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Rio+20 vai buscar compromisso global para tirar economia verde do papel

OESP, Vida, p. A17
23 de Abr de 2011

Rio+20 vai buscar compromisso global para tirar economia verde do papel
Governo brasileiro aposta que evento de 2012 será decisivo para convencer nações a criar diretrizes visando a uma economia sustentável

Lisandra Paraguassu / Brasília

Vinte anos depois, a discussão sobre desenvolvimento sustentável voltará ao Rio de Janeiro. A conferência Rio+20, em junho de 2012, pretende tirar o assunto do mero conceito, definido em 1992, para a prática.
A tarefa, no entanto, parece ainda ser uma utopia. Se nesse período o mundo avançou na produção menos poluidora, na consciência de não usar sacolas plásticas ou defender o uso da bicicleta, a economia verde - a maneira de fazer negócios, de gerar empregos e garantir qualidade de vida sem agredir ainda mais o meio ambiente - pouco avançou, apesar dos discursos.
Proposta pelo governo brasileiro às Nações Unidas em 2009, a Rio+20 terá dois temas centrais: a economia verde e o combate à pobreza e a criação de uma governança global que alie economia, desenvolvimento humano e meio ambiente. E é no primeiro que se concentram as maiores esperanças de um avanço completo.
Analistas do governo ouvidos pelo Estado revelam que a crise econômica, prejudicial a negociações como a do clima - que exigiriam altos gastos para mudar o modo de produção -, pode ser favorável à discussão sobre desenvolvimento sustentável. A ideia é que está na hora de se definir como fazer os investimentos do novo milênio, e a opção pode ser por uma economia sustentável de longo prazo.
"A economia verde realmente tem uma aplicação mais fácil e imediata, é possível chegar a resultados visíveis e concretos", diz Aaron Belinky, coordenador de processos internacionais do Instituto Vitae Civilis, ONG que organiza a iniciativa Diálogos Nacionais Rumo à Rio+20.
Apesar de faltar mais de um ano para o encontro, a comunidade europeia já discute, por exemplo, propor um protocolo de metas a serem cumpridas pelos países - o que é visto com ceticismo, já que outros instrumentos do tipo acabam por ficar no papel. Ainda assim, há um certo otimismo com os resultados possíveis da conferência. Pelo menos nesse tema. "Em relação à governança ambiental está muito mais cru do que deveria. Está muito atrasado", avalia Belinky.
Sem diálogo. Nessa área, justamente a mais difícil, pouco se discutiu até agora. A ideia de uma governança global é a criação de mecanismos internacionais de ação que aliem economia, desenvolvimento humano e meio ambiente. Hoje, todas as organizações, programas e fundos internacionais sobre esses assuntos são absolutamente separados e não conversam entre si.
"Mais do que isso, nem o lado ambiental nem, na verdade, o desenvolvimento têm ferramentas que lhe deem capacidade de ação como tem, por exemplo, a Organização Mundial do Comércio (OMC). Seria preciso criar algo que pudesse direcionar o desenvolvimento, mediar e impor sanções, se fosse o caso", diz Belinky.
A outra proposta já levantada é ainda mais polêmica: uma coordenação-geral entre as três áreas, uma espécie de organização guarda-chuva que abrigasse todas as discussões que envolvessem economia, desenvolvimento e meio ambiente. "É muito complicado porque significa perda de poder para alguns", afirma.
Nos próximos 12 meses, tanto o governo brasileiro como ONGs em todo o País - e fora do Brasil - vão preparar os temas e propostas a serem levados para o Rio de Janeiro. A expectativa é de que, apesar das frustrações dos últimos anos, os resultados da Rio+20 sejam tão promissores quanto pareceram os da Rio92.

Expectativa
A Rio+20 quer repetir a Eco 92, que aprovou as convenções do clima e da biodiversidade, a Agenda 21 global e uma declaração sobre florestas.

