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Ruralistas preparam reação a plano agrário

OESP, Nacional, p. A9
09 de Dez de 2003

Ruralistas preparam reação a plano agrário
Principal crítica é em relação à avaliação de que 'agricultura empresarial é insustentável'

ROLDÃO ARRUDA

As críticas do governo à agricultura empresarial contidas no Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) estão sendo consideradas tão fortes pelos ruralistas que deverão receber um contra-ataque nos próximos dias. Segundo o presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Antonio Ernesto de Salvo, o texto do plano é "maniqueísta", opondo a agricultura familiar ao agronegócio. Para o presidente da Sociedade Rural Brasileira, João Sampaio, ele "não reflete a realidade".
As duas entidades estão analisando o texto do plano - encaminhado a elas na semana passada pelo ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto.
Suas respostas deverão se deter especialmente na parte final, no debate das propostas que o governo apresenta para levar adiante seu plano de reforma.
Mas não deixarão passar em branco as críticas ao modelo empresarial.
Consideram pesada demais a conclusão governamental de que é urgente mudá-lo, pois se trata um modelo "insustentável do ponto de vista econômico, social e ambiental".
O documento que evita a expressão agronegócio, preferindo "modelo patronal", afirma que ele começou a ser implantado nos anos 70; está baseado num tipo de modernização tecnológica que substitui o trabalho humano pelo emprego de máquinas e insumos agrícolas; e privilegia a grande propriedade, em detrimento da pequena. Combinado com uma "estrutura fundiária concentrada", teria produzido resultados desastrosos, empobrecendo mais os pobres do campo.

Emprego - O texto lista números oficiais mostrando que a agricultura familiar produz mais por hectare e emprega mais do que a patronal. De acordo com o Censo Agropecuário, enquanto a pequena propriedade gera em média um emprego para cada 8 hectares utilizados, a grande precisa de 67 para uma ocupação. Daí a conclusão: "Se o padrão de ocupação patronal fosse universalizado, mais de 12 milhões de ocupações desapareceriam do rural brasileiro."
No sentido inverso, a multiplicação de pequenas propriedades representaria um saldo de mais de 26 milhões de ocupações.
O texto distribuído pelo ministro também assinala que, apesar de sua importância social, a pequena propriedade é discriminada na área de crédito agrícola: "A agricultura familiar, que responde por 37,8% da produção, consome apenas 25,3% do crédito, enquanto a agricultura patronal, que responde por 61% da produção, consome 73,8%."
O documento afirma ainda que os aumentos dos índices de produtividade na década de 90 foram maiores entre os pequenos do que entre os grandes. E que representam mais riscos para o meio ambiente.

Duvidoso - Na opinião do produtor rural Ernesto De Salvo, presidente da CNA, o documento "opõe de forma maniqueísta a agricultura familiar à empresarial, com o objetivo de justificar os investimentos na reforma agrária, cujos resultados têm sido constantemente colocados em dúvida".
Para ele, as duas formas de trabalho rural não são antagônicas: "O País precisa tanto do grande produtor de soja que ajuda a equilibrar a balança comercial, quanto do pequeno produtor de leite e de feijão. Seria mais interessante se o governo levasse adiante os seus planos de reforma sem criar intranqüilidade para quem está produzindo."
A direção da Sociedade Rural também deverá manifestar-se oficialmente nos próximos dias. Segundo seu presidente, João Sampaio, os analistas do governo olham o cenário com "lentes muito estreitas". Ele diz: "Sem os superávits que o atual modelo agrícola vem gerando para o País desde 1998, a recessão e os problemas sociais teriam sido bem maiores. Mesmo quando se fala de desemprego, é preciso olhar com lentes amplas. O número de empregos diretos no campo pode diminuir em alguns lugares, mas o agronegócio cria empregos indiretos, na indústria que produz máquinas e tratores para o campo, nos portos por onde é exportada produção, e em vários outros ponto da cadeia produtiva."

Apenas 0,8% dos imóveis ocupam 31,6% das terras
A pobreza na zona rural brasileira só poderá diminuir se houver a desconcentração da terra, "que é ainda maior do que a desigualdade da distribuição de renda", segundo o texto que justifica o Plano Nacional de Reforma Agrária. Para mostrar isso, os especialistas do governo recorrem ao índice de Gini, que mede o grau de concentração - zero indicando igualdade absoluta e 1 concentração absoluta: "O índice no Brasil para a distribuição de renda é 0,6 e para a concentração fundiária está acima de 0,8."
Uma tabela que acompanha o texto, com resultados cadastrais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), indica que as propriedades com menos de 10 hectares no País representam 31,6% dos imóveis, mas ocupam apenas 1,8% da área total. Por outro lado, os grandes, com mais de 2 mil hectares, que totalizam 0,8% dos imóveis, se espalham por 31,6% da área.
Para o governo, foram construídos ao longo dos anos dois mitos: um em torno da suposta ineficiência e inviabilidade da agricultura familiar e outro sobre a inevitabilidade da modernização. O objetivo agora seria favorecer a agricultura familiar, segundo o documento, que tem o mesmo tom dos textos de campanha do PT. (R.A.)

OESP, 09/12/2003, Nacional, p. A9

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