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Roraima prepara gabinete de emergência para crise de refugiados venezuelanos

OESP, Internacional, p. A10
13 de Out de 2016

Roraima prepara gabinete de emergência para crise de refugiados venezuelanos
Governadora Suely Campos, que avaliará a proposta hoje, quer maior envolvimento do governo federal na questão; esforços esbarram no atraso de pagamento dos salários dos funcionários públicos e na intenção do governo de parcelar vencimentos

Felipe Corazza
ENVIADO ESPECIAL / BOA VISTA E PACARAIMA,

O governo de Roraima vai criar um 'gabinete de emergência' para lidar com o fluxo de refugiados venezuelanos que atravessam a fronteira seca ao norte do Brasil buscando melhores condições de vida no País. As autoridades não têm uma contagem precisa do número de pessoas que já entraram no território brasileiro em tais condições, mas estimam que já passem dos 30 mil.
A formação do gabinete especial contará com representantes de diversas secretarias de governo, além da coordenação do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil. Segundo o comandante dos Bombeiros e da Defesa Civil, coronel Edvaldo Amaral, a medida é uma forma de intensificar a atividade estadual para tentar conter a crise. Apesar disso, a governadora Suely Campos, que deve avaliar hoje o texto do decreto, pretende exigir maior envolvimento do governo federal na questão. A reportagem procurou ontem os ministérios da Justiça e da Integração Nacional, mas não houve resposta.
Mas o novo esforço pode esbarrar em um problema mais local: o governo de Roraima atrasou os pagamentos de salário dos funcionários públicos e anunciou que pretende adotar medidas semelhantes às tomadas pelo Rio Grande do Sul, como o parcelamento do pagamento dos vencimentos dos servidores. O secretário da Fazenda do Estado, Shiská Pereira, atribui o problema a uma redução no repasse do Fundo de Participação dos Estados (FPE), do governo federal.
Enquanto as propostas de solução não saem do papel, venezuelanos que já atravessaram a fronteira se viram para ganhar a vida em Boa Vista, Pacaraima - primeira cidade após a fronteira - ou mesmo em Manaus, para onde partem ônibus regularmente da Rodoviária Internacional, na capital de Roraima.
Nos semáforos, muitos jovens, alguns com bonés de times de beisebol da Venezuela ou camisas da seleção venezuelana de futebol, se oferecem para limpar para-brisas dos automóveis, vendem morangos, fazem malabarismo em troco de moedas ou simplesmente pedem esmola.
A Polícia Federal deportou cerca de 140 deles no início da semana. As operações são feitas regularmente, mas o fluxo é tão grande que, segundo o coronel Amaral, é "enxugar gelo". Para chegar a Boa Vista ou avançar até Manaus, os venezuelanos precisam de um visto especial que é concedido em um posto de fronteira pouco antes de Pacaraima.
Na cidade fronteiriça, os venezuelanos que tentam juntar dinheiro para seguir viagem a Boa Vista ou Manaus dormem nas ruas e aceitam todo tipo de trabalho. Dois deles disseram à reportagem que pretendem ir mais longe, até São Paulo, mesmo sem qualquer ideia de que tipo de trabalho conseguirão.
"A Venezuela piorou muito, muito. Tenho 29 anos e vi como era enquanto (Hugo) Chávez estava vivo e depois como foi piorando", afirmou um deles, que se identificou apenas como Javier.
No comércio local, é mais comum encontrar funcionários nascidos na Venezuela do que no Brasil. Os mais jovens ainda nem sequer falam português e pedem ajuda a outros, que já vieram há mais tempo, para atender aos clientes que não compreendem espanhol. Em um dos muitos armazéns da cidade que vendem alimentos aos que atravessam a fronteira buscando produtos para revenda na Venezuela, cerca de 15 pessoas se aglomeram sob uma marquise improvisada.
Um deles, que se identificou apenas como Pedro, diz que estão à espera do amanhecer para trabalhar. O serviço é o de retirar os alimentos dos caminhões brasileiros e estocá-los no armazém. Às vezes, no entanto, a demanda é tão grande que os produtos como arroz e açúcar são transferidos diretamente dos veículos para caminhões, vans e caminhonetes venezuelanas.
Dormindo em redes esticadas entre a parede do armazém e uma pilastra da marquise, os carregadores foram apelidados de "morcegos" pelos moradores de Pacaraima. Nenhum deles quer revelar o quanto ganha com o trabalho, mas o pagamento não é suficiente para que deixem a cidade rumo a Boa Vista ou Manaus. "Se fosse, já teríamos ido, não?", afirma Pedro.
Prostituição. Além da exploração de mão de obra barata no comércio e outros setores, a crise venezuelana que tem expulsado as pessoas na direção do Brasil também empurrou muitas mulheres para a prostituição. A Polícia Civil de Pacaraima não tem números exatos, mas um funcionário da delegacia local, que pediu para não ser identificado, confirmou que houve um aumento significativo da exploração sexual de venezuelanas na cidade. Segundo ele, a maioria das mulheres atravessa a fronteira diariamente, levada por aliciadores no fim da tarde, voltando para a Venezuela de manhã.
Apesar da situação de crise, a criminalidade não teve um aumento tão grande na cidade, afirmou o mesmo policial. Os episódios de violência, segundo o agente, geralmente ocorrem entre os próprios venezuelanos e são causados por rixas que já existiam antes de os refugiados cruzarem a fronteira para o Brasil.
Na semana passada, dois homens foram mortos a facadas durante uma briga entre grupos de venezuelanos na cidade.