Modelo de desenvolvimento segue inalterado
Avanço da consciência ambiental é legado da Eco92, mas práticas contradizem discurso

Lisandra Paraguassu
Brasília

Desde a Eco 92, quando se criou o conceito de desenvolvimento sustentável, a consciência ambiental avançou. A prática, no entanto, ainda está muito longe de incorporar os pontos mais elementares da economia verde. Uso excessivo de petróleo, desmatamento e produção exagerada de resíduos continuam na pauta do dia.
"Avançamos muito nas coisas que dependem de tecnologia, de produtividade, de eficiência. Os processos que, além de melhorarem o impacto ambiental aumentavam o lucro e a competitividade, avançaram. Por outro lado, estamos muito atrasados nas mudanças do modelo de desenvolvimento", avalia Aaron Belinky, coordenador de processos internacionais do Instituto Vitae Civilis.
Exemplos de práticas que não combinam com o discurso não faltam. Nos anos 90 e 2000, o uso de automóveis do tipo SUV (Sport Utility Vehicle) - carros de passeio que usam plataformas de caminhonetes - cresceu enormemente, especialmente nos Estados Unidos e na Austrália.
Classificados como "caminhões leves", os veículos fugiam das restrições de emissões dos carros de passeio, mas consumiam o dobro de gasolina de um carro normal. Em anos de petróleo barato no mercado mundial, a questão ambiental não entrou na equação nem para as empresas, nem para os consumidores.
Esta semana, o Estado revelou mais um caso de prática muito longe do discurso. Para construir 500 casas populares do programa Minha Casa, Minha Vida, em Parintins, no Amazonas, foram derrubadas castanheiras de uma área de 300 mil m². A contrapartida para a obtenção da licença ambiental para a obra era que fossem plantadas 1,5 mil mudas de castanheiras, mas até agora nada foi feito.
"Mesmo que fosse feito, para uma muda virar uma árvore são dezenas de anos. Sem contar que o modelo adotado tem pouco a ver com a realidade regional. Gasta mais água, mais energia", diz Belinky. "São exemplos de como estamos atrasados. Tudo aquilo que se coloca de impacto positivo de longo prazo ficou para trás."

Brasil quer atuar como líder no debate ambiental

Lisandra Paraguassu

Desde que assumiu o posto, em janeiro passado, a única mudança na estrutura do Itamaraty feita pelo ministro das Relações Exteriores, Antonio de Aguiar Patriota, foi a criação de uma subsecretaria-geral de Meio Ambiente e Energia. Uma alteração burocrática, na aparência, o ato revela, na verdade, o que o ministro acredita ser a vocação brasileira no cenário internacional: liderar as discussões sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável para o combate à pobreza.
Patriota acredita que essa é uma área onde o Brasil tem experiência, liderança e o que mostrar. A avaliação do Itamaraty é que nenhum outro país pode hoje falar tão bem do tema. Entre os ricos, a maior parte já atingiu um grau saudável de desenvolvimento social, mesmo que à custa da exploração de seus recursos naturais - e, hoje, os ricos falam apenas em preservação. Os países em desenvolvimento tendem a deixar o tema em segundo plano, já que o importante é tirar grandes contingentes populacionais da miséria.
O Brasil, avalia a diplomacia brasileira, seria um dos poucos que tentam fazer as duas coisas ao mesmo tempo.
Depois da fracassada Conferência do Clima, em Copenhague, no final de 2009, o Brasil foi um dos poucos países a sair do encontro com um papel internacional positivo. Capitalizar essa liderança está nos planos brasileiros, e passa pela Conferência Rio+20, no ano que vem.
O encontro foi proposto pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva às Nações Unidas em 2009, votado e aprovado no ano passado, incluindo o Rio de Janeiro como sede. O governo brasileiro sabe que corre o risco de sair da conferência com um fracasso em mãos - a condução do processo de discussão normalmente cabe ao país-sede, que fica com a pecha de ajudar ou atrapalhar o trabalho, como aconteceu com a Dinamarca no ano retrasado.
Ainda assim, avalia o Itamaraty, é um risco necessário e uma oportunidade.

OESP, 23/04/2011, Vida, p. A17

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