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Rosto amazônico da Igreja

CB, Opinião, p. 19
Autor: BETTO, Frei
07 de Ago de 2009

Rosto amazônico da Igreja

Frei Betto
Escritor, autor, em parceria com Leonardo Boff, de Mística e espiritualidade (Garamond), entre outros livros

As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), surgidas no Brasil na década de 1960, congregam pessoas das classes C e D em torno da fé cristã. São a presença da base social na Igreja e da Igreja na base social. Atuam em vários países da América Latina, África e Ásia.

Entre 21 e 25 de julho, lideranças das CEBs brasileiras se encontraram no 12o interclesial, em Porto Velho (RO), para orar e debater o tema Ecologia e missão - Do ventre da Terra, o grito que vem da Amazônia. Eram, ao todo, 2.174 leigos, 238 religiosos, 331 sacerdotes e 56 bispos católicos, entre bispos, pastores e fiéis das igrejas Episcopal Anglicana do Brasil, Metodista, Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e Unida de Cristo do Japão.

O caráter pluriétnico, pluricultural e plurilinguístico do encontro transparecia no rosto das 38 nações indígenas presentes, acompanhadas de quilombolas, seringueiros, ribeirinhos, posseiros e migrantes do campo e da cidade.

O primeiro dia teve como patrono Dom Helder Câmara, cujo centenário de nascimento se comemora este ano. Os participantes analisaram a realidade local em plenários que levavam nomes de 12 rios da Bacia Amazônica: Madeira, Juruá, Purus, Oiapoque, Guamá, Tocantins, Tapajós, Itacaiunas, Guaporé, Gurupi, Araguaia e Jari. Partilharam-se experiências em relação à nossa casa comum, a Terra, a partir do bioma amazônico e dos demais biomas do Brasil (cerrado, caatinga, pantanal, pampas, mata atlântica e manguezais da zona costeira).

Constatou-se que a casa está ameaçada pelo desmatamento, com o avanço da pecuária, das plantações de soja, cana, eucalipto e outras monoculturas sobre áreas de florestas; pela ação predatória de madeireiras; pelas queimadas, poluição e envenenamento das águas, peixes e seres humanos pelo mercúrio dos garimpos; pelos rejeitos das mineradoras; pelo lixo nas cidades; pelo crescente tráfico de drogas e o extermínio de jovens devido à violência urbana.

Todos ergueram seu apelo para que a Amazônia, onde vivem 23 milhões de pessoas, não seja tratada como colônia, de onde se retiram suas riquezas em favor de interesses alheios. É preciso que os governantes, pautados por uma ética do cuidado, adotem uma política de contenção de projetos que agridem a Amazônia e seus povos da floresta - quilombolas, ribeirinhos, migrantes do campo e da cidade -, numa perspectiva que efetivamente inclua os amazônidas como colaboradores. Falou-se também de responsabilidades em relação ao uso da água, da terra e do solo urbano.

A Caminhada dos Mártires se dirigiu ao local onde o Rio Madeira foi desviado e, em cujo leito seco, ao som dos estampidos das rochas dinamitadas, está sendo concretada a barragem da hidroelétrica. Celebrou-se ali ato penitencial por todas as agressões contra a natureza e a vida humana. Defronte às pedreiras que acolhiam as águas das cachoeiras de Santo Antônio, agora secas, ao lado da primeira capela construída na região, foram proclamadas as bem-aventuranças evangélicas (Mateus 5, 1-12).

No segundo dia, visitaram-se populações indígenas, comunidades afrodescendentes, ribeirinhas, extrativistas, grupos vivendo em assentamentos rurais ou em áreas de ocupação urbana; bairros da periferia; hospitais, prisões, casas de recuperação de pessoas com dependência química, e ainda a trabalhos com menores ou pessoas com deficiência.

No terceiro dia, as celebrações aconteceram nos rios, resgatando memórias da espiritualidade dos povos da região. À tarde, abriu-se lugar aos testemunhos: a oração dos xerentes do Tocantins, que celebraram seu ritual pelos mortos; dom José Maria Pires, arcebispo emérito da Paraíba, retomou em sua história a trajetória dos negros no Brasil; Marina Silva, senadora pelo Acre e ex-ministra do Meio Ambiente, narrou sua trajetória de menina analfabeta do seringal para a cidade de Rio Branco e de lá para São Paulo, mas principalmente sua incessante busca, a partir da fé herdada de sua avó, alimentada nas CEBs, da leitura da palavra de Deus e do exemplo de Chico Mendes. Por fim, acompanhou-se, por vídeo, o testemunho de dom Pedro Casaldáliga.

Os participantes se comprometeram a fortalecer as lutas dos movimentos sociais populares: dos povos indígenas, pela demarcação e homologação de suas terras, e respeito às suas culturas; dos afrodescendentes, pelo reconhecimento e demarcação das terras quilombolas; das mulheres, por sua dignidade e igualdade; dos ribeirinhos, pela legalização de suas posses; dos atingidos por barragens, pela restituição de seus meios de sobrevivência e indenização por suas benfeitorias; dos sem-terra, apoiando-os em suas ocupações e na luta pela reforma agrária; e dos movimentos ecológicos, contra a devastação da natureza, pela defesa das águas e dos animais.

O encontro escolheu a Igreja do Crato (CE) para acolher, nas terras do Padim Cícero, em data a ser marcada, o 13o Intereclesial.

Amém! Axé! Awiri! Aleluia!

CB, 07/08/2009, Opinião, p. 19

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