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São Sebastião e o meio ambiente

CB, Opinião, p. 25
Autor: BERNARDO, Maristela
05 de Jun de 2004

São Sebastião e o meio ambiente

Maristela Bernardo
Jornalista e socióloga

Há alguma coincidência triste entre o transcurso da Semana Nacional do Meio Ambiente e a tragédia de São Sebastião, com seus três mortos e centenas de moradores atemorizados e estigmatizados. 0 site do Ministério do Meio Ambiente traz algumas definições básicas sobre educação ambiental. Uma delas chama a atenção para o "processo em que se busca despertar a preocupação individual e coletiva para a questão ambiental, garantindo o acesso à informação em linguagem adequada, contribuindo para o desenvolvimento de uma consciência crítica e estimulando o enfrentamento das questões ambientais e sociais". Diz também que não se trata apenas de buscar mudança cultural, mas a transformação social, assumindo a crise ambiental "como uma questão ética e política".
Certo. Vale tanto para as mudanças climáticas globais quanto para os ratos de São Sebastião, atraídos para as casas pelo desmatamento e falta de condições
sanitárias em busca de comida e levando doenças graves. 0 problema é que, quando se trata de temas que mais diretamente envolvem o encontro da pobreza com a degradação ambiental, há um muro entre as populações que deveriam ser objeto dessa educação ambiental abrangente e complexa e o principal caminho para atingi-la, que são as políticas públicas.
Nos estados, nos municípios, uma boa parte das autoridades ainda vê o meio ambiente como a secretaria ou o departamento onde devem ser exilados os chatos, os poetas ou, ao contrário, aqueles que vão garantir que os regulamentos ambientais serão devidamente driblados ou "flexibilizados para não atrapalharem o progresso". Aí, educação ambiental não passa de um calendário na parede onde se sucedem o Dia da Árvore, o Dia do Meio Ambiente e, não raro, o Dia do índio, também entendido como efeméride da natureza. Plantam-se árvores, fantasiam-se as crianças de bichinhos, fala-se da Amazônia e está tudo bem. Não que isso seja condenável, deve ter méritos pedagógicos. 0 problema é que, na maioria das vezes, fica só nisso.
Raríssimo - se é que existem - vem educação ambiental como instrumento fundamental da cidadania, de mudança social. Uma porta que dá acesso à compreensão de que a demanda por equilíbrio é ao mesmo tempo social e ambiental, de que a justiça social só se fará se nela forem incorporados os elementos que garantam a todos uma situação mínima de harmonia com o ambiente natural e condições para manejá-lo de forma a evitar pretensas tragédias ambientais que, não por acaso, atingem em primeiro lugar os pobres.
Doenças provocadas pela contaminação da água e do solo, deslizamentos em áreas urbanas, desertificação. E os ratos de São Sebastião. Lê-se no CB que a "guerra ao hantavírus", após as mortes, o pânico e a instalação do preconceito, inclui mutirões de limpeza, informações à comunidade, orientação para que as crianças se transformem em agentes sanitários nas famílias, regras para o lixo, distribuição de sacos de coleta, participação de entidades religiosas e comunitárias. Empresários reorganizam seus espaços para evitar a formação de tocas para ratos. As secretarias de estado dão atenção especial, chegam a mudar-se para lá temporariamente. E por aí vai.
E por que tudo isso não foi feito antes, preventivamente? Por que as populações são assentadas de qualquer maneira, sem estrutura, sem informação, sem políticas públicas socioambientais consistentes, até que alguém pague o preço da morte e se desencadeie essa correria de autoridades para mostrar serviço?
É preciso pensar o meio ambiente além. Pensar que entre nós e o desejo de um mundo um pouco melhor do que essa mixórdia atual existem formas superadas - mas ainda muito poderosas - de fazer política. Tacanhas, sem nenhuma grandeza, sem coragem, voltadas para o próprio umbigo, obcecadas pela eterna busca da própria reprodução no poder. Que as crianças de São Sebastião aprendam algo mais neste momento de medo. Aprendam a exigir uma vida digna. Nela estará incluído o respeitoso e produtivo relacionamento com o ambiente natural.

CB, 05/06/2004, Opinião, p. 25

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