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Saneamento, ainda uma calamidade

O Globo, Especial, Era Lula, p. 7
19 de Dez de 2010

Saneamento, ainda uma calamidade
Em pleno século XXI, 56% dos domicílios não têm rede geral de esgoto; entre 2003 e 2009, governo Lula investiu só R$ 33,9 bi no setor

Não importa o tamanho da cidade. Esgoto a céu aberto é uma realidade brasileira. Em todo o país, 56%, ou 32 milhões dos domicílios, não são atendidos por rede geral de esgoto, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) de 2008.
Entre 2003 e 2009, período que engloba sete anos do governo Lula, os investimentos não ultrapassaram R$ 33,91 bilhões. A menor verba foi aplicada em 2004: R$ 3,93 bilhões. A maior, em 2009: R$ 6,85 bilhões. Ano passado, a área de transportes, por exemplo, recebeu R$ 19,6 bilhões, e a de telecomunicações, R$ 15,9 bilhões.
- Não conseguimos investir os R$ 10 bilhões por ano que o governo calculou como sendo necessários para universalizar o saneamento em duas décadas. No ritmo que vamos, levaremos mais 60 anos. O Brasil tem muitos problemas de infraestrutura, mas o saneamento é a grande mazela. Os números dão a dimensão da nossa carência: é inadmissível ter entre 100 e 120 milhões de pessoas sem esgoto tratado - diz Newton Lima Azevedo, vice-presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib).
Presidente do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos acredita que serão necessários sete PACs (Programa de Aceleração do Crescimento) para que o país universalize o saneamento:
- Faço essa conta partindo da ideia de que teremos de R$ 13 bilhões a R$ 14 bilhões aplicados por ano. Como tivemos em média, entre 2003 e 2009, um desembolso de R$ 4,5 bilhões, estamos longe.
Segundo ele, é "inegável" que o governo Lula promoveu avanços na área, mas não ter focado na gestão das empresas de saneamento fez com que os avanços fossem mais lentos do que o necessário.
- A criação do Ministério das Cidades deu ao setor um lugar para centralizar as contribuições e as cobranças. A Secretaria Nacional do Saneamento Básico e o PAC também foram importantes. Mas Lula errou ao partir do princípio de que só com recursos resolveria. Mesmo que tivéssemos aplicado os R$ 10 bilhões/ano, ainda teríamos problemas. Não adianta dinheiro se os municípios não têm projetos para transformar a verba em obras - diz Édison Carlos.
Para que esse problema fosse solucionado, em 2007, a Lei 11.445/07 determinava que os municípios elaborassem planos de saneamento básico, incluindo serviços de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo de águas pluviais urbanas. O prazo para que todos fizessem seus projetos terminaria dia 31 deste mês. Com o baixíssimo índice de cumprimento da lei, em junho deste ano, o governo federal decidiu prorrogar o prazo até 2014.
- Os municípios não têm capacidade de planejamento. O PAC deveria acompanhar a elaboração dos projetos e também capacitar pessoas - diz Newton Lima.
De acordo com a PNSB, em 2008, quando o assunto em discussão era o tratamento do esgoto, só 28,5% dos municípios ofereciam o serviço. No Rio, por exemplo, 31 cidades com rede de esgoto não o tratavam.
- Desse jeito, o esgoto deixa de correr na rua, mas continua sendo despejado nos rios - afirma Lima.
Moradoras de Itambi, em Itaboraí, no Rio de Janeiro, Neuza Maria Ferreira, de 66 anos, e a filha Walesca, de 23, mãe de um menino de quase 2 anos, têm a pele marcada por manchas. Os netos de Neuza, que moram na mesma região, "vivem com dor de barriga". No terreno da casa, onde o esgoto corre no quintal, as crianças costumam, segundo Neuza, colocar na boca os brinquedos que caem no chão. Sem banheiro e sem água encanada, todos têm que recorrer aos baldes de água do rio que corta a rua, onde é possível ver até cachorro morto e cavalo boiando.
- É água suja! Todo o esgoto cai lá - diz Neuza.
Também no Rio, em Tribobó, São Gonçalo, a cearense Quitéria Martins Farias, de 65 anos, vê esgoto e rato subindo pelos canos quando abre a janela do quarto. A vista é do Rio das Pedras, completamente poluído, onde os canos deságuam esgoto sem parar. A falta d'água também incomoda os moradores da Comunidade Novo México, que ainda têm que conviver com o mau cheiro.
- Só some quando chove. Aqui, é preciso fechar a casa às 17h30m, para evitar mosquitos e doenças - conta Quitéria
No Brasil, a falta de saneamento é responsável por um alto número de internações. Segundo o Ministério da Saúde, em 2009, 206.414 pessoas morreram de complicações da diarreia e gastroenterite. O ministério explica que não tem estimativa de quantas dessas pessoas chegaram ao óbito por conta de uma relação direta com a falta de saneamento, mas reconhece que várias doenças têm entre seus fatores determinantes essa questão.
Segundo estudo da Abdib, com dados do Sistema Único de Saúde (SUS), em 2003 - primeiro ano do governo Lula -, 1.112 crianças foram internadas por doenças sanitárias, e o número total de pessoas que ficaram doentes foi 2.431. Ano passado, 820 crianças acabaram no hospital, e 2.086 pessoas foram hospitalizadas.
- Doenças sanitárias não atingem só crianças, que acabam tendo menos capacidade de aprendizado por conta delas, mas fazem com que trabalhadores se afastem em média 17 horas por ano e com que empresas cheguem a calcular R$ 250 milhões de horas pagas não trabalhadas em 2009, em todo o Brasil - diz Édison Carlos. - O pior é que a população não associa falta de saneamento com problemas de saúde. Como faz parte do dia a dia de muita gente, não ter esgoto passa a ser normal. Mas falta de saneamento mostra o nosso subdesenvolvimento.

O Globo, 19/12/2010, Especial, Era Lula, p. 7

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