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Saneamento na lama

O Globo, Amanhã, p. 16-19
19 de Mar de 2013

Saneamento na lama
O Brasil está no século XIX na oferta de água tratada e esgoto. País corre contra o relógio para oferecer serviços básicos à população

Felipe Sil

Brasil é um dos países com o índice mais alto de pessoas que não possuem banheiro. São ao todo 7,2 milhões de brasileiros - um indicador dramático e inversamente proporcional ao grau de avanço econômico que o país vem conquistando nos últimos anos. "Podemos dizer que a grande maioria do esgoto do país continua indo para os cursos d'água, os rios, as lagoas, os reservatórios e, consequentemente, o oceano. O Brasil parou no século XIX". A afirmação é de Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil, que confirma a tese, já disseminada, que o país tem pouco a comemorar às vésperas do Dia Mundial da Água.
É uma herança maldita que a presidente Dilma Rousseff pretende atacar, aprovando, no segundo semestre, o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab). Depois de seis anos em tramitação e após ter passado por quatro conselhos legislativos, o governo federal está correndo contra o tempo para colocar o plano em prática e cumprir uma das metas dos Objetivos do Milênio da ONU: a redução à metade da proporção da população sem acesso sustentável à água potável segura e a saneamento básico até 2015.
O presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes), Dante Ragazzi, está cético quando a aprovação do Plansab:
- O problema é que os números mostram que o esforço será enorme.
Cerca de cinco mil crianças ainda morrem diariamente no Brasil, por conta de doenças diarreicas causadas pela falta de acesso à água de qualidade e esgotos coletados e tratados. Macapá, a capital do Amapá, é uma das cidades que traduzem a dramática situação brasileira. Ela ficou em 100o lugar no ranking do Trata Brasil ao cruzar dados do Sistema Único de Saúde (SUS) e o impacto sobre à saúde da população nos 100 maiores municípios brasileiros.
O estudo compilou informações de 2008 a 2011, em alguns casos inclusive de 2012, e demonstrou que em quase metade dos municípios brasileiros (49%) existe apenas uma oscilação nos números de internações, sem apresentar nenhuma tendência clara de melhora no indicador.
Em 2011, 396.048 pessoas deram entrada no SUS com doenças diarreicas, sendo que 54.399 delas vivem nos 100 maiores municípios do país. Santos, em São Paulo, é a cidade brasileira com melhor desempenho no ranking do Trata Brasil: 100% de atendimento de água e de esgoto tratados. Macapá, por sua vez, apresentou os seguintes indicadores: 42,64% 5,55% respectivamente.
O Rio de Janeiro ficou em 37o lugar. A cidade que sediará a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 fica atrás de São Paulo, Belo Horizonte e Vitória, capitais vizinhas da região Sudeste.
- Do volume de esgoto gerado nas 100 cidades estudadas, somente 36,28% é tratado, ou seja, são quase oito bilhões de litros de esgoto lançados diariamente nas águas brasileiras sem nenhum tratamento. Isso equivale a jogar 3.200 piscinas olímpicas de esgoto por dia na natureza - calcula Carlos.
Ainda segundo o Trata Brasil, quando consideradas as áreas urbanas e rurais do país, a distribuição de água atinge 81,1% da população. Já o atendimento em coleta de esgotos chega a 46,2% da população brasileira. Deste esgoto coletado, 37,9% recebe algum tipo de tratamento. A região com melhor índice é a Centro-Oeste, com 43,1%. Até 2033, pretende-se também coletar e tratar 91% do esgoto de 91% nas áreas urbanas. Na parte rural, o objetivo é chegar a 62%.
Quanto à coleta de resíduos sólidos, o governo quer atingir 100% nas cidades e 64% no interior. Por fim, em 20 anos, a ideia é reduzir para 11% os municípios no Brasil sujeitos a inundações. Hoje, segundo estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), base das pesquisas do Ministério das Cidades, 41% das cidades correm o risco.
Não contam com coleta de esgoto 31 milhões de indivíduos. De todo o volume gerado nestes municípios, apenas 36,28% são tratados.
São quase 8 bilhões de litros lançados todos os dias nas águas do país sem tratamento algum. Seis municípios, destes 100, possuem índice de tratamento de esgoto superior a 80%: Sorocaba, Niterói, São José do Rio Preto, Jundiaí, Curitiba e Maringá.
- Estabelecemos, com esse plano, parâmetros qualitativos e quantitativos. Vamos auxiliar os municípios brasileiros no cumprimento dos objetivos. Para isso, vamos organizar uma estratégia de avaliação e monitoramento constante. A maior dificuldade está, sem dúvida, na área rural. É um déficit histórico que, com certeza, não é fácil de ser solucionado - adianta o diretor do Departamento de Articulação Institucional da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, Ernani Ciríaco.
- O primeiro é a histórica falta de políticas públicas permanentes. Em segundo, a ausência de interesse de fato da sociedade civil em cobrar qualidade. Por fim, a indústria da degradação, em que são obtidos empréstimos que são mal usados e geram resultados pífios - analisa o ambientalista Mário Moscatelli.

A ÁGUA ESTÁ PINGANDO. E EU COM ISSO?

Atitudes diárias em prol da saúde do planeta

A máxima amorosa de que só se dá o devido valor quando se perde parece um bom jeito de descrever a relação dos brasileiros com a água. Enquanto a fartura governou absoluta o país durante séculos, pouco se falou sobre o assunto. É só agora, quando aparecem os primeiros sinais de que a relação começa a se desgastar e já há regiões - como o semiárido - imersas na escassez, que o tema está angariando espaço. Os alarmes, no entanto, ainda não tem funcionado para mudar os hábitos de brasileiros no dia a dia. Em outras palavras, o desperdício ainda reina. Dados da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) dão conta disso. Um exemplo é uma atividade feita em média três vezes por dia por cada pessoa: escovar os dentes. Para se ter uma ideia, se não houver o cuidado de fechar a torneira, lá se vão 12 litros de água por vez. No entanto, se a pessoa molhar a escova e fechar a torneira, ela consegue economizar mais de 11,5 litros de água. Outra forma de desperdício é o banho. É sabido que o brasileiro gosta de tomar banho, e, dado o Clima local, o hábito não cai mal. Mas é preciso saber que, durante 15 minutos, um chuveiro aberto consome mais de 200 litros de água. Já se a torneira estiver fechada enquanto se ensaboa, o consumo pode cair para 81 litros.
Outro grande inimigo é o velho hábito de lavar calçadas. Sabe aquela facilidade de trocar a vassoura pela mangueira. Pois é, em 15 minutos são perdidos 279 litros de água. Isto significa que, se a pessoa lavar a calçada uma vez por semana, mais de 14 mil litros de água vão para o bueiro da rua a cada ano. Em 20 anos, esse gasto sobe para mais de 290 mil litros. Quantidade suficiente para suprir as necessidades diárias de água - para beber - de 145 mil pessoas, segundo dados do Instituto Akatu de Consumo Consciente. O mesmo vale para as toneiras. Um pequeno filete de 3mm que pingue de uma torneira - por negligência no uso ou vazamentos - desperdiça o suficiente para garantir a água necessária para abastecer uma escola com 240 alunos. E a listagem não para por aí, já que a cultura do desperdício está impregnada no nosso dia a dia. Começar a mudá-la é forma de contribuir para a saúde do planeta. (Camila Nobrega)

O Globo, 19/03/2013, Amanhã, p. 16-19

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