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Sabesp distribui água imprópria no litoral de SP

FSP, Cotidiano, p. C1 e C4
29 de Abr de 2007

Sabesp distribui água imprópria no litoral de SP
Testes encontram coliformes acima do estabelecido pelo Ministério da Saúde
Em Santos, a água foi reprovada em nove de 14 meses; Guarujá teve 18% das amostras reprovadas em fevereiro do ano passado

José Ernesto Credendio
Da reportagem local

A Sabesp distribui água imprópria para consumo humano durante a maior parte do ano na Baixada Santista e em parte do litoral sul paulista, segundo testes de potabilidade realizados pela própria companhia.
Os dados mostram que, principalmente durante o verão, a água chega às torneiras com coliformes fecais (bactérias presentes nas fezes) em índices acima do estabelecido pelo Ministério da Saúde em uma portaria publicada em 2000.
A legislação só permite que haja os chamados coliformes totais (oriundos de matéria orgânica) em no máximo 5% das amostras analisadas. Em relação aos coliformes termotolerantes, que aponta que houve o contato da água com o esgoto, a restrição é total (0%).
Em Santos, por exemplo, principal cidade do litoral de São Paulo, com população estimada em 425.677 habitantes, entre janeiro do ano passado e fevereiro deste ano, a água foi reprovada em 9 dos 14 meses.
No Guarujá, em que o problema ocorreu em dez meses, em fevereiro do ano passado 18% das amostras apresentaram coliformes totais, índice que caiu para 15% no mês seguinte.
Cidade em condição ainda pior, com 11 meses de água em risco, Bertioga, um pouco mais ao norte, teve 4% das amostras com coliformes termotolerantes em fevereiro de 2006.
O problema é maior nos meses de verão, de acordo com a Sabesp -empresa controlada pelo governo José Serra (PSDB)-, porque chove mais, o que piora a qualidade da água que chega à estação de tratamento (a estatal promete melhorar o tratamento nos próximos anos com a implantação de novos sistemas).
"A presença de coliformes na água indica a possibilidade de transmissão de doenças", diz José Luiz Negrão Mucci, 48, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo).
Caso algum agente causador de doenças, como hepatite e cólera, entre em contato com a água, pode chegar às torneiras.
Os dados disponíveis, porém, são insuficientes para apontar ou dissociar os casos de diarréia aguda com os problemas no abastecimento de água.
Em 2005, a antiga DIR (Direção Regional de Saúde) de Santos registrou 5.592 casos de pessoas que procuraram postos de saúde com sintomas, para um total de 467.933 no Estado. Santos, por exemplo, teve 85 casos, enquanto Peruíbe -que registrou falta de qualidade da água em oito meses- chegou a 2.631 casos em 2005.

Prevenção
Para evitar riscos, o consumidor deve ferver a água durante pelo menos 30 minutos, aconselha o professor Mucci, que é doutor em saúde pública.
A Sabesp, porém, considera que não há nenhum tipo de risco em consumir a água na Baixada. "As impropriedades, quando ocorrem, são pontuais. Não há nenhuma razão para preocupação. São pontos isolados, e a Sabesp garante absoluta certeza da potabilidade da água", afirma Umberto Semeghini, diretor de Sistemas Regionais da companhia.
Os relatórios são "preocupantes", diz o professor Léo Heller, do departamento de engenharia sanitária e ambiental da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). "O mais grave é a presença de coliformes termotolerantes, pois pode haver algum agente patogênico na água", diz.
Para Heller, que considera a estatal paulista uma das empresas de saneamento mais capacitadas do país, "há problemas no tratamento, e a Sabesp sabe quais são."
A Baixada Santista é a região do Estado servida pela Sabesp - que atua em 366 municípios paulistas- com os piores indicadores de qualidade da água.
A cidade de São Paulo, por exemplo, não teve nenhuma anomalia, como a grande maioria das áreas atendidas pela empresa estatal.
Do total, em 117 cidades houve registros de impropriedades na água, mas foram episódios isolados. Somente quatro municípios, com exceção dos localizados no litoral, tiveram acima de quatro meses com registros inadequados.
Ou seja, segundo os especialistas ouvidos pela Folha, a Sabesp conta com tecnologia e capacitação técnica para melhorar o tratamento da água na Baixada Santista.

