sustentabilidade econômica para todos. Eu fui escolhido para fazer parte da discussão. Olhando o município como uma aldeia, como uma terra indígena, poderemos olhar a floresta, os recursos que ela nos dá e trabalhar a sustentabilidade de todos, não de uma maneira como se ela só servisse para uma único fim e tivesse um preço no mercado. Estamos tentando mudar essa concepção ultrapassada de entendimento da floresta.

É o que o governador Jorge Viana batizou de Florestania?

Ele tem muito orgulho do Acre. Quando ele assumiu o governo ele disse: "É o governo da Floresta". Esse conceito novo ele criou e bateu muito forte.Tudo na floresta era para ser destruído e vendido. Agora não. Nesse segundo mandato do Jorge Viana, ele está de fato colocando na prática o conceito de Florestania.Então, ele soma com todos os povos que habitam a floresta. Pela primeira vez, três índios foram homenageados num ato governamental, reconhecidos e considerados como cidadãos acreanos.

Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas do Acre

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