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RJ é maior devastador da mata atlântica

FSP, São Paulo, p. 3-11
23 de Mai de 1998

RJ é maior devastador da mata atlântica
Levantamento feito entre 90 e 95 mostra que o Estado do Rio é recordista nacional de desmatamento

FABIO SCHIVARTCHE
da Reportagem Local

O Estado do Rio de Janeiro é o recordista nacional de devastação de mata atlântica, entre os anos de 1990 e 1995, segundo levantamento feito pela Fundação SOS Mata Atlântica com fotos de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
No período, foram desmatados 140.372 hectares de mata nativa -o equivalente a 196 mil campos de futebol. Isso representa uma diminuição de 13,13% da cobertura vegetal de mata atlântica do Estado em apenas cinco anos.
Em São Paulo a redução no período foi menor: 3,62%. Mas a área desmatada é grande: 67,4 mil hectares (veja tabela comparativa entre os Estados nesta página).
A devastação nos nove Estados brasileiros que participam do levantamento continua muito alta. Nesses cinco anos, o país perdeu 5,7% da mata atlântica.
Apesar de o estudo ter registrado uma pequena redução do ritmo de desmatamento em relação ao levantamento anterior (1985-90), quando a redução de vegetação foi de 6,2%, os números ainda preocupam os ambientalistas.
"O país perdeu uma área de mata atlântica equivalente a um campo de futebol a cada quatro minutos", diz João Paulo Capobianco, secretário executivo do Instituto Socioambiental (ISA), que coordenou a análise de dados.
"É uma situação preocupante porque o desmatamento se estabilizou em índices muito elevados. Se não houver uma redução da devastação, em 50 anos não haverá mais mata atlântica em terrenos particulares no Brasil."
Em relação a área total, a devastação da mata atlântica caminha 2,5 vezes mais rápido que a da floresta amazônica. Hoje, o país tem apenas 7,2% da mata atlântica nativa.
Campeão
Contabilizando a perda de vegetação nos dois levantamentos (1985-95), o Estado do Rio de Janeiro perdeu 20% da mata original. A região dos municípios de Trajano de Morais e Bom Jardim (no centro do Estado) foi a mais atingida.
Segundo Capobianco, nessa área a mata atlântica cedeu espaço principalmente a pastagens de baixa produtividade. "Registramos áreas contínuas de desmatamento de até 4 mil hectares, em algumas propriedades particulares", afirma o ambientalista.
O motivo do desmatamento varia de acordo com a região do país. No nordeste, por exemplo, a mata é cortada para o cultivo do cacau. Já no sul do país, para empreendedores da indústria de celulose plantarem culturas mais rentáveis.
A boa notícia ficou por conta de Paraná e Santa Catarina, onde houve redução do desmatamento no período analisado.

Grande SP tem pior situação

da Reportagem Local

A Grande São Paulo foi a região mais atingida pelo desmatamento no Estado, de acordo com o último levantamento do Inpe (1990-95).
O estudo, baseado em fotos de satélite, fez "recortes" em toda a costa brasileira. Na área que compreende a maioria dos 36 municípios da Grande São Paulo, foram devastados 12,9 mil hectares de mata atlântica. O valor é quase três vezes maior que o registrado no levantamento de 1985-90.
Outra área do Estado que também sofreu com os cortes de vegetação foi o litoral sul, no município de Iguape e entornos. Nessa área, foram desmatados 11 mil hectares.
Já em Santos, por exemplo, houve redução da área desmatada. Entre 1985 e 1990, o desmatamento atingiu 10 mil hectares, valor que caiu para 4.800 hectares no último levantamento.
No geral, a situação do Estado de São Paulo é "muito preocupante", segundo João Paulo Capobianco, secretário executivo do ISA.
"São Paulo é a região que reúne a maioria das entidades ambientalistas do país, que deveriam se mobilizar para impedir a devastação. Mas não foi isso que aconteceu", explica Capobianco.
O Estado perdeu, no período 1990-95, 70.883 hectares de mata. Foi uma redução de 3,8% em apenas cinco anos. Hoje, São Paulo tem 7,64% da mata atlântica que havia na época da colonização.
Boa notícia
Os Estados de Santa Catarina e Paraná, que registraram os maiores índices de devastação no levantamento 1985-90, obtiveram reduções consideráveis no estudo posterior.
O Paraná, campeão de desmatamento com uma redução de 8,7% entre 1985 e 1990, derrubou o índice pela metade nos cinco anos posteriores.
Já Santa Catarina abaixou o ritmo de corte de mata de 6,1% para 3,64%, no mesmo período analisado. No entanto, os ambientalistas ainda não conseguiram avaliar a qualidade da mata que foi reposta.
"Isso mostra que é possível regenerar áreas devastadas. Basta vontade política e empenho do governo em fiscalizar", diz Capobianco.

