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Roraima e as terras indígenas

JB, Outras Opiniões, p. A9
Autor: PORTELA, Flamarion
06 de Mai de 2004

Roraima e as terras indígenas

Flamarion Portela
Governador de Roraima

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva promete para os próximos dias uma solução para a demarcação da terra indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima. Pressionado por aqueles que, de um lado, defendem a homologação contínua de 1,7 milhão de hectares e, de outro, por índios, produtores rurais e praticamente toda a sociedade roraimense, que querem uma demarcação capaz de garantir a sobrevivência econômica do Estado, o presidente promete uma solução que gere contentamento a todos os segmentos envolvidos.
Ao contrário do que pensa um importante setor da sociedade brasileira, as lideranças políticas e empresariais locais não são contra a demarcação de terras indígenas, ainda que nosso Estado tenha hoje 46,17% de seu território destinados ao usofruto exclusivo dos índios. Entendemos que essa é uma questão a ser superada imediatamente, a fim de garantir segurança àqueles que querem investir tempo e dinheiro em Roraima.
Os índios têm uma participação importante na formação econômica, política e cultural da Amazônia. Garantir-lhes as terras que tradicionalmente ocupam e aquelas necessárias a sua sobrevivência e reprodução física e cultural é, mais do que um mandamento constitucional, um dever cívico e o resgate de uma dívida que Roraima tem pago mais do que qualquer outra unidade da Federação.
Não tememos comprometer uma parte significativa de nossa base territorial com a demarcação de terras indígenas. Ao contrário. O esforço do governo de Roraima, nos últimos anos, tem sido no sentido de garantir aos índios o acesso a educação, saúde, saneamento básico e, principalmente, fomento à atividade produtiva, com apoio à agricultura familiar, à pecuária, à piscicultura, ao artesanato e ao turismo.
Com justiça, muitos índios em todo o país reclamam do abandono a que estão relegados por parte do poder público. Em Roraima mantemos mais de 265 escolas estaduais nas comunidades indígenas, 33 delas de ensino médio e, através de parceria entre a Secretaria Estadual de Educação e a Universidade Federal de Roraima, os professores indígenas têm acesso facilitado ao ensino superior. Sessenta indígenas freqüentam hoje as aulas da UFRR. No segundo semestre, serão 120.
Mais de mil professores foram formados nos últimos anos para atuarem nas escolas indígenas, com ensino bilíngüe e, pela primeira vez, o Conselho Estadual de Educação tem um representante índio. A Secretaria Estadual do Índio garante apoio às atividades produtivas, principalmente na Raposa/Serra do Sol, e os índios já produzem excedente de feijão, exportado para o Amazonas.
Embora situado na Amazônia, Roraima (e é isso que a maioria dos brasileiros não sabe) possui condições climáticas e ambientais bastante particulares, com uma área de cerrado de mais de 2 milhões de hectares, prontos a serem incorporados à produção de grãos. Criado há menos de duas décadas, o Estado precisa desenvolver sua economia para atender a uma população que cresce em níveis muito superiores à média nacional.
A terra indígena Raposa/Serra do Sol, com cerca de 15 mil índios, abriga hoje perto de duas dezenas de propriedades onde, nas últimas décadas, desenvolveu-se moderno cultivo de arroz irrigado. Diferente do que afirmam os que defendem a desocupação imediata da área, esses produtores instalaram-se na região antes da demarcação e alguns possuem inclusive certidões emitidas pelos órgãos federais competentes garantindo que suas propriedades não eram alvo de interesse indígena.
Essas poucas propriedades respondem por 11% do PIB estadual e mantêm o abastecimento de arroz, além de Roraima, em vários outros Estados da região, alimentando mais de 2 milhões de pessoas. Esses produtores investiram muitos milhões de reais, durante muitos anos, para atingir os atuais índices de produtividade. Pedir que eles saiam voluntariamente dessas terras não parece uma alternativa muito viável.
O presidente Lula está a par de todas as questões envolvendo a Raposa/Serra do Sol. Duas comissões do Congresso estudaram por vários meses a situação. Demarcar a reserva é necessário e o presidente terá todo o apoio da sociedade local nessa iniciativa. O que esperamos é que a justa reivindicação do Estado de Roraima de continuar existindo como ente da federação seja respeitada.
Inviabilizar política e economicamente um Estado de 350 mil habitantes para satisfazer pressões externas seria, no mínimo, antidemocrático. Há que se considerar ainda o fato de uma parcela significativa dos índios da Raposa/Serra do Sol serem contra a demarcação proposta pela Funai. E há que se considerar o fato de o governo federal jamais ter honrado o compromisso de indenizar e reassentar mais de 500 produtores retirados de suas terras por conta de outras demarcações.
Separar uma pequena parcela da terra indígena Raposa/Serra do Sol não representaria perda incorrigível para os índios e garantiria a sobrevivência econômica de um Estado que luta para consolidar-se. Além, é claro, de apaziguar ânimos que hoje estão acirrados e podem levar a conflito tão violento quanto o que se vê em Rondônia.

JB, 06/05/2004,Outras Opiniões, p. A9

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