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Runte, a peregrinação por parques e o futuro

OESP, Vida, p. A17
Autor: CORRÊA, Marcos Sá
12 de Mai de 2005

Runte, a peregrinação por parques e o futuro

Marcos Sá Corrêa

Mesmo sem ouvir o que ele disse outro dia no Oregon, as orelhas dos brasileiros devem ter ardido durante a conferência do historiador Alfred Runte sobre o futuro das terras públicas nos EUA. Ele esteve aqui sete meses atrás. E, pelo visto, continua espantado com o auditório que na ocasião encontrou em Curitiba, onde nada menos de 1.800 pessoas aplaudiram de pé quando desceu a cortina sobre o 4.o Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação. O calor daquela platéia, segundo Runte, anda fazendo falta aos americanos, agora que eles discutem, como se fosse a coisa mais natural, a privatização de parques nacionais pelo governo.
Essa é uma invenção americana, legítimo produto da era das revoluções que contagiou o mundo no século 19, espalhando-se por 188 países. Mas anda meio fora de moda. Segundo Runte, os parques deram ultimamente para apanhar da direita, que prefere ver a mão do governo longe das terras públicas, e da esquerda, que prefere vê-la cuidando das minorias. E a soma da má vontade dá Bush. Numa sociedade onde 260 milhões de pessoas saem de casa para visitá-los todos os anos, eles ficaram supérfluos para os políticos. Ou seja: parece que agora "cada acre deste planeta precisa da presença humana para endossar seu direito à existência".
Essas coisas pegam. Runte mesmo viu em Curitiba a ministra Marina Silva avisar que a criação de reservas extrativistas e terras indígenas dá de sobra para conservar a natureza. E, a Reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, inaugurando o tal regime da "dupla afetação", acaba de ser entregue ao triunvirato do Ibama, da Funai e dos ingaricós. Tudo porque os índios foram roubados pelos brancos, certo?
Nem tanto, diz Runte. Os índios foram, sim, espoliados. O problema é que "essa tragédia é universal. Não faz tanto tempo assim, meus antepassados foram espoliados. E o de vocês também". Runte, em alemão arcaico, quer dizer pasto. Mas por cima de suas terras passaram tantas guerras medievais, napoleônicas, franco-prussianas e modernas que até o significado do nome se perdeu. Em 1917, Paul Runte era soldado do kaiser no front ocidental. Em 1923, fugiu da Alemanha, passou cinco anos no Brasil, mudou-se para os Estados Unidos em plena Grande Depressão e morreu em 1944, deixando como maquinista a mulher, dois filhos pequenos e uma pensão de US$ 200.
E o que fez com esses caraminguás a jovem viúva Erika Runte? Deixou para trás a casa caindo aos pedaços, trocou o calhambeque da família por um carro velho em melhor estado e "investiu no futuro". Levou os meninos para fazer a América. Durante um ano inteiro, enquanto o dinheiro agüentou, ela zanzou pelos Estados Unidos, de um parque a outro. Dos desertos do Utah ao Monte Rushmore, do Yellowstone ao Grand Canyon, de Yosemite às Devil Towers, "nós vimos tudo", conta Runte. "Minha mãe conseguiu ver Jackson Hole e as Tetons de cima do Monte Signal. E nunca parou de falar disso pelo resto de sua vida."
O resultado desse programa educacional é que ela formou um filho em Engenharia Florestal e Alfred, o historiador, que, mesmo depois de entrar no panteão da pesquisa acadêmica com National Parks: The American Experience, um clássico da literatura ambiental, ainda trabalhava em Yosemite como guarda parque. Ela "tinha dado aos filhos uma chance na vida". Porque, a seu ver, essas coisas só acontecem numa sociedade que acredita no futuro. Que coisas? Ora, diz Runte, os parques nacionais.

Marcos Sá Corrêa é jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br )

OESP, 12/05/2005, Vida, p. A17

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