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Rússia põe fim à espera por Kyoto

OESP, Vida, p. A22
06 de Nov de 2004

Rússia põe fim à espera por Kyoto
Com a ratificação do presidente Putin, protoloco contra aquecimento global poderá entrar em vigor, 7 anos depois da assinatura

Herton Escobar

Agora não há mais dúvidas. O Protocolo de Kyoto vai entrar em vigor. O passo decisivo foi dado ontem pelo presidente russo Vladimir Putin ao ratificar, definitivamente, a adesão da Rússia ao pacto de combate ao aquecimento global. É o fim de uma espera de quase sete anos, que começou com a assinatura do protocolo em Kyoto, no Japão.
A meta é reduzir a emissão de gases do efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2), que aprisionam o calor na Terra e são apontados como responsáveis pela tendência de elevação da temperatura do planeta. Considerado emblemático, o protocolo estava há tempos na corda bamba, desde que os Estados Unidos - responsáveis por mais de 30% das emissões globais - abandonaram o acordo, em 2001. A partir daí, a adesão da Rússia - segundo maior poluidor, com 17% das emissões - tornou-se obrigatória.
Para entrar em vigor, o protocolo precisava da ratificação de pelo menos 55 nações industrializadas, cujas emissões somadas representassem 55% das emissões globais de gases do efeito estufa. Até ontem, apesar da adesão de 127 países, a soma de emissões era de apenas 44%. Com a Rússia, esse índice chega a 61%.
A partir do momento em que os documentos russos forem entregues à Organização das Nações Unidas (ONU), o protocolo entrará em vigor dentro de 90 dias. "É um novo começo para políticas de combate ao aquecimento global", disse o primeiro-ministro japonês Junichiro Koizumi, cujo país é o terceiro maior emissor de gases-estufa pela lista da Convenção de Mudanças Climáticas da ONU - e que já ratificou o protocolo em 2002.
Um aspecto importante do protocolo é que apenas os países ricos, do chamado Anexo 1, são obrigados a reduzir suas emissões. As metas foram determinadas individualmente, mas giram em torno de 5% abaixo dos níveis de emissão registrados em 1990 - ano base para todos os cálculos do protocolo. Estados Unidos e Austrália fazem parte do Anexo 1, mas como não ratificaram o acordo, não têm nenhuma obrigação - apesar de que certamente serão cobrados pela comunidade internacional a reduzir suas emissões. As metas devem ser cumpridas até 2012.
Divergências
O governo americano considerou o protocolo injusto, por não incluir metas para os países em desenvolvimento, e danoso para sua economia, que é altamente dependente de combustíveis fósseis - a principal fonte de emissão de CO2. Em vez de reduzir emissões, os EUA preferiram trilhar um caminho alternativo e apostar no desenvolvimento de novas tecnologias, menos poluentes.
"Hoje, nem que quisessem, os EUA não conseguiriam cumprir as metas de Kyoto", disse ao Estado o especialista Luiz Gylvan Meira Filho, professor do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo e um dos principais interlocutores brasileiros nas negociações internacionais do protocolo. "Mas não há dúvida de que, eventualmente, terão de aderir a um regime mundial de combate ao aquecimento global. Por uma razão muito simples: não é uma boa idéia para ninguém tratar de uma mudança dessas sozinho. A mudança climática é um dos poucos problemas ambientais que são inexoravelmente globais."
Países em desenvolvimento, como Brasil, China e Índia, também são grandes emissores de gases do efeito estufa e podem participar do protocolo, mas não são obrigados a nada. O conceito básico acertado para Kyoto é o da "responsabilidade comum, porém diferenciada" - o que significa que todos os países têm responsabilidade no combate ao aquecimento global, porém aqueles que mais contribuíram historicamente para o acúmulo de gases na atmosfera (ou seja, os países industrializados) têm obrigação maior de reduzir suas emissões.
Para a Rússia, a ratificação traz implicações econômicas e políticas. Em maio, após meses de intensa especulação, o presidente Putin anunciou que iria acelerar a tramitação do protocolo pelo Parlamento em troca de apoio da União Européia ao pedido de entrada da Rússia na Organização Mundial do Comércio.