Sabesp descarta que falha afete qualidade, mas diz que vai investir
Para companhia, má qualidade dos mananciais da Baixada Santista prejudica o tratamento da água
Diretor da empresa diz que problemas são corrigidos em 24 horas após serem detectados; prefeitos da região não comentam

DA REPORTAGEM LOCAL

Apesar de descartar que falhas no processo de tratamento possam estar comprometendo a qualidade da água na Baixada Santista, a Sabesp vai investir mais de R$ 500 milhões para melhorar os sistemas.
"Todos os problemas serão eliminados", afirma Umberto Semeghini, diretor de Sistemas Regionais da empresa, que foi indicado pela Sabesp para comentar os laudos.
Segundo Semeghini, o problema que prejudica o tratamento da água é causado pela má qualidade dos mananciais que abastecem a Baixada Santista. "Eram de excelente qualidade, mas de dez anos para cá, com o processo de ocupação na serra [do Mar], a qualidade da água foi diminuindo", disse.
Quando a água bruta chega à estação de tratamento com excesso de impurezas, a Sabesp chega a suspender o tratamento. "Passamos a distribuir a água dos reservatórios."
Para ele, os problemas apontados nos relatórios são "pontuais" e são corrigidos 24 horas após serem detectados pelos laboratórios. "Fazemos a recoleta das amostras imediatamente. E as recoletas mostram que a água está boa", afirma.
Semeghini atribui parte das inconformidades a falhas no momento em que ocorrem as coletas das amostras. "Há falhas [nos procedimentos]", diz o diretor da estatal.
A diferença da qualidade dos mananciais, diz Semeghini, é o que explica a desproporção entre os resultados da análise da qualidade da água.
"Temos outras fontes no interior. Poços profundos, que abastecem várias cidades, não são tão sujeitos a contaminação como ocorre com as fontes superficiais", afirma.
A companhia já conta com financiamento da CEF (Caixa Econômica Federal) para reformular o sistema. Com exceção de Santos e São Vicente, afirma o diretor da estatal, as cidades têm hoje estações menos eficientes. "Teremos estações de tratamento muito mais completas", diz.
Serão R$ 280 milhões de investimento em estações. A construção de uma delas, a Bambu Branco, deve ser iniciada já em 2008. Somente na estação do Guarujá serão aplicados R$ 60 milhões.
Outro programa vai trocar cerca de 900 km de redes de distribuição na Baixada Santista. A atual, com tubulações de ferro fundido, é considerada desgastada e precária.
Há casos em que, devido à corrosão do metal, a água distribuída na região torna-se escura e é necessário esvaziar toda a rede para corrigir o problema, que, no entanto, não tem nenhum efeito na saúde.

Silêncio dos prefeitos
A Folha pediu entrevistas com prefeitos da Baixada Santista para que eles comentassem o resultado da análise da qualidade da água. Nenhum dos prefeitos contatados por meio de suas assessorias de imprensa quis falar.
A Prefeitura de Praia Grande, única a responder o questionamento, afirmou que as análises realizadas pela Secretaria da Saúde da cidade jamais encontrou problemas na água distribuída na cidade.
O responsável pela Divisão de Vigilância Sanitária da secretaria, Luis Carlos Marono, afirmou que "nenhuma irregularidade foi detectada nas últimas análises e nenhum problema de saúde relacionado à problemas na água foi registrado no município".
(JOSÉ ERNESTO CREDENDIO)

Consumidor pode recorrer ao Procon
DA REPORTAGEM LOCAL
O consumidor que se sentir lesado pela baixa qualidade da água que recebe pode recorrer ao Procon, ao Ministério Público e à Defensoria Pública para ter seus direitos respeitados, afirma a advogada Juliana de Almeida Picinin, especialista em saneamento básico.
"Se a qualidade da água for ruim, o consumidor deve procurar fazer valer o que dizem os contratos. O Código de Defesa do Consumidor já garante a ele serviços e produtos de boa qualidade", diz.
O engenheiro Alceu de Castro Galvão Júnior afirma que é preciso que todos os Estados criem suas agências reguladoras, para que órgãos independentes avaliem a qualidade da água. ""Do jeito que está São Paulo hoje, as informações ficam nas mãos da Sabesp."
O engenheiro defende que, a partir da criação das agências, as concessionárias abram as contas, para demonstrar a composição das tarifas que cobram da população. ""Os custos são uma caixa-preta, algo que ninguém conhece. A contabilidade das empresas precisa ser aberta, transparente."
Um livro de Galvão relata a experiência da agência do Ceará, que fez acordos com 50 empresas de abastecimento que descumpriam seus contratos.

FSP, 29/04/2007, Cotidiano, p. C1 e C4.

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