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Se governo nao cumprir acordo, volto a Cabrobo

OESP, Nacional, p.A25
08 de Out de 2005

'Se governo não cumprir acordo, volto a Cabrobó'
Angela Lacerda Enviada especial CABROBÓ
O bispo da diocese de Barra (BA), frei Luís Flávio Cappio, de 59 anos, garantiu ontem, em Cabrobó (PE), que irá cobrar do presidente Luiz Inácio Lula da Silva o cumprimento do acordo que pôs fim à sua greve de fome. "Quero conversar a viva voz com o presidente", afirmou ele, que compreende que a suspensão do projeto de transposição está incluída no acordo. E avisou: "Se o governo não cumprir o acordo, volto para Cabrobó, e dessa vez com mais gente."
"Foi uma briga de foice, durante as 5 horas de negociação até se chegar a um consenso", contou. Por isso, o bispo se surpreendeu com a declaração do ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, logo depois de selado o acordo, de que não se havia falado em adiamento ou suspensão do atual projeto de transposição.
Para d. Luís, a preocupação do governo com a imagem e a repercussão do seu gesto foram os principais fatores da pressa na negociação. "O governo não iria assumir o ônus de carregar para o resto da história a pecha de ter sido responsável pela morte de um bispo."
D. Luís afirmou não temer sanções eclesiais: "Eu poderia até ser preso, mas quem está disposto a morrer, não tem receio de nada, está livre."
A seguir os principais tópicos da entrevista:
COBRANÇA DO ACORDO
"Vamos cobrar do presidente o cumprimento do acordo. Afinal de contas ele deu ao ministro o poder de decidir por ele. Foi o presidente que sancionou aquilo que desejamos."
NEGOCIAÇÃO
"Disse ao ministro: se nós não nos entendermos, eu continuo (a greve). O ministro deu uns 20 telefonemas para Brasília nas 5 horas de negociação, até chegarmos a um bom termo. Fomos o mais fiel possível ao que desejamos. A inflexibilidade não leva a lugar nenhum."
DESCONFIANÇA
"Não tenho motivos para me sentir enganado, porque até agora nada aconteceu. A grande conquista é que nada se fará enquanto essa grande negociação em nível nacional não acontecer. Chegou o momento das organizações, entidades, todos se organizarem, de se pronunciarem, contribuírem. A carta que o presidente escreveu dizia que suspendia o projeto para as devidas explicações e esclarecimentos sobre ele. Eu disse: isso eu não aceito porque de antemão o projeto permanece igual, não mexe em nada."
JUSTIÇA
"Existem ações na Justiça que impedem qualquer obra da transposição. Mesmo que eles (o governo) não respeitassem aquilo que foi ontem assinado, existe um mandado judicial que não permite que façam qualquer trabalho."
IMAGEM DO GOVERNO
"Seria desumano afirmar que não havia nenhuma preocupação comigo por parte do governo, mas, prioritariamente, a preocupação do governo era com sua imagem."
NÚNCIO
"O núncio apostólico (Lourenço Baldisseri, representante do papa no Brasil, que foi a Cabrobó) foi fraterno, amigo, irmão, me senti muito confortado e fortalecido. Ele tem profundo respeito pela negociação, tanto que não interferiu. Sua presença foi um fator que ajudou muito, mas não foi o fator-chave. O fator-chave foi a negociação."
DESAPROVAÇÃO DA IGREJA
"Disse ao núncio que se eu não adotasse uma postura extrema, se eu não usasse de uma certa radicalidade, não chegaríamos a lugar nenhum. A pressa na negociação não foi porque o governo estava com dó de mim. Ele estava preocupado com a repercussão nacional, internacional, com toda a pressão sobre eles. Sempre ensinei que os meios não justificam os fins, mas às vezes um grito desesperado faz acordar quem está dormindo."
PIZZA
"Vai depender agora da sociedade. Se o pessoal agora não fizer o que precisa fazer, o que precisa ser feito, vai cair tudo no esquecimento. O momento é esse. Minha parte, fiz. Eu tenho esperança. Uma iniciativa que contou com a bênção de Deus não vai acabar assim, em pizza."

Após tomar água de coco, o alívio: 'É néctar dos deuses'
CANJA: Após 11 dias de greve de fome, d. Luís Flávio Cappio quebrou o jejum às 8h15 de ontem, com água de coco. "Um néctar dos deuses", desabafou. Às 11 horas, tomou caldo de legumes e suco de melancia. A primeira "refeição" foi servida ao meio-dia, uma canja. Sem o hábito, d. Luís degustou a sopa ao lado da irmã mais velha e madrinha, Rita Cappio, e dos donos de um sítio ao lado da Capela São Sebastião, onde o religioso ficou durante a greve de fome. Anteontem, depois de fechar o acordo com o governo, o bispo participou de missa na Igreja Nossa Senhora Imaculada, em Cabrobó. Pediu desculpas pelo transtorno e foi atendido no hospital local, onde recebeu dois frascos de soro.

Marcada por conflitos, cidade festeja fim da greve de fome
A população de Cabrobó está satisfeita com o acordo que encerrou a greve de fome do bispo Luís Flávio Cappio. A 600 quilômetros do Recife, a cidade convive com o estigma de fatos negativos que marcaram a sua história: brigas entre famílias com grande saldo de mortos, criminalidade, área de plantio de maconha. O resultado da negociação agradou à maioria - que defende a transposição do Rio São Francisco - e à minoria que é contra o projeto.
Os favoráveis à obra, como o prefeito Eudes Caldas (PTB), acreditam que a revitalização do rio foi fortalecida, especialmente com o prometido empenho para aprovar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que prevê R$ 6 bilhões em 20 anos para a revitalização, mas confiam que o projeto não será suspenso. "Haverá mais debate, mas acredito que a transposição será uma realidade", afirmou ele.
Os opositores aguardam as discussões que possam mudar o rumo do projeto e têm a esperança de que o governo priorize a revitalização. "Se não cuidar do rio, ele vai morrer", diz a agricultora Maria Gorete Silva.

OESP, 08/10/2005, p. A25

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