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Samba da devastação

FSP, Opinião, p. A2
Autor: ANTUNES, Claudia
09 de Fev de 2005

Samba da devastação

Neste ano, coisa rara, não teve enredo sobre a Amazônia no desfile do Grupo Especial do Rio. Mas uma escola, em busca de patrocínio, pôs na avenida a história da soja. Pode ser só uma coincidência, mas sem dúvida isso combina com o clima atual de exaltação do agronegócio, que abre caminho para que grileiros e devastadores de florestas peguem carona no prestígio de empreendimentos respeitadores das leis ambientais e trabalhistas.
Pois não deve ser atribuído apenas ao feriado carnavalesco o fato de não ter havido indignação maior diante da ação de madeireiros e ruralistas que bloquearam a rodovia BR-163, no Pará, em protesto contra medidas do Incra e do Ibama que deram prazo para o recadastramento de terras na região e suspenderam a exploração florestal em áreas em situação fundiária irregular.
Em sua coluna de domingo no "Mais", Marcelo Leite já previa um recuo do governo. E foi o que aconteceu, pelo menos parcialmente: alguns dos terrenos em litígio serão liberados neste ano para as madeireiras e, embora a portaria que ordenou o recadastramento tenha sido mantida, o Incra concordou em enviar uma equipe à região para receber documentos e analisar caso a caso.
O site "O Eco", que acompanhou a queda-de-braço desde o início, mostrou como fazendeiros com títulos de propriedade irregulares se aproveitaram das reivindicações dos madeireiros quanto à safra de 2005 para tentar manter tudo como está. E o pior: com apoio de boa parte dos prefeitos e políticos paraenses, sob o argumento de que empregos seriam afetados por mais essa tentativa de ordenar a bagunça fundiária na Amazônia.
Se isso não é motivo para uma onda de indignação nacional, fica difícil saber o que pode ser. No entanto, as críticas às concessões governistas ficaram quase restritas às ONGs ambientalistas. Enquanto isso, a população das metrópoles litorâneas sambava tranqüila, sem se dar conta de que nesse passo pode perder até os parques de ecoturismo que lhe servem de alívio para o estresse urbano.
Claudia Antunes

FSP, 09/02/2005, Opinião, p. A2

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