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Seca poe Amazonas em calamidade publica

FSP, Cotidiano, p.C4
11 de Out de 2005

Governador pede que as Forças Armadas ajudem no envio de cestas básicas; faltam alimentos, água e combustível
Seca põe Amazonas em calamidade pública
Kátia Brasil
O governador Eduardo Braga (PMDB-AM) decretou ontem estado de calamidade pública em todo o Amazonas devido à seca nos rios da bacia amazônica, que atinge 36 dos 62 municípios. Faltam alimentos, combustível, energia e água.
A zona rural de Manaus, banhada pelo rio Negro, também está afetada. A Secretaria da Fazenda anunciou a liberação de R$ 10 milhões para gastos emergenciais.
"A vazante chega à bacia do meio [rio Amazonas] onde está a grande maioria da população, e o Estado está tomando as providências necessárias para que possamos agir", disse o governador.
Braga informou sobre a crise ao ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes. Segundo o governador, é necessário o apoio de aeronaves das Forças Armadas para enviar cestas básicas, e soldados para abrir poços artesianos nas comunidades sem água potável.
O decreto de calamidade pública permite que o governo estadual faça compras sem licitações para atender necessidades criadas por desastres de níveis três e quatro.
Segundo a Defesa Civil, desastre de nível três é de grande porte com prejuízos vultosos, mas suportáveis e superáveis pela comunidade. O de nível quatro é de muito grande porte e com muitos prejuízos à comunidade, que precisa de apoio de fora para superá-los. É o caso das populações -cerca de 50 mil pessoas- dos municípios de Caapiranga, Manaquiri, Atalaia do Norte e Anori.
Muitas das cidades ficam a mais de mil quilômetros de distância de Manaus. O governador Braga disse que era urgente a participação federal, no plano chamado de "SOS Interior", por causa da logística das Forças Armadas.
"É preciso que a Defesa Civil do governo federal possa ajudar essa ação das Forças Armadas no socorro das populações isoladas e transmitir ao ministro Ciro Gomes a real situação."
Fenômeno mundial
Com base em levantamentos das secretarias do Meio Ambiente e da Defesa Civil, o governador afirmou que o Estado é vítima de um fenômeno ambiental mundial, do qual também fazem parte furacões que atingiram os Estados Unidos e o recente terremoto no sul da Ásia.
O que é mais grave, segundo ele, é que não há previsão de chuva nas calhas dos rios Madeira, Solimões, Juruá, Purus e Javari.
"Estamos diante de uma seca no Amazonas que em meus 45 anos de vida nunca imaginei passar", afirmou Braga.
Ontem, a Defesa Civil informou que, além de Caapiranga, Anori (a 195 km oeste de Manaus) está totalmente isolada. Por telefone, o secretário da Administração de Anori, Jefferson Mendes de Andrade, disse que as 37 comunidades do município estão isoladas.
O lago de Anori, que dá o acesso ao rio Solimões, secou. Segundo Andrade, o lago tem 9.000 km2 e é o único acesso às comunidades.
Faltam remédios, alimentos e energia na cidade. Na zona rural, com 64% dos moradores, não há luz. "Estamos racionando a energia na cidade e só há água nas comunidades que têm poços artesianos", disse ele.
Em Caapiranga (222 km de Manaus), o secretário da Saúde, Antônio José Marques, disse que os casos de malária aumentaram depois que os servidores que espalham inseticida não puderam mais chegar às comunidades.
A gerente dos Correios Maria de Nazaré de Morais informou que, nesta semana, não haverá correspondência na cidade. "O barco que fazia o transporte está parado porque estamos isolados."
O pesquisador do Cptec/Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Especiais) Carlos Nobre disse ontem que, a longo prazo, secas tão intensas causam um aumento da mortalidade das árvores das regiões afetadas e tornam o ecossistema florestal amazônico mais vulnerável a incêndios florestais.
Nobre afirmou que já "é seguro dizer que o nível do rio Negro, reflexo das chuvas em toda porção ocidental da Amazônia, está tão baixo como em somente sete vezes em 103 anos." Ontem o nível do rio ficou em 15,78 m. A média na cheia é de 23 m.

Impacto na fauna da região pode durar até 2 anos
O gerente-executivo do Ibama no Amazonas, Henrique Pereira, afirmou ontem que o impacto da seca sobre a fauna aquática pode se prolongar por até dois anos.
A maioria das espécies de peixes adquire tamanho nos lagos. Com os lagos secos, os peixes não têm acesso aos rios, nos quais se reproduzem. "Os peixes estão morrendo nos lagos, isso causará impactos no recrutamento [crescimento] porque, sem adquirir tamanho, a pesca comercial estará afetada", afirmou Pereira.
Além dos peixes, o gerente do Ibama disse que os mamíferos aquáticos, como o peixe-boi e o boto, são as espécies mais vulneráveis.
Os animais se tornam presas fáceis para caçadores. "Os rios enfrentam uma seca extrema, fora do normal, deixando a população vitimizada, e os animais ameaçados mais vulneráveis", disse Henrique Pereira.
Segundo ele, uma pesquisa do órgão na região de Coari detectou a matança de cem peixes-bois durante a vazante.

Saiba mais
Fenômeno pode ter mesma origem que o Katrina
Salvador Nogueira
Cláudio Ângelo
Editor de Ciencia
A seca anormal na Amazônia pode ter em sua origem o mesmo fator responsável pelos furacões intensos que atingiram os Estados Unidos e o Caribe neste ano: as altas temperaturas do oceano Atlântico. A opinião é de climatologistas que estudam a região amazônica.
Na porção norte do Atlântico, as temperaturas em 2005 estão de 0,5C a 4C mais altas que a média, uma anomalia que ocorre apenas uma vez a cada 15 ou 20 anos. Mais calor na superfície do oceano significa mais evaporação -combustível para tempestades como Katrina e Rita- e mais correntes de ar ascendentes. Só que mais ar ascendente nessa região também significa mais ar descendente, o que impede a formação de nuvens sobre a Amazônia.
"Isso ainda é especulativo, mas é fisicamente consistente", disse o climatologista Carlos Nobre, do Inpe, que está estudando o fenômeno.
"É uma situação curiosa, porque normalmente a gente tende a atribuir essas coisa ao El Niño, ao La Niña, que são fenômenos que vêm do [oceano] Pacífico", diz Maria Assunção da Silva Dias, também do Inpe. "Agora o vilão provavelmente é o Atlântico."
O aquecimento anormal do oceano provoca vários efeitos na distribuição pluviométrica. O norte da América do Sul, por exemplo, apresentou mais chuvas do que normal, ao passo que a região mais central do continente, sobretudo na Amazônia, teve menos. "Já estávamos mesmo prevendo isso", diz Silva Dias. "Nossa previsão original, e que ainda está valendo, é que as chuvas devem se normalizar na segunda quinzena de outubro."
Mais difícil é estabelecer as causas do aquecimento do Atlântico. Há quem defenda que o grande culpado é a mudança climática, com o aquecimento global. Mas também tem força a idéia de que a anomalia tem relação com correntes oceânicas naturais, que se modificam ao longo de décadas.
Outro fator que pode reforçar o quadro são as queimadas. Partículas presentes na fumaça fazem com que, em vez de nuvens com gotas grandes e que caem depressa, se formam gotas pequenas demais para chover.

FSP, 11/10/2005, p. C4

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