Especialistas comemoram ato russo como vitória diplomática
Mesmo que todas as metas sejam cumpridas, os efeitos para a redução do aquecimento global serão quase imperceptíveis
Herton Escobar
A ratificação definitiva do Protocolo de Kyoto foi comemorada por especialistas muito mais como uma vitória diplomática e moral do que pelo impacto que isso terá sobre o clima da Terra a curto prazo. Mesmo que todas as metas de redução previstas no acordo sejam cumpridas, os efeitos para redução do aquecimento global serão quase imperceptíveis. Por outro lado, a expectativa é de que haja uma mudança significativa na percepção do problema e na maneira como ele será tratado daqui para frente.
"É uma vitória da humanidade", disse o pesquisador Paulo Coutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), que trabalha diretamente com o tema há vários anos. "Embora todos saibam que o protocolo não terá um efeito climático tão grande quanto o necessário, ele abre um precedente importante para futuras negociações em torno das mudanças climáticas."
"É a sinalização de que não tem mais volta", reforça a advogada ambientalista Rachel Biderman, pesquisadora do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas e uma das coordenadoras do Observatório Clima, instituição que congrega 30 organizações não-governamentais. "As perspectivas que se abrem são muitas."
A meta de Kyoto para as nações mais industrializadas é reduzir as emissões de gases do efeito estufa em aproximadamente 5% até 2012. Pesquisas indicam, entretanto, que somente para estabilizar as atuais concentrações de dióxido de carbono (CO2) seria necessária uma redução de 60%, segundo Moutinho.
"O efeito sobre o clima será muito pequeno, mas isso não significa que não seja importante", aponta o especialista Luiz Gylvan Meira Filho, do Instituto de Estudos Avançados da USP. "No mundo de hoje, acho quase um milagre já ter o consenso de que é preciso fazer alguma coisa."
Previsões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indicam que, se nada for feito, a temperatura média da Terra poderá subir de 1,4 oC a 5,8 oC até 2100 - suficiente para derreter grande parte das geleiras e alterar completamente os padrões climáticos do planeta. Os principais gases responsáveis por esse aquecimento são o metano e o CO2, provenientes da queima de combustíveis fósseis e do desmatamento. Eles criam uma espécie de cobertor em volta da Terra, amplificando o efeito estufa.
Nova revolução
A solução do problema, segundo Gylvan, passa por uma série de iniciativas políticas e inovações tecnológicas. "Precisamos de uma nova revolução industrial", disse. "Precisamos usar menos energia, e energia mais limpa."
No cenário de emissões, o Brasil ocupa uma posição diferenciada. As principais fontes são o desmatamento e as mudanças de uso do solo - que liberam CO2 pela queima de vegetação e pela transformação de áreas de floresta para a agropecuária. Na maior parte do mundo, o grosso das emissões é proveniente da queima de combustíveis fósseis na indústria e por automóveis. .

Decisão deve trazer benefícios para o Brasil
Herton Escobar
A entrada em vigor do Protocolo de Kyoto deve trazer benefícios ambientais, econômicos e sociais para o Brasil, apesar do País não estar obrigado a reduzir suas emissões nesse primeiro momento. Segundo o secretário-executivo da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, José Miguez, o País deverá ser um dos principais participantes do mercado de créditos de carbono, pelo qual países ricos poderão financiar projetos de redução de emissões nos países pobres.
"Acho que teremos uma importante redução das emissões no Brasil por meio do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que vai incentivar o desenvolvimento econômico e social sustentável", disse Miguez ao Estado. "Só vejo aspectos positivos para o Brasil."
O MDL permite que países do Anexo 1 comprem créditos pela redução em países pobres para atingir suas metas.
A dúvida para o futuro é quanto às obrigações do País para o segundo período do protocolo, depois de 2012. "O Brasil está sendo muito pressionado para assumir metas", diz Rachel Biderman, do Observatório do Clima. "O País é um grande emissor, mas como o problema se deve ao acúmulo histórico, tenho dúvidas de quanto o Brasil tem de pagar dessa conta."

O acordo
Principais medidas adotadas pelo protocolo
CO2 e Outros gases: Até 2012, países industrializados que ratificaram o protocolo têm de cortar as emissões de CO, e outros gases causadores de efeito estufa para, em média, 5,2% abaixo dos níveis de 1990. Os países signatários que não atingirem as metas serão punidos.
Créditos de Carbono: Os países poderão plantar florestas, que absorvem CO2 para atingir metas de redação. Também poderão comprar e vender créditos de carbono, obtidos pela redução de emissões em outros países.
Estados Unidos: Maior poluidor do mundo, o país rejeitou o protocolo em 2001 por acreditar que ele iria prejudicar o desenvolvimento da sua economia e privilegiar injustamente os países em desenvolvimento. A Austrália, outra grande poluidora, também se recusou a ratificar o acordo.

OESP, 06/11/2004, Vida, p. A22

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