Projeto de controle está emperrado desde 93

da Reportagem Local

O Dia Nacional da Mata Atlântica, marcado para a próxima quarta-feira, dia 27 de maio, não será motivo de comemoração para os ambientalistas brasileiros.
Por causa de desavenças políticas, o projeto de lei que deve estabelecer mecanismos eficientes de controle e fiscalização e nortear o desenvolvimento sustentável de regiões ainda preservadas com mata nativa no país permanece emperrado no Congresso Nacional desde 1993.
A proposta inicial, do então deputado federal Fábio Feldmann (PSDB), prevê restrições para a realização de empreendimentos em áreas de mata atlântica (só seriam permitidos em áreas já degradadas), define relações com os pequenos produtores rurais e estabelece novos critérios, mais flexíveis, de manejo seletivo.
Hoje, a legislação nacional sobre mata atlântica segue o decreto 750, assinado pelo então presidente Itamar Franco, que não permite nenhum tipo de extrativismo. Ambientalistas dizem que a legislação atual é dura demais, não é respeitada, e a fiscalização é precária. O projeto de lei que tramita em Brasília prevê a possibilidade de extração pela população local, sem prejuízo para a região.
No ano passado, o deputado Paulo Bornhausen (PFL-SC) tentou modificar o projeto, transferindo para os municípios a responsabilidade pela mata atlântica de sua região.
"Seria a pena de morte para a mata, mas conseguimos derrubar essa proposta", diz o deputado Luciano Zica (PT-SP), autor de projeto substitutivo que hoje tramita no Congresso.
Dias depois de ter sua proposta aprovada, Bornhausen voltou atrás e admitiu rever a municipalização da mata.
Em março deste ano, o projeto de Feldmann, amplamente discutido com ambientalistas e órgãos de governo, estava pronto para ser votado. Mas integrantes da bancada ruralista impuseram obstáculos. Temendo que o projeto fosse derrotado, os autores retiraram o pedido de urgência para a votação.
Junto a cerca de 130 entidades que compõem a rede de ONGs da mata atlântica, Zica quer mobilizar a sociedade e os políticos para votar o projeto em julho. "Na véspera da eleição, será impossível."

Como foi feito o levantamento
da Reportagem Local

O levantamento da evolução histórica dos remanescentes de mata atlântica no país comparou a situação da vegetação em três momentos diferentes: 1985, 1990 e 1995.
Para esse estudo, os técnicos utilizaram as imagens do satélite do sistema Landsat TM, que é monitorado pelo Inpe, em dez estados brasileiros. Na coleta de dados de 1995, no entanto, não foi possível utilizar os dados de devastação de mata no Estado da Bahia, por falta de imagens sem nuvens.
Depois da digitalização dos dados, o cálculo das áreas devastadas é feito por um sistema de informação geográfica. Os técnicos determinam um ponto de referência na região de mata e marcam no mapa as áreas ao redor que perderam vegetação, com base nas coordenadas de latitude e longitude.
Para o levantamento, também foram considerados mata atlântica os diferentes remanescentes florestais e ecossistemas associados -como vegetação de restinga e mangue, por exemplo. A intenção do Inpe e da Fundação SOS Mata Atlântica é fazer, a partir de 1999, um levantamento anual. (FS)

Brasil tem apenas 7,2% da mata nativa

da Reportagem Local

O Brasil tem hoje apenas 7,2% da mata atlântica original que, na época da colonização, cobria 15% do território nacional, espalhada por 17 Estados.
O processo de ocupação, principalmente da costa brasileira, foi o principal fator para essa redução da cobertura vegetal.
Os anos 40, 50 e 60 registraram a maior devastação da cobertura vegetal. Em São Paulo, por exemplo, havia em 1935 cerca de 6,5 milhões de hectares de mata nativa -26,2% da cobertura original. Em 1962, restavam apenas 13,6%.
No levantamento 1985-90, o país tinha 8,8% da mata atlântica original. Na época, o desflorestamento ocorria à velocidade de uma área equivalente a cerca de 420 campos de futebol por dia.
Hoje, com apenas 7,2% da mata nativa, são desmatados o equivalente a 390 campos por dia.

Devastação afeta qualidade de vida

da Reportagem Local

A redução de mata atlântica ao longo das últimas décadas já está interferindo na qualidade de vida de milhões de brasileiros.
A tendência atual, com maior ênfase em áreas particulares, é o corte da mata para fazer campos de pastagem. Mas, em muitos locais, principalmente em regiões próximas a grandes centros urbanos, há desmatamento para ocupação humana, em assentamentos muitas vezes irregulares.
Esse é o caso da ocupação nos entornos da represa de Guarapiranga (na zona sul da cidade de São Paulo), onde hoje vivem mais de 500 mil pessoas.
A região começou a ser invadida no final dos anos 60. Até então, eram poucas famílias, principalmente de imigrantes nordestinos, que se instalavam em favelas às margens da represa.
Na década seguinte, o processo de urbanização se acelerou rapidamente. O governo, no entanto, não conseguiu acompanhar esse processo e não ofereceu a infra-estrutura necessária para os novos moradores da região.
A consequência é visível a qualquer pessoa que visite a região. Apesar dos esforços do governo estadual, que está investindo em saneamento básico no local, o esgoto é despejado diretamente na represa, responsável pelo abastecimento de água para 6 milhões de pessoas na região metropolitana de São Paulo. Por isso, o Estado gasta mais para tratar a água -que, mesmo com aditivos químicos, não apresenta a mesma qualidade de 20 anos atrás.
Outro efeito da devastação (a longo prazo) é o comprometimento da biodiversidade da mata atlântica. A área remanescente, que se tornou patrimônio nacional a partir da Constituição de 1988, concentra 171 das 202 espécies de animais ameaçados de extinção no Brasil, segundo levantamento do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
A região também reúne nascentes de centenas de rios que abastecem grandes cidades brasileiras e concentra cerca de 10 mil espécies de plantas endêmicas (encontradas apenas na mata atlântica).
O presidente do Ibama, Eduardo Martins, que participou ontem do evento de divulgação dos dados do novo levantamento na sede do Inpe, em São José dos Campos, diz que ainda este ano cerca de 75 mil hectares de floresta de mata atlântica serão transformados em unidades de conservação ambiental.

FSP, 23/05/1998, São Paulo, p. 3-11

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff23059811.htm

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff23059812.htm

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