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Rota 163: morte e devastação no Xingu

Correio de Cidadania
Autor: rodolfo Salm
11 de Out de 2003

Deu no New York Times: o plantio desenfreado de soja devasta a Amazônia! Com o aumento da demanda internacional, até pastagens estão sendo convertidas em campos de soja, que se expandem para o coração da floresta e empurram o maior rebanho de gado do mundo mata adentro.
"Não sinto a menor pena. Um aumento de 40% no desmatamento não
significa nada, estamos falando de uma área maior que a Europa
toda
e
que foi muito pouco explorada. Não há nenhuma razão para se
preocupar", disse o Rei da Soja, Blairo Maggi, governador do Mato
Grosso. Quem quiser ter uma noção do problema que toda a
Amazônia
Oriental (e o Projeto Pinkaití) terá no futuro próximo, vale
a pena
dar uma olhada na figura:
http://www.comitebr163.com.br/mapa_br163.php .

Sob um letreiro piscante que alterna "Rota 163", "
Cuiabá-Santarém",
e "uma solução para o Brasil", o mapa "Conhecendo mais sobre a Rota 163" mostra um enorme sorriso no meio do Mato Grosso, bem no município de Sorriso. É representada em verde a atual rota do escoamento da soja para o Sul, até o porto de Paranaguá, no Paraná.
Em vermelho aparece a futura "Rota 163", para o norte, de Sorriso até interceptar o rio Amazonas na altura de Santarém. As terras dos índios Kayapó (e a nossa base de pesquisas - http://www.geocities.com/pinkaiti/local) estão a leste da rodovia, praticamente em mata contínua com o imenso bloco que ainda é a floresta amazônica. Mas, em um par de anos, seremos um (enorme) fragmento florestal, porque a rodovia Cuiabá-Santarém vai cortar a Amazônia em duas metades! E o governo Lula apóia a pavimentação da estrada que contribuirá de forma determinante para o avanço da devastação.
É de chorar!
Chorar? Mas moço, se os estudos indicam que a falta de infra-estrutura é a maior responsável pela disseminação da pobreza no mundo...

Sim, porque o asfaltamento da Cuiabá-Santarém não é um projeto de desenvolvimento, mas um plano de colonização. Caso contrário, investir-se-ia no escoamento da soja pela região Sudeste, pelo porto de Vitória, no Espírito Santo, onde há um número muito maior de pobres à espera de "desenvolvimento".
As conseqüências nefastas do asfaltamento de estradas na floresta Amazônica são evidentes nas imagens de satélite de todos os estados do "Arco do Desmatamento". No Pará, destaca-se a extensa zona desmatada no entorno da rodovia Belém-Brasília, que se estende do planalto Central para a calha do rio Amazonas, ao longo dos rios Tocantins e Araguaia. A rodovia Cuiabá-Santarém, cortada na mata na mesma época que a Belém-Brasília (no fim dos anos 1960, sob o regime autoritário dos governos militares), mas que ainda não foi totalmente asfaltada, quase não aparece nas imagens. A rodovia é ainda um traço de estreitas terras devastadas, que corta a floresta do sul para o norte ao longo da bacia do rio Xingu (http://www.cdbrasil.cnpm.embrapa.br/pa/index.htm).
Trabalhadores rurais são executados com tiros na cabeça em
Félix do
Xingu. Fazendeiros e madeireiros fecham a rodovia
Cuiabá-Santarém em
protesto contra a demarcação de 1,8 milhão de hectares da reserva Baú, dos índios Kayapó. Representantes de 3 mil famílias que ocupam 400 mil hectares na reserva prometeram "matar ou morrer" antes de serem expulsos. É descoberto mais um esquema de corrupção que conseguiu retirar ilegalmente de Rondônia 120 mil metros cúbicos de madeira nobre, o suficiente para carregar quatro mil caminhões.
E a proposta de orçamento para a área ambiental em 2004? É a menor dos últimos anos, menos de 0,1% do total da União.
O asfaltamento da Cuiabá - Santarém, a principal promessa de infra-estrutura do PSDB na campanha presidencial, tem o apoio do governo Lula. Com a cooperação da iniciativa privada, ainda neste governo, será finalizada a Rota 163.
E já se fala:
O frete, que vai ficar mais barato para soja, pode significar o acesso aos mercados para mais cupuaçu, cacau, ipê, maçaranduba.
Facilitar a vinda de turista. Nós temos que combater o avanço
da
soja
de igual para igual, e não como quem tem medo da atividade. O medo não é um bom aliado; temos que levantar a cabeça e mostrar que floresta dá mais renda do que soja. Avança Brasil!
Mas como lidar com a possibilidade (bastante provável) de ficar demonstrado que plantar soja é muito mais rentável do que "explorar de forma sustentada" a floresta? Qual foi o benefício do desmatamento, da mineração em grande escala ou da implantação da monocultura de soja no cerrado (e que já ameaça a Amazônia) para a população carente brasileira? Este tipo de atividade distribui renda ou só aumenta a desigualdade? Como se evita o início de um processo de colonização desordenado, como tem acontecido até hoje?
Com o asfaltamento da Cuiabá-Santarém, as milhares de estradas
de
terra que, mais ou menos raquíticas, já despontam ao longo de
toda a
rodovia não asfaltada subitamente prosperarão. Vão se
estender e
multiplicar por centenas de quilômetros mata adentro, ocupando
difusamente todo o coração da Amazônia. Qualquer um que saiba
um
mínimo sobre a Amazônia pode prever que, ao longo dessas
estradas,
não haverá plantações de cupuaçu, cacau, ipê ou
maçaranduba. E muito
menos turistas!

Haverá índios, sem-terras, colonos e fazendeiros; em cidadelas, ranhos, acampamentos e derrubadas; formando milícias e fazendo guerrilhas, tramando e sofrendo mutretas, golpes, assaltos e chacinas. A Cuiabá - Santarém asfaltada, a Rota 163, será sim um conveniente dreno para multidões de excluídos que sobram nas cidades brasileiras. E para os desalojados do agribusiness. Será "uma solução para o Brasil". Mas para qual Brasil?
O Cimi (Conselho Indigenista Missionário) foi taxativo ao dize que o
governo Lula trata os índios com "desprezo". O mesmo acontece com a mata.

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