Coleta de alimentos para venezuelanos antes de romaria
O servidor público Roberto Carvalho recolhe e distribui doações com caminhão emprestado do irmão

Felipe Corazza, Enviado Especial / Boa Vista e Pacaraima,

O feriado de Nossa Senhora Aparecida motivou um grupo de voluntários ligados à Igreja Católica de Roraima a organizar uma coleta de alimentos para os refugiados venezuelanos que vivem pelas ruas da capital. Antes da romaria em homenagem à padroeira do Brasil, um caminhão recebia donativos de arroz, bolachas e outros gêneros alimentícios.
O grupo distribuía a comida nas ruas mesmo, já que não há centros oficiais de acolhimento para os venezuelanos. O funcionário público municipal da capital Roberto Carvalho foi o responsável por conseguir o veículo e organizar o reparte da comida após a coleta. "Já encontrei grupos de 40 e até 50 venezuelanos juntos na rua. Eles não têm nada, alguns comem só pão", afirma o voluntário.
A filha de Carvalho, que é estudante de medicina na Argentina, participa de grupos de auxílio a moradores de rua em Buenos Aires. A ideia o inspirou a fazer o mesmo. Utilizando o caminhão emprestado pelo irmão, ele comanda a coleta e distribuição de mantimentos aos refugiados.
Integrante do Centro de Migração e Direitos Humanos da Diocese de Boa Vista, Telma Cristina Lago dos Santos afirma que um dos problemas é a hostilidade de parte da população em relação aos refugiados. "Estamos lutando muito para demonstrar a necessidade de nos solidarizarmos com eles", afirmou Telma.
As necessidades são "de todos os tipos", disse. "(Eles precisam de) alimentação, moradia, trabalho, documentação. A situação é de ajuda humanitária".
Carvalho, enquanto organiza os víveres no caminhão, emite opinião semelhante. "Eles estão aí pela rua e muita gente já os aborda com violência. Quando eles mais precisam de nós, vamos fazer isso, agir dessa forma? É preciso ajudar."
Quanto à hostilidade, o voluntário acredita que, em parte, é uma reação ao tratamento dado a brasileiros por autoridades venezuelanas na fronteira. Carvalho relata que amigos já foram detidos por guardas de fronteira durante horas em tentativas de extorsão. Ele acrescenta que também houve o caso do próprio irmão, que teria sido detido quando viajava a Puerto Ordaz, no país vizinho. Os guardas, segundo ele, teriam roubado R$ 60.
Os venezuelanos que conseguem uma permissão junto à Polícia Federal, na fronteira, para seguir viagem até Boa Vista ou Manaus podem permanecer legalmente no País por até 90 dias - período prorrogável por outros 90 dias.
Para a prorrogação do prazo, no entanto, eles precisam apresentar comprovação de hospedagem. Nem todos pedem permissão. Muitos simplesmente atravessam a fronteira a pé ou de carona e, a partir de Pacaraima, conseguem pagar pela viagem de táxi ou ônibus até as cidades onde têm mais possibilidade de encontrar algum emprego informal.

OESP, 13/10/2016, Internacional, p. A10

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