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Saterés têm nova realidade: a fome

A Crítica-Manaus-AM
Autor: Wilsa Freire
29 de Dez de 2002

A terceira reportagem da série "O mapa da fome no Amazonas" traz a realidade dos índios sateré-maué do rio Andirá, em Barreirinha (a 328 quilômetros de Manaus), onde a escassez na pesca e na caça se aliam à aculturação e aos problemas urbanos daí decorrentes. Também mostra um grave problema que mesmo sendo combatido em todo o País ainda é visto no interior do Estado: crianças em uma lixeira pública no Município de Parintins (a 325 quilômetros de Manaus), catando latas para ajudar na renda famíliar. São várias vertentes da fome no maior Estado do País.

O dia era de festa na comunidade de Ponta Alegre, uma aldeia sateré-maué, no Município de Barreirinha. Mas longe da fartura de épocas passadas, uma panela com um peixe menor que uma sardinha mostrava a realidade das aldeias indígenas. Aquilo era a primeira alimentação da menina Francimeire, 1, que não conseguiu esperar o que toda a família iria comer naquele dia, por volta das 17h: uma panela de buchada.

"O que nós comemos hoje? A graça de Deus", responde o bem-humorado agricultor Oswaldo de Oliveira da Costa, 70, que passou a ser sateré quando casou com a índia Alcinda Brito, 96. A família estava reunida aguardando a buchada que estava ao fogo. Além do "charutinho", nome do peixe que Francimeire comia, as crianças também amenizavam a fome mascando chicletes. A novidade da goma de mascar na aldeia também introduziu uma nova pintura à pele dos saterés: tatuagens com desenhos que vão desde ETs até flores e traços tribais. Em outra comunidade, em Guaranatuba, um índio comia salgados industrializados à base de milho, enquanto a família esperava o chefe da casa voltar de mais um dia de pesca.

Um dos coordenadores do Conselho Geral da Tribo Sateré-Maué, Eudes Lopes Batista, 30, diz que a situação dos índios, principalmente do rio Andirá, é de dificuldades pela escassez da pesca e da caça. Ele aponta dois fatores que contribuíram para este quadro. O primeiro teriam sido as atividades da Petrobras na década de 50, utilizando dinamite nos rios. "Eles jogavam bombas que mataram uma grande quantidade de peixes", afirma Eudes. O segundo motivo, que ainda se vê hoje, mas em menor escala, é a utilização do timbó, a raiz de uma árvore que depois de socada transforma-se em uma espécie de leite que envenena os peixes.

A mesma história também é contada pelo tuxaua Antônio Ferreira Michiles, 85, e a segunda pessoa do tuxaua, Amado Menezes Filho, 42. "Antes, muitos jogavam até 150 quilos de timbó na água. Matava muito peixe", recorda-se Amado. Com isso, segundo ele, o que antes se levava uma hora para pescar 200 peixes, agora pode levar mais de um dia e ainda sem a garantia de se ter o pescado. "O problema é que cresceu a nossa população e agora ficou tudo mais difícil. Até o macaco sumiu", conta, falando da caça.

O período de maior dificuldade, de acordo com o pescador Heitor Viana Pereira, 72, de Guaranatuba, é quando o rio sobe. "Na seca a gente ainda consegue pescar, mas no inverno", avalia. Para suprir a falta, as comunidades se endividam com os regatões que também introduzem novos costumes à aldeia. "Antes, ninguém tomava café, era só mingau. Açúcar derretia nos regatões. Hoje está tudo mudado", recorda-se Pereira, falando que os agentes de saúde, professores e outros índios assalariados acabam também trazendo outros enlatados para a aldeia, o que gerou até um projeto para recolher o que eles chamam de lixo diferenciado.

De acordo com os tuxauas, a cultura dos índios não cobra as três refeições diárias, fazendo com que as crianças acabem se acostumando a conviver com a fome. "Não temos hora certa para comer. A gente come quando tem. Quando não tem, não come", observa Amado.

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