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Salles ordena pente-fino no Fundo Amazônia

Valor Econômico, Política, p. A10
07 de Mar de 2019

Salles ordena pente-fino no Fundo Amazônia

Por Francisco Góes

A promessa do governo Bolsonaro de fazer uma devassa no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) começa a mostrar os primeiros sinais. Em uma iniciativa considerada dentro da legalidade, mas inusual, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pediu ao banco, no começo de janeiro, todos os contratos do Fundo Amazônia, criado em 2008 para financiar projetos de desenvolvimento sustentável que ajudem a reduzir o desmatamento. Em dez anos, o fundo aprovou e contratou 103 projetos, a maior parte com organizações não governamentais (ONGs), e recebeu doações de R$ 3,4 bilhões, sendo mais de 90% da Noruega. Desse total, já houve
desembolso de mais de R$ 1 bilhão.
A iniciativa de Salles de pedir todos os documentos do Fundo Amazônia, reunindo operações de dez anos, provocou mal-estar nas áreas técnicas do BNDES, que é o gestor do fundo. Não está claro para os técnicos do banco quais seriam os objetivos de Salles com o pedido, uma vez que o fundo tem um sistema estruturado de governança no qual o Ministério do Meio Ambiente (MMA) está diretamente envolvido. Além disso, o fundo passa por auditorias regulares, e acabou de sofrer uma fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU). Também houve avaliação do fundo por parte do órgão equivalente ao TCU na Noruega.
Ao Valor, o ministro afirmou: "Queremos saber como o recurso do Fundo Amazônia, que é doado para o Brasil, é usado. A doação não é para o BNDES ou qualquer terceiro. Vamos analisar a forma de utilização dos recursos, se as opções prioritárias da utilização estão alinhadas com o que se pretende e se a execução desses contratos está sendo [feita] de maneira adequada. Qualquer avaliação além deste ponto é prematura porque nós não tivemos acesso aos documentos ainda. Depois que tiver tido acesso aos documentos, vou poder dar uma opinião de mérito sobre o que foi visto lá."
Em janeiro, Salles anunciou a suspensão, por 90 dias, de todos os convênios do MMA e autarquias com ONGs. Também pediu levantamento sobre os fundos ligados ao ministério, incluindo o Fundo Amazônia. A nova gestão do MMA deixou claro ao BNDES que gostaria de conhecer melhor o fundo.
Fontes próximas do banco disseram ao Valor que Salles em um ofício pediu inicialmente informações dos projetos aprovados e contratados pelo Fundo Amazônia em 2017 e 2018. Salles confirmou que houve uma reunião dele com técnicos do BNDES, na sede do banco, em 8 de janeiro, mas que o pedido que havia sido feito no ofício do MMA envolveria, segundo o ministro, todas as operações aprovadas e em execução para o biênio. "As informações pedidas não foram fornecidas na forma solicitada por nós. O BNDES fez uma seleção prévia, de acordo com seus critérios e diferente da forma
que o MMA tinha solicitado", disse Salles.
Fontes disseram, porém, que ofício do MMA foi redigido de maneira diferente do pedido feito presencialmente por Salles no BNDES no dia 8. Os projetos em execução no biênio 2017-2018 podem ter sido aprovados bem antes, em 2011-2012, por exemplo. Salles afirmou que diante da dificuldade de obter as informações do BNDES conforme solicitado pelo MMA,
ele decidiu, na reunião, pedir o conjunto integral de contratos do Fundo Amazônia.

O BNDES argumentou então que só poderia fornecer todos os documentos à Controladoria-Geral da União (CGU), uma vez que há dados dos contratos, como a ficha de cadastro das instituições que recebem as doações, que são protegidos por sigilo fiscal e bancário.
Além de ONGs, estão entre os beneficiários do Fundo Amazônia entidades do setor público, incluindo universidades, e secretarias de Estados e municípios. Dos R$ 3,39 bilhões aportados no Fundo Amazônia, a Noruega entrou com R$ 3,18 bilhões (94%), a Alemanha com R$ 192,7 milhões (cerca de 5,5%) e a Petrobras com R$ 17,3 milhões (0,5%). O apoio aos projetos se dá no formato não-reembolsável, embora o beneficiário tenha que cumprir todos os itens do contrato e devolver o dinheiro caso não implemente o projeto.
Ontem, no Twitter, Salles criticou a Alemanha ao responder a um artigo publicado no site brasileiro da "Deutsche Welle", emissora daquele país. No texto, o colunista Philipp Lichterbeck diz que o governo de Jair Bolsonaro caminha para "transformar o meio ambiente brasileiro num inferno". Pelo Twitter, Salles disse que o cenário descrito no artigo era semelhante ao da Alemanha na época do nazismo. "Essa sua descrição se parece mais com o que a própria Alemanha fez com as crianças judias e tantos outros milhões de torturados e mortos em seus campos de concentração", disse Salles.
Na reunião no BNDES, em janeiro, Salles ligou para o ministro da CGU, Wagner Rosário, e acertou a auditoria do MMA e da CGU nos contratos do Fundo Amazônia. Diante do volume de informações a ser analisado, coube ao BNDES fazer a preparação dos documentos, que precisam receber taija-preta sobre os dados sigilosos. Salles disse estranhar a "resistência" do BNDES em apresentar os documentos como o ministério quer.
Fontes do banco negaram que haja resistências em fornecer os dados solicitados pelo MMA. Mas uma delas afirmou que, do ponto de vista de auditoria, seria mais fácil o MMA fazer as perguntas e o banco responder do que o ministério ter que fazer todo o trabalho sozinho. "O critério é nosso. Nós optamos, dentro da legalidade, do que a lei nos faculta, em fazer essa análise dessa forma, essa é uma opção nossa", disse Salles.
O pedido do MMA dificulta o dia a dia operacional do Fundo Amazônia, incluindo a análise de novas operações e o acompanhamento dos projetos aprovados, mas não paralisa o fundo. Salles disse que as informações serão recebidas em quatro lotes ("tranches"), sendo que o primeiro deles, com 600 documentos, já foi enviado à CGU. Os outros três lotes serão enviados, separadamente, a cada 15 dias. Salles disse que uma primeira análise dos contratos será feita dia 21, e previu que todo o trabalho seja concluído em 60 dias.
Em nota, o BNDES afirmou: "O Fundo Amazônia, gerido pelo BNDES, tem sido sistematicamente auditado e avaliado. Assim, o compartilhamento estruturado de informação com a Presidência do Comitê Orientador do Fundo Amazônia não gera nenhum desconforto ou controvérsia, sendo, nos termos do Decreto no 6527/2008 e do regimento do fundo, inerente à sua governança". O banco disse que o auditor externo das contas do fundo é a KPMG e, da compliance, a BDO. O fundo foi recentemente avaliado positivamente pelo banco alemão KFW.

Valor Econômico, 07/03/2019, Política, p. A10

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