CB, Brasil, p. 14
22 de Mar de 2009
Santuário agora é dos índios
Com a homologação da reserva em área contínua, uma das unidades de conservação mais importantes do país fica sob a guarda de três etnias. Um plano apresentado ao governo prevê que elas participem da gestão da área
Leonel Rocha
Da equipe do Correio
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de manter unificada a reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, deixou sob a guarda de 1,3 mil índios uma das mais importantes unidades de conservação do país. Com pouco mais de 117 mil hectares que formam uma faixa na tríplice fronteira de Brasil, Venezuela e Guiana, o Parque Nacional do Monte Roraima é oficialmente dirigido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), e só pode ser fiscalizado pela Polícia Federal ou vistoriado pelas Forças Armadas. Mas o local será de usufruto exclusivo dos ingaricós, macuxis e patamona, moradores tradicionais do lugar. Eles serão os únicos a poder pescar, caçar e utilizar a vegetação da área para sua sobrevivência e cultura.
Criado pelo Decreto 97.887 de junho de 1989, o parque é considerado um santuário ecológico pelos ambientalistas (veja quadro). Também é sagrado para os indígenas. As lendas contadas nas aldeias dizem que o Monte Roraima é a casa de Macunaíma, o pai dos indígenas.
O plano de administração compartilhada apresentado na última quinta-feira ao ICMBio prevê até a remuneração das comunidades pelos serviços ambientais gerados com a conservação da diversidade biológica. Para administrar o parque, a proposta apresentada prevê a criação de três instâncias que definirão a gestão da área: a Assembleia do Povo Indígena Ingarikó, o Comitê Executivo do Plano de Administração e o Conselho Pikatîninnan.
A primeira seria a instância de deliberação da gestão do parque, em parceria com o ICMBio. A segunda, o comitê composto por representantes dos ingaricós e da Fundação Nacional do Índio (Funai), encarregada de operacionalizar a gestão da área. A terceira instância - o Conselho Pikatîninna - seria responsável pela implementação da primeira fase do plano. Chamado pelos índios de Plano Pata Eseru, que significa "o jeito da terra", o documento não diz claramente qual o poder dos indígenas.
Poder de veto
Segundo o coordenador do grupo de trabalho constituído para elaborar a proposta de gestão, Dilson Domente Ingaricó, a ideia é que os líderes das comunidades tenham poder de veto sobre a definição dos métodos e pessoas encarregadas pelo uso da biodiversidade. Essa prerrogativa, não prevista na decisão do Supremo, daria o poder aos índios de suspender o trabalho de pesquisadores considerados inadequados ao propósito de conservação da área. "Estou seguro para definir, junto com a comunidade, que tipo de pesquisa deve ser feita na área e quais as instituições que podem fazer", garante Dilson.
Com 19 páginas e 39 tabelas anexas que detalham todos os custos e passos da implantação do plano, o documento teve a coautoria do chefe do parque, José Ponciano Dias Filho, e outros 25 assessores do governo especialistas no assunto. O texto prevê a autonomia dos indígenas na gestão territorial da área. Detalhada, a proposta estimou em R$ 3,1 milhões os custos do trabalho, que deve durar até 2011.
"Queremos participar das pesquisas e ter direitos aos benefícios que elas trouxerem ao país", defende Dilson. Hoje, o Parque Nacional do Monte Roraima destina-se a pesquisas biológicas e ao ecoturismo, ainda experimental.
Na região do parque e em seu entorno, vivem nove comunidades. A mais populosa é a Manalai, com 360 pessoas. Fora da reserva, os índios plantam principalmente feijão, milho e mandioca em roças comunitárias. A proposta do plano de administração compartilhada estabelece regras para o cultivo dessas e de outras culturas para garantir a segurança alimentar da população local. Um dos trabalhos mais urgentes, segundo o chefe do parque, é a conclusão do zoneamento ecológico para definir as atividades mais apropriadas à região, além da medição de todo o perímetro da área. Os indígenas brasileiros já avisaram o governo que almejam mais do que seus parentes venezuelanos, os Pémons, que trabalham no ecoturismo carregando as bagagens e servindo de guias aos visitantes.
Pesquisas garantidas
O plano de gestão compartilhada do Parque Nacional do Monte Roraima terá a participação de representantes das comunidades Ingaricó, Macuxi e Patamona, mas não deve ser obstáculo às pesquisas e ao acesso à unidade de conservação federal encravada na reserva indígena Raposa Serra do Sol. Esse é o entendimento do presidente do Instituto Chico Mendes da Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Rômulo Mello, sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que estabeleceu regras para a utilização da área.
Segundo ele, as comunidades indígenas não podem impedir os pesquisadores de terem acesso às riquezas biológicas da unidade de conservação.
O ICMBio vai elaborar um parecer sobre o plano de gestão. "O governo não pode ficar na dependência de definições das comunidades indígenas", comenta Mello. Ele considera muito boa a decisão do Supremo, que possibilitará a compatibilização da preservação ambiental com as necessidades dos indígenas. Rômulo Mello acha que o parque é um exemplo da boa convivência dos índios com as exigências das unidades de conservação, ao contrário do que ocorre com outras etnias, que degradam cerca de 20 outras reservas, como a do Monte Paschoal, no sul da Bahia, onde os índios utilizam as mesmas técnicas predatórias dos fazendeiros. (LR)
CB, 22/03/2009, Brasil, p. 14
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